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Universidade completa 50 anos

A história do Doutor Ernesto Pereira Lopes, um dos responsáveis pela vinda da UFSCar a São Carlos

13 Mar 2020 - 14h37Por Cirilo Braga
Doutor Ernesto foi um dos responsáveis pela vinda da UFSCar a São Carlos - Crédito: arquivo pessoalDoutor Ernesto foi um dos responsáveis pela vinda da UFSCar a São Carlos - Crédito: arquivo pessoal

Em meados dos anos 1970, logo após se retirar da vida pública, o então ex-deputado Ernesto Pereira Lopes, inconfundível com seu vistoso chapéu, óculos de aros grossos e bigode branco, circulava pela cidade ao volante de um Ford Corcel azul, atencioso com todos, desfrutando então daquele sossego próprio do homem comum, como nos tempos, então já distantes, em que chegou à cidade para começar a vida como médico.

Cumprimentava as pessoas com um jeito contido e levava uma rotina que em nada lembrava a agitação de antes; cultivava nessa fase a serenidade própria de quem cumprira uma longa jornada que então já o remetia às páginas dos livros de história.

Hoje em dia, deparar com a homenagem a ele no saguão da Prefeitura, onde um busto com a exata expressão que Doutor Ernesto possuía naqueles anos 1970, faz pensar nos caminhos que o ligaram à cidade de São Carlos.  E em especial se dar conta de que em 2019 acontecimentos marcantes em sua vida completam 90 anos. Em 1929, um jovem Ernesto formava-se médico, casava-se com Aracy, sua ex-colega de curso, e logo se mudaria para São Carlos.

Aos 24 anos, tomava o rumo do interior o filho de imigrante português que estudou na Escola Alemã Colégio Porto Seguro, a Escola Normal Caetano de Campos e na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Quem vive em São Carlos e se interessa pela forma como a cidade se desenvolveu a partir da metade do século passado, precisa lançar um olhar para a biografia de Pereira Lopes – um cidadão que a seu modo construiu um poderoso grupo empresarial, transitou pela mais alta esfera política do país, e tudo isso porque lá no princípio soube olhar além de si. Falou primeiro o médico, em síntese um humanista.

MÉDICO EM SÃO CARLOS

Para os pacientes pobres que atendia em São Carlos, costumava providenciar remédios e alimentação. Trabalhava das oito da manhã às dez da noite e seu consultório, o primeiro a contar com uma enfermeira que cuidava da agenda e organizava a rotina do atendimento, estava sempre lotado – e só se cobrava de quem podia pagar.

A opção por São Carlos decorreu do conhecimento que já possuía da cidade, que visitara algumas vezes a convite de seu amigo Sebastião, filho do professor Antonio Militão de Lima, com quem estudou na capital.

Definia sua rotina em São Carlos como “agitada, mas muito feliz, ao lado de Aracy”. Sem dúvida, naquela década muita coisa aconteceu. Em São Carlos nasceram primeiros quatro filhos do casal, Ernestinho, Francisco, Luís e José Carlos. Regina Maria, a caçula, nasceria logo depois, em São Paulo. (A descendência se formaria com os casamentos de Ernesto com Ely Di Piero, Francisco com Doris, Luís com Maria Cecília, José Carlos, com Sônia Maria Fehr, e Regina com Coriolano Morato Ferraz Meirelles).

Em 1932, Doutor Ernesto se incorporou ao movimento constitucionalista como médico e combatente (foi primeiro-tenente da infantaria). “Na época, o vírus - e paixão -pela política já tinha me atacado. Posso dizer que nunca me abandonou”, ele confidenciaria mais tarde. Em três anos se tornaria um parlamentar. Declarava enxergar a política conforme a definição de Aristóteles: “Ele dizia que é a arte, a ciência e a virtude de promover o bem comum”.

Assim foi que em 1935 concorreu nas eleições municipais, se elegeu vereador pelo Partido Democrático e logo em seguida presidente da Câmara de São Carlos, até o encerramento das atividades legislativas determinado pelo Estado Novo em 1937.

Retirou-se momentaneamente da cena política e, em 1940, retornou à capital, abrindo seu consultório na rua Marconi, 94, então conhecida como “a rua dos médicos” pela quantidade de consultórios ali concentrados. Em São Carlos, deixara encaminhados todos os seus pacientes para um grande amigo, o médico Romeu Santini.

INDUSTRIAL E POLÍTICO

Se os anos 1930 foram agitados, a década seguinte não lhe seria mais branda. No período, associou-se à irmãos que empreendiam uma indústria de motores elétricos. O médico e político se tornava também industrial. As Indústrias Pereira Lopes se consolidaram em 1942, que já no final da II Guerra Mundial fabricavam fogões elétricos e a gás. O passo seguinte seria produzir refrigeradores domésticos. Surgiam os famosos refrigeradores Climax.

E novamente São Carlos esteve no radar de Doutor Ernesto, que convenceu os irmãos a comprarem uma área para instalar as “Indústrias Pereira Lopes” na Vila Prado.

Pioneira no Brasil na fabricação de geladeiras e compressores herméticos para refrigeração, a IPL chegou a ter 3500 empregados diretos e a produzir 100 mil produtos em um único mês numa linha ampliada posteriormente para freezers, aparelhos de ar-condicionado e lavadoras de roupas.

Em 1947, doutor Ernesto retornava à política, eleito deputado à Assembleia Constituinte de São Paulo pela UDN (União Democrática Nacional). Quatro anos depois assumiria a presidência estadual da legenda. Tempo de idas e vindas entre São Paulo e São Carlos.

No livro “Café e Indústria em São Carlos: 1850-1950”, o professor Oswaldo Truzzi relata que durante esse mandato, Pereira Lopes fez carreira no partido, ocupando postos de líder de bancada, secretário (1948) e presidente (1951) do Diretório Estadual. Em 1951 obteve o primeiro dos cinco mandatos que exerceria na Câmara dos Deputados.

O novo cenário seria o Rio de Janeiro, então capital federal onde prestígio e prestígio econômico se reforçavam na trajetória de Pereira Lopes, como observou o professor Truzzi.

No campo empresarial, em 1961 o grupo Pereira Lopes inaugurou a Companhia Brasileira de Tratores, desmembrada em 1967, sob o comando de Mário Pereira Lopes. No ano seguinte, inaugurava-se em Manaus a Pliacel - Pereira Lopes/lbesa Aparelhos e Componentes Eletrônicos, uma sociedade entre a PLI e as japonesas Marubeni e Sanyo para a fabricação da primeira televisão em cores brasileira.

Em 1969, para produzir o compressor hermético, componente essencial para a fabricação de refrigeradores na fábrica de São Carlos, foi consolidado o licenciamento com a norte-americana Tecumseh Products Company. No final dos anos 1960 a IPL incorporararia a concorrente Ibesa e na década seguinte, em 1973, surgiria a Sicom - Sociedade Intercontinental de Compressores, (atual Tecumseh), tendo como sócias a Pereira Lopes/lbesa, uma empresa argentina e a General Electric do Brasil.

PRESIDENTE DA CÂMARA

Já em Brasília, no período militar, Doutor Ernesto se tornava uma referência como parlamentar – em boa medida pela sobriedade e postura conciliatória. Em 1971 foi eleito presidente da Câmara Federal para mandato de dois anos, cargo pelo qual chegou a exercer interinamente a presidência da República. Antes de ser escolhido para o posto, exercia a presidência da Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara.

Como presidente da Câmara, realizou obras importantes no prédio e adotou medidas de repercussão no andamento das atividades políticas. Reformou o plenário, construiu o Anexo III do Congresso, modificou Regimento Interno, implantou órgãos de assessoria aos deputados e criou a Comissão de Ciência e Tecnologia. O relato dele no livro “Ernesto Pereira Lopes: Um Homem, Três Dimensões”, editado pela Sanyo da Amazônia, dá o tom de sua gestão: “Um ponto que eu considerava muito importante era o respeito aos direitos da minoria, o MDB, posto que este partido representava parte do eleitorado. Empenhei- me para que a oposição, cuja função é muito relevante, pudesse cumprir seus deveres parlamentares”.

O Doutor Ernesto que os políticos de Brasília conheceram era amigo do presidente General Garrastazu Médici e ao mesmo tempo um deputado respeitado pelos parlamentares de oposição e pela imprensa. Esse aspecto mereceu, ao final do mandato, uma menção do jornal “O Estado de S.Paulo”, que a respeito dele, afirmou: “Mesmo quando escolhido pelo sistema, um homem pode ocupar um cargo público com dignidade, sem subserviência, fiel ao seu partido, mas respeitando sempre os direitos e opiniões da minoria”.

Embora a luta no ambiente político-partidário em sua base eleitoral por vezes lhe impusessem dificuldades, distanciando-o do controle do Executivo de São Carlos, a conquista da Universidade Federal foi um marco de grande relevo em sua atuação como deputado.

CONQUISTA DA UFSCar

No livro publicado pela Sanyo, Doutor Ernesto relata as muitas batalhas nesse sentido, iniciadas ainda em 1959, quando ao lado de seu grande aliado, o deputado Lauro Monteiro da Cruz, professor de medicina e presidente da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados, obteve a aprovação de um projeto para implantar a universidade em São Carlos. O então presidente Jânio Quadros vetou a proposta, mas o veto logo em seguida acabou derrubado pela Câmara dos Deputados. Assim, a UFSCar, ao nascer nos anos 1960 (foi oficializada em 1968), se tornava a única universidade criada por um projeto vetado pelo Executivo e restabelecido por dois terços da Câmara.

Ao advogar a causa da UFSCar na capital federal, Doutor Ernesto, argumentava que São Carlos – onde já estava instalada a Universidade de São Paulo – poderia se transformar em polo de estudos na área tecnológica e que os formandos teriam condições de se integrar ao mercado local. Uma visão futurista da “Capital do Conhecimento” que se consolidou pela inclinação do município para a inovação na produção científica e tecnológica dos campi universitários.

Quando se retirou da política no ano de 1975, Doutor Ernesto encerrou um ciclo de 40 anos. A história da Câmara Federal a partir de então seria pródiga em comprovar as palavras de deputados que o saudaram no final da gestão como um dos maiores valores que já passaram pela direção daquela Casa. Voltaria a São Carlos certamente realizado para exercitar sua capacidade admirável de se reconciliar com antigos adversários e até mesmo redimir-se de eventuais erros. Teve essa grandeza.

Na Câmara dos Deputados, Pereira Lopes fora um dos fundadores da União Interparlamentar Cristã, de projeção internacional e também presidente honorário da Friendship Force Internacional, que recebeu homenagem ao presidente Jimmy Carter na sede da OEA em Washington em 1980.

Além de médico, industrial e político, Doutor Ernesto foi fazendeiro de café e pecuarista. Apreciava os passeios pelo rio Araguaia e a todo tempo demonstrava um profundo conhecimento da realidade brasileira, que ampliou como figura nacional em que se converteu pela política. Bem informado e participativo nas questões do poder público e do segmento industrial, na segunda metade dos anos 1970 e ao longo dos anos 1980 mantinha-se atento a tudo que se relacionava com esses setores – então desfrutando do reconhecimento das pessoas como um pioneiro de grandes empreendimentos, personagem simbólico do perfil que São Carlos construiu como cidade.

“O passado não volta. Importantes são a continuidade e o perfeito conhecimento de sua história”. A frase atribuída à arquiteta Lina Bo Bardi vale como um recado para quem se dá conta de que mais de um quarto de século decorreu desde o falecimento do Doutor Ernesto em 31 de julho de 1993 - e o exemplo contundente de sua biografia, nos tempos de hoje é fonte de inspiração e também um valioso legado.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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