
A ilha de Cuba sempre me fascinou, não só por sua singular paisagem, mas acima de tudo por sua história e pela singularidade de seu povo, algo que fui constatando ao longo dos anos através das seis vezes que visitei e permaneci nesse país. E essa curiosidade nasceu através do relato de uma professora de São Carlos, que, junto com colegas brasileiros, participou de um congresso realizado naquela ilha caribenha. Talvez o que mais me marcou nesse relato foi saber que um dos professores da comitiva brasileira foi momentaneamente impedido de entrar no hotel onde o grupo ficaria hospedado, pelo fato de ser negro, o que levou a polícia local a supor que ele seria um cidadão cubano misturado num grupo de “gringos”, sendo que o episódio ficou rapidamente resolvido quando esse professor mostrou seu passaporte brasileiro. Naquela época (2009/2010), os cubanos estavam proibidos de entrar nos hotéis, exceto se trabalhassem lá. Foi na terceira vez que visitei Cuba que meus sentidos ficaram mais apurados relativamente ao que me rodeava: a atitude do povo, seus reflexos individuais, seus comentários sussurrados, seus desabafos incompletos e seus sorrisos comprometedores em resposta a algumas perguntas - certamente incómodas para eles - propositadamente colocadas entre pequenas conversas inseridas em qualquer tema banal. Abandonei minha atitude de turista e assumi o trabalho de jornalista incógnito. Seria bastante longo relatar aqui as minhas experiências em terras de Fidel ao longo dessas seis permanências, mas o conjunto da obra me fez testemunhar inúmeras coisas que não se coadunam com os tradicionais conceitos de liberdade, bem-estar, democracia e felicidade de um povo. Médicos dirigindo táxis para complementar sua baixíssima renda familiar, engenheiros no papel de guias turísticos, professores vendendo artesanato e muita gente - principalmente mulheres - pedindo dinheiro ou produtos de primeira necessidade aos “gringos” no interior dos inúmeros botecos localizados em uma das principais ruas turísticas de Havana Velha - Calle Obispo -, onde a “Salsa” ao vivo impera, contagiando todos, residentes e turistas. Em Cuba, se prestarmos atenção, iremos encontrar em diversos locais inúmeros “olheiros” - a serviço do governo -, facilmente identificados por sua demorada permanência no mesmo lugar e por uma postura típica: óculos escuros, folheando o jornal “Granma” - órgão oficial do Comité Central do Partido Comunista de Cuba - e atentos a todos quantos passam (residentes e estrangeiros). Por outro lado, o tradicional uniforme verde-azeitona faz-se presente no interior e exterior de quase todos os edifícios públicos, ostentando (ou tentando ostentar) o espírito da Revolução. “Qual é o seu sonho?” - perguntei a um dos taxistas que me acompanhou em uma de minhas viagens a Cuba. A resposta dele não a entendi no início “Meus sonhos nadam...”. Mais tarde viria a entender que aquela resposta significava que o sonho dele era navegar cerca de 120 quilómetros mar adentro para atingir a costa dos Estados Unidos. “Deve ser muito legal viver aqui em Cuba...” afirmei certo dia a um comerciante de Havana. “Sim... É muito bom... Viva a Revolução!..”, respondeu ele, sorrindo e olhando fundo nos meus olhos. “A ilha não tem Internet? - perguntei a um jovem que estava sentado perto do porto. “Internet??? Não!!! Mas temos o “Granma” (Jornal do Partido Comunista de Cuba) - respondeu em voz baixa, esboçando um sorriso tímido e olhando em redor. Em todas viagens, reservei sempre um espaço na minha bagagem para levar roupa usada e produtos de higiene pessoal (sabonetes, shampoo, papel higiênico, pastas e escovas de dentes, etc), destinados a oferecer às camareiras do hotel, pois sabia que esses eram produtos que elas não podiam adquirir. Nas vésperas dos “check-out” sempre aparecia um bilhete em cima de minha cama com palavras de agradecimento, entre as quais destaco duas: “Muchas gracias señor Ruy. Que dios te bendiga siempre”; “Tu corazón es oro. Gracias eternas por tu solidaridad”. Com o decorrer do tempo, conversando com diversos cubanos - dos mais simples aos mais eruditos -, a visão com que fiquei do povo era de submissão, de passividade e de resignação perante inúmeras situações absurdas em todos os níveis... Até que surgiu o grito da indignação cubana no passado dia 11 de julho, quando milhares de cubanos, capitaneados por sua nova geração, saiu às ruas se manifestando contra um governo que, em sua opinião, é considerado ditatorial, que cerceia a liberdade e tem conduzido o povo à miséria e ao isolacionismo. Com o avanço rápido da pandemia de COVID-19 e embora tenha desenvolvido uma vacina própria, mas cujas doses são insuficientes para vacinar toda a população, Cuba está assistindo ao colapso de seus hospitais, com inúmeras pessoas morrendo em suas casas, enquanto o turismo - principal fonte de receitas da ilha - simplesmente se evaporou. Com estes protestos iniciados no dia 11 de julho e reprimidos com violência pelas forças de segurança, a mando do governo, resta aguardar para ver se efetivamente o povo cubano terá força para alterar seu destino, ou se esses atos não passaram de um mero episódio provocado por “anti-revolucionários e mercenários ao serviço dos Estados Unidos e de suas agências”, como afirmou o presidente Miguel Díaz-Canel. Como já tive oportunidade de escrever anteriormente, a ditadura não é apenas um apanágio de governos de direita e o que se passa em Cuba não é um ato isolado. Para rever um pouco do que foram as manifestações iniciadas no dia 11 de julho, acesse o link https://g1.globo.com/mundo/noticia/2021/07/11/manifestantes-protestam-contra-o-governo-em-cuba.ghtml
No vídeo se vê a movimentação dos protestos em Havana, principalmente no denominado Paseo Del Prado, defronte ao famoso Hotel Inglaterra, uma das áreas mais turísticas da capital cubana.
(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer. MTB 66181/SP.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.





