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quinta, 06 de novembro de 2025
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De ex-alcoólatra a referência no atletismo: a história de superação de Joãozinho Corredor

31 Out 2025 - 15h36Por Lourival Izaque
De ex-alcoólatra a referência no atletismo: a história de superação de Joãozinho Corredor -

Por anos, o palco da vida de João Carlos Teixeira, de 58 anos, conhecido carinhosamente como “Joãozinho Corredor”, foi marcado pelo alcoolismo. 

Nascido e criado em São Carlos, ele viveu intensamente os altos e baixos de quem enfrenta uma dependência que, como ele mesmo define, “não tem cura, é uma doença”. 

Foram 16 anos mergulhado no vício, período em que perdeu a saúde, a dignidade e, por pouco, a família.

Mas a virada veio de um lugar improvável: o esporte. Mais precisamente, a corrida. Hoje, Joãozinho é símbolo de superação e exemplo de transformação. Conhecido nas ruas, nas pistas e nas provas de atletismo da cidade, ele trocou os copos de bebida por quilômetros percorridos e medalhas conquistadas.

“Comecei com o karatê há mais de 30 anos. Era uma forma de tentar melhorar minha disciplina e o condicionamento físico. Mas, para evoluir no karatê, me recomendaram correr. Quando comecei, me apaixonei. O bichinho da corrida me picou e nunca mais parei”, relembra.

O começo, porém, não foi fácil. Sem dinheiro para comprar um tênis adequado, João usava o que tinha: um par de futsal. As dores nas canelas eram constantes, mas a vontade de mudar de vida falava mais alto.

“Na época eu ainda bebia. Saía com os amigos quase todos os dias. Mas chegou um momento em que precisei escolher: ou continuava naquele caminho, ou abraçava a corrida de vez. 

Porque não dá pra beber à noite e treinar de manhã. O corpo cobra.”

A escolha foi pela vida. “Já faz 28 anos que larguei o álcool. Não foi fácil, mas a corrida me deu um prazer muito maior do que qualquer bebida. Acordar bem, com disposição, ter saúde... isso não tem preço.”

Com o tempo, Joãozinho não só se tornou um corredor premiado, com diversos pódios em provas de rua e atletismo de pista, como também encontrou um novo propósito: ser atleta-guia de deficientes visuais.

A nova missão surgiu quando um amigo o convidou para ajudar um grupo de atletas cegos que treinavam na cidade. “Na época tinham três deficientes visuais e só dois guias. Me chamaram pra ajudar. No começo, muita gente criticou: ‘Você está na sua melhor fase, ganhando troféus, vai ficar carregando cego nas costas?’. Mas foi a melhor escolha que fiz.”

A conexão com os atletas é algo difícil de descrever. “Você se torna os olhos da pessoa. Ela confia totalmente em você. 
Cada pódio conquistado ao lado deles tem um valor imenso. Subir ao pódio junto com um atleta cego é uma emoção que não dá pra explicar.”

Um dos momentos mais marcantes da carreira foi nos Jogos Regionais, quando João precisou substituir outro guia na prova dos 200 metros rasos uma distância que não era sua especialidade.

“O atleta era o Maxwell. Na curva da pista, o guia de um adversário gritou ‘vai’, e o Maxwell achou que fosse eu. Ele disparou e eu fui arrastado uns 20 metros de lado, mas não soltei a cordinha. Chegamos em primeiro e ganhamos o ouro. A arquibancada inteira ficou de pé.”

Atualmente, além de continuar sendo atleta-guia quando necessário, Joãozinho dedica parte do tempo a projetos sociais com crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA), através da ASA (Associação São-carlense de Atletismo). “É outro mundo. A gente trabalha com inclusão e qualidade de vida. Saber que estou fazendo a diferença na vida dessas crianças é gratificante.”

Entre os hábitos que carrega até hoje está o de comer uma maçã antes de cada treino ou corrida. “É psicológico. Comecei com medo de passar mal durante a prova e comia uma maçã antes. Até hoje mantenho esse costume.”

Quando o assunto é o futuro do atletismo em São Carlos, João é direto: “Falta valorização. Temos estrutura, temos pista oficial, mas falta incentivo. As pessoas só lembram da saúde quando já estão doentes. O atletismo é prevenção, é saúde.”

E deixa um recado para quem acha que já passou da idade de começar: “Comecei a correr com 35 anos. Hoje, com 58, estou aqui, mais ativo do que nunca. Se eu não tivesse começado, provavelmente nem andando eu estaria mais. Não importa a idade, o importante é começar.”

De ex-alcoólatra a referência no atletismo local, João Carlos Teixeira mostra que, com força de vontade e um par de tênis  mesmo velho no início é possível mudar o rumo da própria história. Das noites nos bares às manhãs nas pistas, ele segue colecionando não só medalhas, mas principalmente histórias de superação.

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