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sexta, 05 de dezembro de 2025
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Músicos e intelectuais de São Carlos e região avaliam legado de Raul Seixas, que morreu há 36 anos

Músico baiano deixou um legado com canções que trouxeram à população, em linguagem simples, profundas filosofias sobre o amor, a eternidade e os segredos da vida

21 Ago 2025 - 19h56Por Marco Rogério
 O cantor e compositor Raul Seixas: mesmo 36 anos após sua morte em 1989, sua obra permanece mais viva do que nunca - Crédito: Reprodução Agência Brasil O cantor e compositor Raul Seixas: mesmo 36 anos após sua morte em 1989, sua obra permanece mais viva do que nunca - Crédito: Reprodução Agência Brasil

No dia 21 de agosto de 1989, Raul Seixas foi encontrado morto sobre a cama, por volta das oito horas da manhã, em seu apartamento em São Paulo, vítima de uma parada cardíaca. Seu alcoolismo, agravado pelo fato de ser diabético e por não ter tomado insulina na noite anterior, causou-lhe uma pancreatite aguda fulminante. Chegava ao fim a trajetória de um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. Mas seu legado vive.

Raul Santos Seixas foi cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista brasileiro, frequentemente considerado um dos pioneiros do rock nacional. Também atuou como produtor musical da CBS, durante sua estada no Rio de Janeiro, e, por vezes, é chamado de Pai do Rock Brasileiro e Maluco Beleza.

Ouvindo Raul a caminho do Broa

Para o guitarrista Rodrigo Lanceloti, Raul é canção, Raul é memória afetiva, Raul é a Sociedade Alternativa de um homem só. “Quem nunca teve — ou tem — algum ‘Maluco Beleza’ na família que escutava Raul no fuscão a caminho do Broa? Aqui em casa, por exemplo, tenho um único vinil da minha saudosa tia Iraci. Ela colecionava discos de cantores de samba, mas, no meio da coleção, estava A Panela do Diabo, o último álbum do Raulzito, gravado com Marcelo Nova. Um disco excelente”, lembra.

“Eu, como guitarrista, sempre admirei profundamente as canções e as letras dele. Mas confesso: sempre paro tudo quando entra um solinho de guitarra. No álbum, tem uma participação especial do bluesman André Christovam, na faixa Rock and Roll. Mesmo sem ter tanto conhecimento técnico na época do lançamento, eu já percebia: aquele disco era diferente”, diz Lanceloti.

Ele afirma que, muitos anos depois, personagens trazem novas revelações sobre a obra de Raulzito. “Os anos passaram, e hoje tenho a honra de tocar com um integrante daquela formação — o multi-instrumentista Jhonny Boy Chaves, que no disco gravou teclados, violão... Ele me contou, por exemplo, um detalhe de bastidor da música Carpinteiro do Universo: sugeriram ao Raul que mudasse o tom da canção para que sua voz soasse mais brilhante. Ele acatou na hora. Essas conexões são importantes. Para todo roqueiro brasileiro, fazer parte dessa história — seja como fã ou com algum elo direto — é sempre um orgulho. É como se a gente fizesse parte de algo maior”, reflete.

Devido à importância de Raul, Lanceloti também lhe rende homenagem. “Eu mesmo tenho um tributo chamado O Rock com Três Rs, e um dos pilares disso é justamente Raul Seixas. Suas canções, muitas vezes, passaram despercebidas pela censura da ditadura — e outras ainda estamos tentando decifrar até hoje”, destaca.

Segundo ele, Raul talvez seja o verdadeiro ícone da música popular brasileira. “Apesar de toda sua aversão a rótulos, ele atingiu todas as classes sociais. Transitava entre o rock, o baião, o brega, a canção de amor, o protesto e as filosofias ocultas e populares. Desde muito cedo, ele nos fazia pensar diferente — só que com luvas de pelica”.

Raul vive no presente

O memorialista, escritor e cronista Cirilo Braga destaca que Raul Seixas é daqueles artistas de quem sempre se fala no presente, mesmo tendo partido há 36 anos. “Sua obra é atemporal, atravessou gerações e continua influenciando músicos de estilos diferentes. Chamá-lo de ‘Maluco Beleza’ não dá conta da genialidade do artista — se fosse europeu ou americano, teria reconhecimento mundial”, reflete.

As letras do Raulzito marcaram a vida de Cirilo. “Eu me lembro bem do impacto que tive ainda criança, aos dez anos, quando ouvi Ouro de Tolo e sua letra cheia de imagens fortes. Depois veio Gita, igualmente marcante. Raul tinha essa capacidade única de misturar rock com baião, folk, blues e country, criando uma sonoridade própria, além de uma forma muito inteligente de contestar a política e os costumes da época”.

Segundo ele, o rock brasileiro dos anos 80 já mostrava claramente essa influência, tanto na atitude quanto no som. E a presença de Raul nos palcos e programas de TV dava apenas uma amostra da complexidade que ele tinha como artista e como pessoa. A inovação e a mistura de ritmos eram sua marca.

“Hoje, quase quatro décadas depois, assistir à série Eu Sou da Globoplay e ouvir alguém gritar ‘Toca Raul’ em qualquer show é reconhecer o tamanho de seu legado. Músicas como Metamorfose AmbulanteMaluco BelezaTente Outra VezCowboy Fora da LeiGita e Medo da Chuva seguem entre as mais tocadas e regravadas até hoje. Poucos artistas no Brasil conseguiram esse feito”, destaca o cronista.

Muito além do seu tempo

Para o jornalista Fabrício Mazzoco, Raul Seixas é um dos artistas mais representativos do rock e da música brasileira, tanto como produtor, no início de sua carreira, quanto como compositor e intérprete. “Raul estava muito além do seu tempo. Suas letras ultrapassam uma época e, até hoje, muitas delas são consideradas atuais, tocando na ferida de um país desigual e cheio de problemas”, comenta.

“Também devemos a Raul a junção do rock com ritmos brasileiros, que se tornou comum nas décadas seguintes. Um exemplo é sua primeira canção que se tornou popular, Let Me Sing, apresentada em um festival”, ressalta Mazzoco.

Quando o rock brasileiro ganhou exposição na mídia, na década de 80, Raul estava em outra fase e não usou esse período para se promover. “A sua obra ultrapassa os anos 80 e qualquer outra década. Raul Seixas foi uma personalidade de quem a música brasileira deve se orgulhar de ter tido”, conclui o jornalista.

Fazendo a fusão de ritmos

O professor, historiador e escritor Ney Vilela destaca que o cenário musical brasileiro é o melhor do planeta, ao lado dos Estados Unidos e da Inglaterra. “Nosso querido Raulzito foi fundamental para a modernização da MPB.

A Jovem Guarda caminhou nesse sentido e principalmente a Bossa Nova. Raul trouxe para o cenário musical brasileiro o rock and roll e um pouco do jazz. Com Paulo Coelho, ele desenvolveu uma nova forma de fazer letras”, lembra o historiador.

Vilela lamenta a vida curta que Raul teve. “Pena que, diante dos problemas da vida e também por conta da realidade política repressiva, Raul Seixas procurou como válvulas de escape as drogas e o álcool, que reduziram drasticamente sua vida produtiva. Hoje ele chegaria aos 80 anos e aí podemos compará-lo com Gilberto Gil. Ficamos imaginando o quanto ele ainda poderia trazer de arte para a internacionalização do nosso cancioneiro e para a aceitação das novas ondas musicais que começaram, nesse caso, na Inglaterra”, observa.

Misticismo, filosofia e rebeldia

O maestro Wagner Mucillo, líder da Banda Doce Veneno, afirma que Raul é o pai do rock brasileiro. “Nos anos 80 ele foi aclamado assim. Ele fazia rock com baião e misturava ritmos brasileiros, o que fez de sua obra algo autêntico e singular.

“As letras dele pregavam a liberdade, incentivando as pessoas a recusar os padrões impostos pela sociedade. Se não bastasse toda essa complexidade, Raul ainda achava espaço em sua obra para a contestação, a filosofia e o misticismo. Você ouve Sociedade Alternativa e só encontra filosofia e reflexão. É impressionante como a obra de Raul está atual. Até hoje nós tocamos Raul nos bailes e é impressionante ver faixas etárias mais jovens se deliciando com os ritmos e letras do Maluco Beleza”, resume Mucillo.

Cronista musical

Cantor de MPB com atuação em Porto Ferreira e região, Evandro Luís de Oliveira foi outro artista que viu Raul construir parte de sua trilha sonora. “Raul Seixas faz parte daqueles cronistas que, poeticamente e musicalmente, vão construindo uma narrativa dos propósitos, sonhos, dores, enfim, das alegrias e problemas da humanidade, ajudando — ou às vezes piorando — o estado emocional do indivíduo atento às suas letras. Como já dizia Belchior: ‘São palavras, são navalhas que eu não posso dizer como convém, sem querer ferir ninguém’”, analisa.

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