
É sempre polêmica a discussão em torno de um tema delicado, qual não seja a denominada “morte medicamente assistida”, cuja despenalização já foi votada na Assembleia da República Portuguesa (Parlamento) depois de sete anos de debates e três tentativas de promulgação, estando agora e uma vez mais nas mãos do Presidente da Nação para sua etapa final. Se aprovada a lei, Portugal junta-se a outros países europeus que já contemplam essa medida: Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo e Espanha. No Brasil, segundo a Constituição Federal, todo cidadão tem o direito à vida e a eutanásia é considerada homicídio doloso. Como escrevi acima, este é um tema polêmico e difícil de ser abordado, atendendo a que existem correntes a favor e contra. Enquanto uns argumentam que viver é um direito e não uma obrigação, alegando que o paciente deve ter direito à sua autonomia em ter uma morte indolor, e evitar a dor e o sofrimento de pessoas em fase terminal e de seus familiares, outros afirmam que a vida deve ser mantida até o corpo falecer naturalmente, sendo a morte medicamente assistida considerada homicídio. Resumindo, estes debates sobre a morte medicamente assistida e a eutanásia, por um lado alimentam a legalização e o direito do doente escolher sua morte, e, por outro, consideram-na crime. Vamos então saber o que diz o diploma enviado pelo parlamento português ao Presidente da República. O documento considera como morte medicamente assistida, não punível (sem crime), a que ocorra "por decisão da própria pessoa, maior, cuja vontade seja atual e reiterada, séria, livre e esclarecida, em situação de sofrimento de grande intensidade, com lesão definitiva de gravidade extrema ou doença grave e incurável, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde. Esse pedido poderá ser feito em duas situações completamente distintas: em caso de lesão definitiva de gravidade extrema; ou em caso de doença grave e incurável. De acordo com o texto, uma "lesão grave, definitiva e amplamente incapacitante é aquela que coloca a pessoa em situação de dependência de terceiros ou de apoio tecnológico para a realização das atividades elementares da vida diária, existindo a certeza ou probabilidade muito elevada de que tais limitações venham a persistir no tempo, sem possibilidade de cura ou de melhoria significativa". A doença grave e incurável é definida como "doença que ameaça a vida, em fase avançada e progressiva, incurável e irreversível, que origina sofrimento de grande intensidade". A morte medicamente assistida é feita através de dois procedimentos: por eutanásia, que consiste na "administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito", ou através do suicídio medicamente assistido, definido como a "autoadministração de fármacos letais pelo próprio doente, sob supervisão médica". O requerimento para a morte medicamente assistida pode ser feito por cidadãos nacionais, ou legalmente residentes em território nacional, obrigatoriamente maiores de idade. O pedido inicial é dirigido ao médico "escolhido pelo doente como médico orientador", que tem um prazo de 20 dias para emitir um "parecer fundamentado" sobre se o doente cumpre todos os requisitos exigíveis. Nesta fase, o médico orientador tem de informar o doente sobre "os tratamentos aplicáveis, viáveis e disponíveis, designadamente na área dos cuidados paliativos, e o respetivo prognóstico". Se o doente reiterar a sua vontade (por escrito), o processo passa para um segundo médico, " especialista na patologia que afeta o doente", que emite também um parecer, confirmando ou não o "diagnóstico e prognóstico da situação clínica e a natureza grave e incurável da doença, ou a condição definitiva e de gravidade extrema da lesão". Se o parecer for positivo, o doente tem de, pela segunda vez, reiterar a sua vontade por escrito. O pedido é aceite se nenhum destes médicos considerar que o doente precisa de uma avaliação psiquiátrica. Se algum dos clínicos manifestar dúvidas "sobre a capacidade da pessoa para solicitar a morte medicamente assistida" revelando uma vontade séria, livre e esclarecida, ou considerar que a pessoa possa ter uma "perturbação psíquica ou condição médica que afete a sua capacidade de tomar decisões" passa a ser obrigatório o parecer de um médico especialista em psiquiatria. Concretizada esta terceira fase o doente tem de voltar a reiterar a sua vontade por escrito. Qualquer parecer médico desfavorável põe fim ao processo. De acordo com o texto, o procedimento pode ser "reiniciado com novo pedido de abertura" por parte do doente. Neste diploma, é "assegurado, ao longo de todo o procedimento, o acesso a acompanhamento por parte de um especialista em psicologia clínica" - este acompanhamento é "obrigatório", salvo se o doente o "rejeitar expressamente". Seguidamente, o processo tem de ser enviado à Comissão de Verificação e Avaliação dos Procedimentos Clínicos de Morte Medicamente Assistida (CVA), que tem cinco dias úteis para avaliar se foram ou não cumpridos todos os requisitos legais. Em caso de parecer desfavorável, o processo em curso é cancelado. Caso seja favorável, o doente tem de reiterar a sua vontade por escrito. Se o paciente ficar inconsciente antes da data marcada para a realização do procedimento de morte medicamente assistida, este é "interrompido e não se realiza, salvo se o doente recuperar a consciência e mantiver a sua decisão". É contemplado um período mínimo de dois meses entre o requerimento inicial do paciente e a concretização da morte medicamente assistida. Por último, saliente-se que neste diploma "nenhum profissional de saúde pode ser obrigado a praticar ou ajudar ao ato de morte medicamente assistida de um paciente se, por motivos clínicos, éticos ou de qualquer outra natureza, entender não o dever fazer, sendo assegurado o direito à objeção de consciência a todos os que o invoquem". Uma vez mais se constata que o tema é polêmico. Vamos ver se o Presidente da República de Portugal promulga (ou não) este diploma, transformando-o em lei. (Com informações de Susete Francisco / DN)
O autor é jornalista profissional / correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists / European News Agency) - MTB 66181/SP.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.