sexta, 19 de abril de 2024
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MEMÓRIA SÃO-CARLENSE – Chaminé simboliza o empreendedorismo de Facchina

23 Fev 2018 - 05h16Por (*) Cirilo Braga
Foto: Arquivo histórico - Foto: Arquivo histórico -

Vestígios de outros tempos na paisagem da cidade desvendam trechos de uma história que sempre recomeça. Lá se vão quase dez anos desde que o município de São Carlos prestou homenagens ao industrial Carlos Facchina ao inaugurar o chamado Parque da Chaminé não muito distante do centro da cidade. Ali no exato local onde funcionou uma histórica indústria são-carlense, repousa a chaminé transformada em monumento de uma era.

O memorial que ali sobrevive às intempéries não só do tempo, como também do vandalismo e ao desleixo com a manutenção de espaços públicos, evoca ao tempo de um homem de visão, que pensou adiante do seu tempo quando no início do século passado não se intimidou a acreditou que São Carlos poderia vir a ser uma cidade industrial, como de fato se consumou.

O ano era 1914 quando naquele ponto Carlos Facchina montou a primeira fábrica de cola animal da América do Sul e a primeira fábrica de adubo fosfatado do Brasil. Ia contra a corrente de agricultores que diziam que o solo brasileiro jamais necessitaria de adubos. Na ocasião foi tachado de "louco", pois os lavradores de então achavam que as terras brasileiras nunca iriam necessitar de adubos. Em pouco tempo aqueles mesmos lavradores receberiam adubo que ele distribuía gratuitamente.

Aquele italiano visionário de Gênova, nascido em 1876 e imigrante no Brasil desde 1883, instalou o primeiro motor elétrico em São Carlos e, depois, a primeira fábrica de gelo do interior do Estado e em companhia de sua mulher, Adélia Facchina, fornecia gelo gratuitamente para a Santa Casa de São Carlos e também da região, pois naquele tempo o gelo era muito usado nas cirurgias.

A generosidade era fruto da sensibilidade dos Facchina, que enfrentaram como tantos "oriundi" uma verdadeira saga até se estabelecer no país. Os relatos constam no livro "Homens sem paz", de Mário Ceni.

Carlos tinha 7 anos quando sua família desembarcou no Brasil e perdeu o pai ainda menino.Começou a trabalhar comprando verduras no vale do Anhangabaú para revender em outros bairros. Após a morte de seu pai, a família mudou-se para o interior; residindo primeiramente em Mococa. Pouco tempo depois, transferiu-se para São Carlos, onde Carlos conseguiu um emprego de vendedor ambulante de charutos em um circo e em seguida conseguiu empregar-se como operário em uma fábrica de cadeiras. Aprendera o ofício na fábrica de móveis do italiano Cassinelli.

Para ajudar na renda da família, sua mãe produzia colchões que eram entregues por ele à noite. Com o dinheiro que foi juntando, fez valer seu tino empreendedor, comprou algumas máquinas do patrão e abriu sua própria oficina de móveis. Passou então a diversificar sua produção e montou uma torrefação de café e uma fábrica de gelo; o sucesso com a produção de gelo fez com que investisse também na fabricação de salames, mortadelas e linguiças.

Associou-se a Michele Giometti passando a produzir rastelos, peneiras, colas e pregos. Perceberam que a mesma tecnologia que usavam para produzir cola poderia ser empregada na produção de adubos de origem orgânica, a partir de ossadas animais de todo o estado. Juntos, constituíram na Vila Monteiro a fábrica que em 1916 produzia por dia 500 quilos de cola, 1000 quilos de sabão, 500 quilos de sebo e 3000 quilos de adubos. As empresas cresceram e, mais tarde, os sócios separaram seus negócios. Já então haviam se tornado alguns dos maiores industriais da cidade e da região. A família Fachina transferiu-se mais tarde para a capital.

Carlos viveu no Brasil durante 83 anos tendo sido em São Calos presidente da Sociedade "Dante Alighieri". Um homem notável que construiu uma empresa caracterizada por valorizar seus operários e que foi um símbolo da vocação industrial que a cidade consolidou com o passar dos anos.

Restou da antiga fábrica - desativada em 1960 - apenas a chaminé feita de tijolos, restaurada em 2015, denotando que ali naquele local foi fincada a plataforma de uma indústria pioneira de adubos, que contribuiu para o desenvolvimento agrícola deste país. Vestígios de tempos de empreendedorismo e coragem.

 "Durante anos, as chaminés emolduraram os céus de São Carlos, fixando-a como importante parque industrial. Muitas delas existiram. Atualmente, poucas restaram, embora a cidade agasalhe importantes indústrias, algumas de porte internacional. Os novos processos de produção de energia expulsaram as velhas caldeiras, das quais as velhas chaminés faziam parte", escreveu o saudoso teatrólogo Névio Dias, há dez anos, observando que nesses novos tempos a cidade abre espaço e se consolida pela expansão no campo do ensino e da tecnologia. "As chaminés, no sentido simbólico, indicam o parque industrial existente como um elo importante dessa nova perspectiva".

Nas fotos, a indústria em seu auge, nos anos 1940 e a chaminé a partir de 2008, quando foi criado o Parque da Chaminé (Arquivo Histórico)

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