
Com quase seis séculos de presença humana continuada, os Açores granjearam um lugar importante na História de Portugal e na história do Atlântico. Constituíram-se em escala para as expedições dos Descobrimentos e para naus da chamada “Carreira da Índia”, das frotas da prata, e do Brasil. Os Açores contribuíram para a conquista e manutenção das praças portuguesas do Norte da África e quando da crise de sucessão de 1580 e das Guerras Liberais (1828–1834) constituíram-se em baluartes da resistência e durante as duas Guerras Mundiais em apoio estratégico vital para as forças Aliadas.
A emigração dos portugueses, de forma organizada, principalmente tendo como destino as colônias portuguesas, teve uma predominância bastante grande nos séculos XVII e XVIII, com um destaque especial rumo ao Brasil, considerado uma espécie de “novo mundo”, com novas oportunidades de vida. Muitas dessas promessas de prosperidade acabariam por se tornar amargas, cheias de sacrifícios, principalmente para quem decidia emigrar de locais mais distantes de Portugal continental, como, por exemplo, os naturais do Arquipélago dos Açores, um conjunto de ilhas que não tinha recursos suficientes para uma vida digna.
A partir da década de 1830, o fluxo migratório português intensificou-se ao ponto de as autoridades e a opinião pública reconhecerem que esse movimento era praticamente uma “escravatura branca” ou “escravatura açoriana”, nome dado à emigração clandestina e exploradora. A ênfase para esse termo foi atribuída pela exploração ilegal que recaía sobre os açorianos, em sua maioria mulheres, que chegavam ao Brasil em condições extremamente precárias, sendo muitas vezes obrigadas a trabalhar em situações de exploração e em locais degradantes, como, por exemplo, em prostíbulos. O termo “escravatura branca” foi atribuído exatamente em 1830 pelo Secretário de Estado José Maria Capelo, que denunciou este tráfico que afetava principalmente pessoas dos Açores, Madeira e norte de Portugal.
Em 1839, Almeida Garrett, deputado e escritor, levantou a sua voz contra esta exploração, destacando a desigualdade sofrida pela população açoriana em relação ao continente. Nos anos seguintes, o governo português tentou, em vão, tomar medidas para controlar este tráfico, já que não existia nenhuma lei que proibisse a mudança de domicílio.
No Brasil, o então presidente Getúlio Vargas, também tentou colocar um freio a essa situação, ao promulgar uma lei que instituía cotas de imigração no país, limitando o número de estrangeiros que entravam, mas sem sucesso já que o fluxo de açorianos e de outros portugueses continuou a ser uma realidade, mesmo durante o início do século XX, até porque os portugueses e principalmente os açorianos eram considerados ótimos trabalhadores, dedicados e fiéis. Este tipo de “escravatura” incluía, na maioria das vezes, contratos de trabalho extremamente exploratórios para os emigrantes, que assinavam acordos injustos e abusivos com a promessa de uma vida melhor. Além das péssimas condições de trabalho no Brasil, o transporte marítimo já era uma provação: os navios estavam sobrelotados e careciam das mínimas condições de segurança e higiene, resultando em muitas mortes antes mesmo de os emigrantes chegarem ao destino. Os que sobreviviam, chegavam enfraquecidos e vulneráveis, tornando-se presas fáceis para os empregadores, que os mantinham numa espécie de servidão económica, já que estes tinham de pagar a sua passagem com o salário que recebiam, ficando assim perpetuamente endividados.
Na imprensa portuguesa, os jornais começaram a dedicar-se à consciencialização das autoridades para combater o aliciamento e as falsas promessas que levavam tantas famílias a desfazerem-se de todos os seus bens, deixando para trás a sua terra natal em busca de uma prosperidade ilusória. Apesar de portarias e regulamentações diversas, como a obrigatoriedade de passaporte e de melhores condições no transporte dos emigrantes, estas medidas eram frequentemente ignoradas ou insuficientes para travar a clandestinidade. Em 1859, a situação era tão preocupante que o governo enviou o Primeiro-Tenente da Armada, Aires Pacheco Lamare, à ilha de São Miguel, nos Açores, para estudar soluções para colocar um ponto final na crise migratória. Mais tarde, em 1863, o Regulamento Geral de Polícia incluiu medidas mais rigorosas para monitorizar as embarcações destinadas ao transporte de emigrantes e estipulou tipos específicos de navios para estas travessias. Mas, ainda assim, o problema persistiu.
O aliciamento de emigrantes era difícil de travar. Os agentes de emigração percorriam aldeias e vilas em busca de candidatos, prometendo-lhes fortuna e uma vida de abundância. Muitas pessoas, numa situação de pobreza e desespero, vendiam os seus bens e embarcavam, sem suspeitar das verdadeiras condições que as esperavam do outro lado do Atlântico. Os contratos eram desleais, o trabalho árduo e, em muitos casos, perigoso. A esperança de um futuro melhor era substituída pela dura realidade da exploração, e, para muitos, o sonho de uma nova vida terminava de forma trágica.
A história da emigração açoriana para o Brasil reflete um capítulo difícil e sombrio da História de Portugal
Fontes consultadas:
1. Documentos oficiais portugueses: Arquivo Nacional da Torre do Tombo e Bibliotecas Nacionais (Decretos de 1830 e 1863 sobre emigração e regulamentação).
2. José Maria Capelo: Registos e discursos parlamentares de Capelo sobre a “escravatura branca”.
3. Almeida Garrett: Escritos e discursos de Garrett sobre a desigualdade dos emigrantes açorianos.
4. Imprensa portuguesa: Arquivos de jornais portugueses, como o “Diário de Lisboa“, abordando a exploração dos emigrantes.
5. Registos consulares e de imigração: Arquivos históricos relacionados à imigração portuguesa no Brasil, incluindo os Registos de Emigrantes Portugueses.
6. Estudos académicos sobre imigração: Livros e artigos de historiadores especializados, como Luís Carlos de Lima.
(Texto adaptado ao original publicado por “VxMag”)
O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.