
Ao falarmos sobre plantas medicinais, muitos se lembram dos tradicionais chás preparados por nossas avós, considerados “remédios naturais” que, mesmo tomados a contragosto, aliviavam diversos sintomas. Esse saber popular tem raízes profundas nos conhecimentos dos nossos ancestrais, que utilizavam as plantas como forma de tratamento, cura e prevenção de doenças.
O Brasil abriga cerca de 20% de toda a biodiversidade do planeta, sendo o país com a maior variedade de plantas do mundo, mais de 50 mil espécies catalogadas. Esse número pode ser ainda maior, já que muitas regiões ainda não foram completamente exploradas cientificamente. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, as espécies conhecidas representam apenas cerca de 10% da biodiversidade nacional.
Nos últimos anos, o interesse por fitoterapia e insumos de origem vegetal vem crescendo de forma expressiva, impulsionado tanto pelo mercado interno quanto pela demanda internacional. Contudo, esse avanço também trouxe à tona sérios desafios, como a adulteração de plantas medicinais — um problema que compromete a segurança do consumidor e a credibilidade do setor.
Plantas Medicinais x Fitoterápicos
Plantas medicinais são aquelas que contêm substâncias terapêuticas em partes como folhas, flores, raízes ou cascas. Já os fitoterápicos são produtos industrializados obtidos a partir dessas plantas, disponíveis em formas variadas como cápsulas, comprimidos, pomadas, tinturas ou xaropes. No mercado, esses produtos chegam ao consumidor de duas formas principais: in natura ou secas, geralmente utilizadas em chás (decocção, infusão ou maceração), e industrializadas, como medicamentos fitoterápicos.
Para muitas populações em situação de vulnerabilidade, especialmente nas zonas rurais e periféricas, as plantas medicinais são a única alternativa acessível para tratar problemas de saúde, diante das limitações no acesso a medicamentos alopáticos, homeopáticos e até mesmo fitoterápicos.
Fiscalização e Regulação
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), junto aos órgãos estaduais e municipais de vigilância, forma o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS), responsável pela fiscalização de farmácias e indústrias. A Anvisa também atua na orientação do uso correto dos fitoterápicos, com publicações como o Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira e o Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira, que orientam tanto profissionais de saúde quanto farmácias autorizadas.
O Mercado e Seus Desafios
A busca por alternativas naturais aumentou especialmente durante e, após a pandemia de COVID-19, contribuindo para a expansão do mercado de fitoterápicos. Programas como o RENISUS (Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS) incentivam o cultivo de espécies nativas com potencial terapêutico.
Apesar disso, a padronização e o controle de qualidade ainda são pontos frágeis. Por se tratar de compostos complexos, a análise química dessas plantas exige equipamentos de alta precisão e profissionais altamente qualificados. Um exemplo é o trabalho realizado no Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica(CEPOF) – INCT - Instituto de Física de São Carlos (IFSC) - USP, sob coordenação do Prof. Dr. Vanderlei Salvador Bagnato, com destaque para a Dra. Juliana C. Barreiro, doutora em química. O desenvolvimento de métodos confiáveis de controle de qualidade ainda representa um alto custo para empresas do setor.
Adulterações e Riscos
O consumo de plantas in natura ou trituradas, sem padronização, amplia o risco de adulterações, que podem ocorrer por:
- Substituição de espécies: como a troca da verdadeira espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) pela falsa espinheira-santa (Sorocea bonplandii);
- Contaminação cruzada: mistura acidental de espécies durante a colheita ou o armazenamento;
- Adição de materiais inertes: como folhas ou caules sem efeito terapêutico, usados para aumentar o peso do produto.
Essas adulterações geralmente ocorrem por falhas na cadeia produtiva, falta de capacitação técnica de coletores e produtores, ou por interesses econômicos.
Apesar dos avanços regulatórios e tecnológicos, o Brasil ainda enfrenta grandes obstáculos no uso seguro de plantas medicinais. Para consolidar esse setor de forma sustentável e segura, é essencial:
- Fortalecer a rastreabilidade na cadeia produtiva;
- Capacitar coletores e pequenos produtores;
- Investir em tecnologias de análise e controle de qualidade;
- Integrar esforços entre pesquisadores, produtores e indústria farmacêutica.
O uso de plantas medicinais deve ser sempre feito com responsabilidade. Em caso de dúvidas ou sintomas persistentes, é fundamental buscar a orientação de um profissional de saúde qualificado.
Fontes: Dra. Cristina Aparecida Diagone Fontana de Souza – Pesquisadora CEPOF – INCT – IFSC – USP; Prof. Dr. Vanderlei Salvador Bagnato – Coordenador do CEPOF – INCT – IFSC – USP e Membro do Grupo de Óptica; Prof. Dr. Jarbas Caiado de Castro Neto – CEPOF – INCT – IFSC -USP – Grupo de Óptica; Me. Kleber Jorge Savio Chicrala – Jornalismo Científico e Difusão Científica – CEPOF – INCT – IFSC – USP – Grupo de Óptica.
Dra. Cristina Aparecida Diagone Fontana de Souza é Bacharel em Química pelo Instituto de Química (IQSC) da Universidade de São Paulo, mestrado e doutorado pelo IQSC nas áreas Físico-química e Química Analítica, respectivamente. MBA em engenharia de produção pela UFSCAR.
Atualmente é pesquisadora no IFSC-USP, no Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) localizado no Instituto de Física de São Carlos (IFSC) sobre a orientação do Professor Dr.
Jarbas Caiado de Castro Neto. .É inspetora externo do INMETRO na especialidade de Boas Práticas de Laboratório e atua na pesquisa de marcadores e screaning de compostos presentes nos grãos de café. Tem doutorado na área de química analítica com foco em plantas medicinais.