
Os conflitos entre estados afetivos contraditórios causam os maiores transtornos.
O caso exemplar é a oposição entre amor e ódio.
Amor e ódio não se excluem. Movem-se num mesmo campo e, apesar de possuírem aspectos aparentemente distintos, a relação entre estes dois sentimentos envolve uma ligação entre eles.
O ódio também é um estado afetivo, uma paixão. Embora seja relegado à condição de mal-dito e condenado ao silenciamento pelo recalque moral das idealizações, é preciso bem dizer o ódio, reconhecê-lo, chamá-lo pelo nome e, sobretudo, aprender a conviver com sua inexorável presença.
O psicanalista Jacques Lacan cunhou o neologismo “amódio” como síntese dialética entre amor e ódio. Somos todos seres amódicos: amamos e odiamos com igual intensidade, muitas vezes o mesmo objeto. Amar e odiar são paixões enlaçadas para todo o sempre. Por mais esforço civilizatório para silenciar e reprimir o ódio, todo este projeto está condenado ao fracasso. O retorno do recalcado se faz presente com mais força e intensidade. O ódio marca sua presença no macro e no microcosmo social. As notícias veiculadas diariamente pelas mais diferentes mídias demonstram com precisão a presença do ódio. Nos tempos atuais, ele habita o universo virtual das redes de comunicação social. Exemplos estão disponíveis por todos os lados.
Na condição de indizível, o ódio faz mais barulho e perturba o ideal de paz e harmonia que só o amor poderia proporcionar. Não sem motivo que o ódio é personificado na figura do diabo, demônio maligno que confunde e subtrai a razão. Como indesejável, o ódio se faz presente na forma de raiva, agressividade e, não raro, com muita crueldade. A associação entre amor e paz de um lado e ódio e guerra do outro, também demonstra o caráter belicoso em jogo nas paixões.
Em geral, apaixonar-se é algo bom, seja por alguém ou por uma determinada causa. Contudo, é possível considerar que aquilo que se mobiliza aos extremos, num certo furor, não parece ser uma coisa positiva, por assim dizer, mas que pode derivar para uma passionalidade capaz de realizar atos, inclusive, destrutivos.
A relação amor e ódio, compreende uma correspondência e uma identificação entre esses dois elementos. Odeia-se algo que, de algum modo, se considera, admira ou que já tenha sido produto de uma relação anteriormente de forma mais objetiva. Nesse caso, ao odiar algo a ponto de se pronunciar apaixonadamente em repressão a este objeto, acaba-se por sinalizar a existência de um vínculo de identificação com o mesmo, como uma espécie de inveja por não ter, por sua vez, uma relação estreita de envolvimento com ele ou a coragem de realizar aquilo que enfaticamente se critica neste objeto odiado.
O ódio não é sinônimo de violência, mas pode, em virtude de uma paixão, mover o sujeito de forma violenta a tentar suspender um sentimento antagônico de suposta violência sentida, que se traduz na impossibilidade de compreensão e aceitação do objeto odiado que lhe tem correspondências emocionais ainda não conscientemente reveladas, mas que lhe causa fortes reações.
As relações sociais estão cheias de posições ambíguas da via de amor e ódio, de incompreensão e necessidade de controle emocional sobre o objeto odiado.
Sendo assim, quando alguém sentir ódio, deve prestar bem a atenção e ter o cuidado de avaliar o que o incomoda sobre determinada pessoa, grupo ou questão que é produtora desse sentimento.
Pois, muito provavelmente, no fundo de uma paixão que resulta num sentimento exacerbado de oposição, reprovação e censura, poderá residir algo que o sujeito precise muito aprender, conhecer e lidar sobre si mesmo.
(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.




