Salto nos estupros: O Brasil registrou um crime de estupro a cada seis minutos em 2023. Com um total de 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis registrados e um aumento de 6,5% em relação a 2022 - Crédito: divulgaçãoO número de casos de estupro registrados em São Carlos cresceu 200% em oito anos, entre 2017 e 2024. Os dados são da Secretaria Municipal de Segurança Pública. Em 2017 foram registrados 27 casos de estupro. Em 2018 este número caiu para 26. Em 2019 as ocorrências chegaram a 35. No ano seguinte chegou a 36. Em 2021 os estupros somaram 46. Em 2022 foram constatados 48. Em 2023 o número de casos chegou a 63, e em 2024 saltou para 80. Esses números são a soma de estupro e estupro de vulnerável.
A psicóloga Aleksandra Lopes (CRP 6/123404) afirma que o estupro é um crime muito grave, que causa danos emocionais graves às vítimas. “Por ser uma experiência profundamente traumática e devastadora os efeitos podem ser duradouros e podem variar, mas o que é comum encontrarmos na clínica nesses casos são : Transtornos Emocionais como TEPT - Transtorno de Estresse pós Traumático, Transtornos ansiosos, TAG - Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtornos Alimentares- bulimia ou anorexia, alterações no comportamento, como retração, mudez, levitação de situações sociais, dificuldade em confiar, sentimento de culpa e ou vergonha, como dificuldades em retomar as atividades diárias de rotina e trabalho”, destaca ela.
Segundo ela, é complicado superar a violência sexual. “Muitas pessoas que sofrem traumas dessa natureza relatam que embora a memória nunca se apague totalmente, é possível encontrar um caminho para reconstruir e recomeçar a vida. A superação é complexa e cada pessoa tem seu tempo para isso, pois envolve aspectos como a reconexão com sentimentos, busca por relações saudáveis, reconstrução da auto estima e construção de um novo sentido de vida”. Explica.
As sequelas do crime, segundo ela, vão afetar a vida sexual da vítima. “Sem dúvida, o estupro impacta a vida sexual, trazendo mudanças significativas no comportamento sexual, como a dificuldade na conexão física e emocional com o par, a diminuição do desejo sexual, ansiedade decorrente de lembranças do evento traumático, dificuldade em confiar no par, sintomas físicos e emocionais ao retomar a atividade sexual também podem acontecer, contribuindo para a sensação de desconforto”.
Ela destaca as diversas políticas públicas e serviços destinados a atender vítimas de estupro e outras formas de violência sexual que incluem: Delegacias Especializadas (como a Delegacia da Mulher), A Casa da Mulher Brasileira , a Rede de Atendimento à Mulher em situação de Violência ( ambas na capital); Sistema de Saúde- As vítimas de violência Sexual tem direito a atendimento médico, a realização de profilaxia de DSTS ( Doenças Sexualmente Transmissíveis) e a Lei Maria da Penha - embora essa lei seja mais direcionada à violência doméstica, essa lei também visa a proteção de todas as mulheres, inclusive as vítimas de violência sexual, garantindo acesso à justiça e serviços de saúde.
Ela explica que se caracteriza como estupro situações onde a pessoa é impedida de manifestar sua vontade, se presume crime. “Por muito tempo, o estupro era entendido quando havia “penetração “. Hoje, se entende que é bem mais que isso. Passar a mão nas partes íntimas de crianças é tido como “estupro de vulnerável “, sexo oral é estupro. É importante que seja colhido saliva das crianças que possam ter sofrido suposto abuso, pois muitas vezes elas podem ser vítimas de estupro nessa modalidade e isso não é investigado. É importante que o responsável peça que esse exame seja realizado, assim como que a criança, adolescente, adulto sejam acompanhadas por um profissional de saúde mental”, comenta Aleksandra.
Ela destaca ainda que uma relação sem consentimento é tida como estupro, inclusive em situações onde a vítima bebeu demais (bebidas alcoólicas) e não teve condições de expressar que queria estar ali naquele momento, fazendo o que quer que seja, o caso se torna violência sexual. Tivemos um exemplo claro disso, envolvendo o jogador de futebol Robinho, que juntamente com seus amigos estupraram uma moça em uma boate na Itália. É preciso uma conscientização coletiva e casos com repercussão na mídia ajudam a dar visibilidade ao tema. É preciso falar sobre violência sexual e suas formas, pois muitas mulheres já passaram por isso e nem tem consciência que se trata de estupro. Estupro envolve mais de uma forma de violência. É importante lembrar que o estupro nunca é culpa da vítima”, ressalta a psicóloga.
Mas o que leva alguém a cometer um estupro? Segundo Aleksandra, crenças e Comportamentos que objetificam ou promovem a desigualdade de gênero podem ser facilitadores desse tipo de violência, assim como a história pessoal, situações onde o abusador são comuns, refletindo um ciclo de trauma. Os fatores psicológicos como falta de empatia, a necessidade de controle e dominação pode estar mais presente na violência sexual, mais até do que o desejo. “O ambiente tem influência, assim como a educação e suas relações interpessoais podem influenciar no comportamento”, reflete ela.
Ela revela ainda que situações de saúde mental não tratadas podem influenciar comportamentos compulsivos e agressivos. Há pessoas que podem não ter uma compreensão saudável das emoções, assim como da conexão empática com os outros, levando a comportamentos prejudiciais. Algumas pessoas podem buscar dominar e subjugar outras como meio de afirmação e auto estima. Perturbação psicológicas também podem estar presentes”, diz.
A psicóloga esclarece que nem todo estuprador é um psicopata. “O termo psicopata refere-se a um conjunto de traços de personalidade que incluem manipulação, comportamento antissocial e falta de empatia. O fato de ser psicopata pode levar a cometer crimes, mas não necessariamente todo psicopata cometerá crimes, nem que todo estuprador é psicopata. As motivações de um estuprador podem ser várias, inclusive traumas pessoais, crenças culturalmente prejudiciais e fatores psicológicos que nem sempre são uma psicopatia, mas sim uma psicopatologia”, afirma.

A psicóloga Aleksandra Lopes: “Sem dúvida, o estupro impacta a vida sexual, trazendo mudanças significativas no comportamento sexual, como a dificuldade na conexão física e emocional com o par, a diminuição do desejo sexual, entre outras”
MAIS JOVENS SÃO MAIORES VÍTIMAS - O comandante do 38º Batalhão da Polícia Militar, com sede em São Carlos, Alexandre Cardeal, destaca que a maioria das vítimas de estupro são jovens. De fato, o perfil das vítimas no país são, na sua maioria, meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%).
Segundo Cardeal as mudanças nas formações de famílias nas últimas décadas e no casamento e as separações e mesclas de famílias acabam é um dos fatores que colaboram para o crescimento da violência sexual. “Muitas famílias desestruturas resultam nisso. Vários padrastos não tem relação afetiva e respeito som sua enteada ou seu enteado. No atendimento de ocorrências percebemos que em vários casos a moça está morando com um homem que mal conhece e, muitas vezes, desconhece traços de sua personalidade e de caráter. Na maioria dos casos, uns 65% das vítimas, infelizmente são menores”, destaca o tenente coronel.
UM ESTUPRO A CADA SEIS MINUTOS - O Brasil registrou um crime de estupro a cada seis minutos em 2023. Com um total de 83.988 casos de estupros e estupros de vulneráveis registrados e um aumento de 6,5% em relação a 2022 o país atingiu um triste recorde. As mulheres são a maioria das vítimas e os agressores estão, na maior parte das vezes, dentro de casa.
Os dados são do 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Além do recorde em estupros, a publicação aponta o aumento dos registros em todas as modalidades de violência contra a mulher no país e mostra que o perfil dos agressores é constante: quase a totalidade é homem - algo que pode parecer óbvio sobretudo para as mulheres, mas, como defende o Fórum, é preciso ser lembrado principalmente quando se pensa em políticas públicas para prevenir esse crime.
Segundo o anuário, de todas as ocorrências de estupro verificadas em 2023, 76% correspondem ao crime de estupro de vulnerável, tipificado na legislação brasileira como a prática de conjunção carnal ou ato libidinoso com vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por qualquer motivo, como deficiência ou enfermidade.
PERFIL - O perfil das vítimas não mudou significativamente em relação aos anos anteriores. São meninas (88,2%), negras (52,2%), de no máximo 13 anos (61,6%). Também não houve, de acordo com a publicação, variações na autoria e no local do crime: 84,7% dos agressores são familiares ou conhecidos, que cometem a violação nas próprias residências das vítimas (61,7%). As vítimas de até 17 anos compõem 77,6% de todos os registros.
O anuário chama a atenção para a prevalência de estupros de crianças e adolescente na faixa de 10 a 13 anos, com 233,9 casos para cada 100 mil habitantes, uma taxa quase seis vezes superior à média nacional, de 41,4 por 100 mil. No caso de bebês e crianças de 0 a 4 anos, a taxa de vitimização por estupro chegou a 68,7 casos por 100 mil habitantes, 1,6 vezes superior à média no país.
A maioria dessas vítimas é do sexo feminino. Entre os meninos, a maior incidência de estupros ocorre entre os 4 e os 6 anos de idade, caindo drasticamente à medida que se aproxima a vida adulta.
A taxa média nacional de estupros e estupros de vulnerável foi de 41,4 por 100 mil habitantes. Os estados com as maiores taxas isoladas foram Roraima, com 112,5 por 100 mil; Rondônia, com 107,8 por 100 mil; Acre, com 106,9 por 100 mil; Mato Grosso do Sul, com 94,4 por 100 mil; e Amapá, com 91,7 por 100 mil. Em relação aos municípios, Sorriso (MT) lidera a lista, com 113,9, seguido por Porto Velho (RO), com 113,6, Boa Vista (RR), com 101,5, Itaituba (PA), com 100,6, e Dourados (MS), com 98,6.
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER - O anuário mostra ainda o aumento em todas as modalidades de violência registradas no país. O crime de importunação sexual foi um dos que mais cresceu, 48,7% em um ano. Em números absolutos, 41.371 ocorrências. O crime é referente a atos libidinosos indesejados, como apalpar, lamber, tocar sem permissão e até mesmo se masturbar em público. Já os crimes de stalking, ou seja, de perseguição, tiveram 77.083 registros, um crescimento de 34,5%.
Segundo o Fórum, esse dado é relevante porque esse crime pode ser o primeiro passo de outras violências e até mesmo de feminicídio – assassinato de mulheres.
Segundo a publicação o crime de assédio sexual aumentou 28,5% nesse período, totalizando 8.135 casos. Tentativas de homicídio cresceram 9,2%, com um total de 8.372 vítimas. A violência psicológica aumentou em 33,8%. Houve 38.507 desses registros. As agressões decorrentes de violência doméstica, cresceram 9,8%, chegando a 258.941 registros.
Os feminicídios tiveram alta de 0,8%. No total, 1.467 mulheres foram mortas no país em crimes de violência doméstica e outros por simplesmente serem mulheres. Mais da metade das mortes ocorre na residência – 64,3%. Entre as que morreram, 63% foram vítimas do parceiro íntimo; o ex-parceiro é o autor do crime em 21,2% dos casos. Nove em cada dez autores de assassinatos de mulheres são homens.
O número 190 foi acionado 848.036 vezes para reportar episódios de violência doméstica. Outras 778.921 ligações reportaram ameaças. Já as medidas protetivas de urgência ultrapassaram a barreira do meio milhão, ao todo, 540.255 foram concedidas em 2023.
O PAPEL DOS HOMENS - Segundo o coordenador de projetos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, David Marques, o aumento das ocorrências pode estar relacionado tanto a um aumento dos crimes quanto ao aumento das denúncias e ocorrências policiais. “Por um lado, vários trabalhos estão tentando discutir a respeito do crescimento da própria violência, do fenômeno da violência, e por outro lado, também com variáveis que indicam também um maior nível de registro desse fenômeno acontecendo”.
Ele ressalta que é preciso se atentar ao fato de quem comete esses crimes é, na grande maioria dos casos, homem. É preciso, portanto, medidas voltadas para eles. “O que é incontornável, quando a gente olha para o perfil, por exemplo, dos agressores, sempre são os homens. 90% dos assassinos das mulheres são homens. E geralmente é parceiro íntimo, ex-parceiro íntimo. Em outras modalidades também, o homem aparece como o agressor.
Por um lado, é necessário que falemos em relação ao aprimoramento das políticas públicas para o atendimento dessas mulheres vítimas de violência, por outro lado, a gente tem que sim falar do papel do homem como o autor das violências”, diz.
É necessário, de acordo com o coordenador, que os homens participem ativamente do debate de medidas para acabar com a violência contra mulheres: “Os homens precisam participar desse debate e a gente precisa pensar, enquanto sociedade, em como ter ações, ter proposições para que a gente mude, inclusive socialmente, o papel dos homens como nessa posição de autores de violência. Porque, de fato, nesse contexto, só por meio dos registros que a gente tem, já fica bastante evidente que alguma coisa precisa mudar, senão o debate vai ser sempre apenas como melhor atender as vítimas de violência, e não o que a gente pode fazer para tentar evitar que essas tendências, que esse fenômeno da violência contra a mulher, violência doméstica e assim por diante, continue crescendo”. (com informações da Agência Brasil)1





