
O ambiente doméstico tem um grande impacto sobre a saúde mental e o desenvolvimento de longo prazo das crianças – e não apenas por causa da relação entre pais e filhos. A dinâmica de relacionamento entre os próprios pais também desempenha um papel crucial no bem-estar das crianças, em sua performance acadêmica e em seus relacionamentos futuros.
Antes de mais nada, é preciso destacar que, na maioria das vezes, pequenas discussões cotidianas são parte da vida e têm um impacto nulo ou muito pequeno nos filhos. O que realmente afeta as crianças são comportamentos como gritos e demonstrações mútuas de raiva diante dos filhos, ou quando um cônjuge ignora o outro constantemente. Quando há violência entres eles, não preciso nem mencionar o prejuízo.
Uma recente revisão de pesquisas internacionais, conduzidas ao longo de décadas e analisando comportamentos domésticos e o desempenho de crianças ao longo da vida, sugere que, a partir dos seis meses de vida, crianças expostas a conflitos tendem a ter batimentos cardíacos mais acelerados e níveis mais altos de estresse – o que, por sua vez, prejudica a formação de conexões neurais nos cérebros infantis.
Conflitos interparentais severos ou crônicos podem, portanto, provocar consequências como interrupções no desenvolvimento cerebral, distúrbios do sono, ansiedade, depressão, indisciplina e outros problemas graves em bebês, crianças e adolescentes.
Desempenho acadêmico e disciplinar dos filhos pode ser afetado por brigas constantes entre os pais.
Efeitos similares são observados em crianças expostas a brigas menos intensas, porém contínuas, em comparação com crianças cujos pais resolvem seus conflitos e negociam entre si de modo construtivo.
Muitos adultos acreditam que o divórcio – ou a decisão dos pais de deixarem de morar juntos, é o que causa problemas nas crianças, porém as discussões ocorridas antes, durante e depois do divórcio que causa danos, e não a separação em si.
Ao mesmo tempo, muitas vezes se atribui à genética a forma como as crianças respondem a conflitos. Mas o ambiente doméstico e a qualidade das trocas afetivas dentro de casa têm um papel central nessa equação.
Quando os pais resolvem seus conflitos de modo saudável, dão uma importante lição aos filhos.
A qualidade do relacionamento entre os pais é um elemento central, independentemente se os pais moram juntos ou não, se os filhos são biológicos ou adotivos.
Como agir – e como discutir?
Com dois anos de idade e até antes disso, as crianças são astutas observadoras do comportamento dos pais. Eles frequentemente percebem as discussões, mesmo quando os pais acham que estão brigando “escondidos”.
O que importa é o modo como a criança interpreta e entende as causas e potenciais consequências desses conflitos domésticos.
Vai ser com base nessas experiências que as crianças vão avaliar se o conflito pode aumentar, envolvê-las ou colocar em risco a estabilidade familiar – algo que deixa os filhos pequenos especialmente preocupados.
Meninos e meninas podem reagir de formas distintas aos conflitos interparentais
Elas também podem ficar com medo de seu próprio relacionamento com o pai e a mãe piorarem por causa das brigas.
Com frequência, projetos sociais voltados à saúde mental juvenil focam em amparar as crianças. Mas é possível que amparar os pais na resolução de seus conflitos tenha um grande impacto nessas crianças no curto prazo, além de dar a elas mais ferramentas emocionais para formar relacionamentos saudáveis com outras pessoas no futuro.
Pais que estejam preocupados quanto ao impacto de suas discussões nas crianças precisam saber que as crianças, na verdade, respondem bem quando os pais explicam e resolvem suas discussões de modo apropriado. Ao verem os pais solucionarem seus desentendimentos de maneira saudável, os filhos aprendem lições importantes que os ajudarão a entender suas próprias emoções e a se relacionar para além do círculo familiar.
Ajudar os pais a entender como seu comportamento mútuo afeta o desenvolvimento dos filhos cria as bases para formarmos crianças saudáveis hoje – e famílias mais saudáveis no futuro.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.
(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica. Sugestões: faleconosco@saocarlosagora.com.br




