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sexta, 19 de dezembro de 2025
Memória São-carlense

A fábrica de chocolates de São Carlos

30 Mar 2018 - 05h45Por (*) Cirilo Braga
A fábrica de chocolates de São Carlos - Crédito: Arquivo Pessoal Crédito: Arquivo Pessoal

“Tudo o que você precisa é de amor. Mas um pouco de chocolate agora e depois não faz mal”, disse certa vez o cartunista norte-americano Charles Schulz. O criador de Charlie Brown e Snoopy sabia das coisas.

Durante anos a fio me chamava a atenção o fato de o formidável parque industrial que se formou em São Carlos na segunda metade do século passado incluir uma fábrica de chocolates finos, a lendária Serrazul.

Quando a partir dos anos 1970 falavam-se das indústrias locais – fabricantes de tratores, geladeiras, compressores herméticos, lápis, tapetes, toalhas e conservas alimentícias –, era importante destacar o chocolate entre os produtos “made in São Carlos”.

Aos poucos as empresas foram rareando ou sendo tocadas pelo capital internacional, é verdade, mas a Serrazul funcionou por mais de cinquenta anos concorrendo num mercado extremamente competitivo. Se a cidade era considerada a “Capital do Clima”, como se dizia, ter uma fábrica de chocolates de qualidade era um requinte bem apropriado.

Sei que não sou o único que se recorda do chocolate da fábrica são-carlense que deixou saudades. No período que antecede à Páscoa, em especial. Havia ovos de chocolate de todos os tamanhos e um luxo que nunca experimentei - abrir um daqueles gigantes – seria um sonho. Mas só no domingo, porque a Quaresma, período sagrado, seria um tempo de sacrifícios.

Assim como era sagrado guardar dinheiro para comprar ovinhos e pão de mel direto na loja da fábrica, na esquina das ruas São Joaquim e Jacinto Favoretto. O “direto na loja da fábrica” fazia a diferença e ainda mais para quem já não achava legal a obviedade dos ovos vendidos em supermercados, pois a gente já chega sabendo o que tem dentro. Os da Serrazul traziam a surpresa dos bombons sortidos, de modo que a torcida era para que os preferidos estivessem em maioria.

Quando conheci a Serrazul ela já era uma fábrica de estimação dos são-carlenses. Criada em 1948 por Sebastião Stockler Campos, homem com visão à frente de seu tempo, a fábrica foi uma das primeiras a utilizar a tecnologia produzida por uma universidade local (a EESC-USP) na invenção de maquinário próprio para produzir chocolate a partir de 1958. Teve também a ajuda de técnicos para a fabricação de doces e chocolates, como os serviços do mecânico, eletricista industrial e pintor Hércules Censoni que, conforme relata José Alfeo Röhm, trabalhou na montagem dos aparelhos da fábrica. O pai de Röhm, Alfeo Cyro, fez a instalação do túnel de refrigeração do chocolate.

Conta-se que nos seus primórdios foi uma fábrica de doces: goiabada, marmelada, doce de leite e outros. (Foi célebre, por sinal, o doce de leite Serrazul, sem conservantes, embalado em papel alumínio prata, com um rótulo azul). Sebastião, o empreendedor, era mesmo um cidadão notável, que viveu para o trabalho e a família. Mineiro de Rio Casca, criado no Rio de Janeiro, casou-se em 1950, com Wanda Scavone, uma paulistana filha de imigrantes italianos. Dona Wanda, formada em contabilidade, trabalhou na parte administrativa no início da fábrica.    Eles tiveram três filhas: Rosana, Eliana e Nilvana, que na infância adoravam embrulhar bombons para a Páscoa e Papai Noel de chocolate no Natal. Eram tabuleiros de doces, tachos de glicose, lenha para a caldeira, caminhões da Campineira carregando às seis horas da manhã.

Sebastião, ou “Seo Campos”, fazia o que se recomenda a um industrial do século 21: acompanhava todos os processos da fábrica, desde o projeto e construção das máquinas, passando pelo cuidadoso feitio dos doces até a negociação e entrega dos produtos finais. Tinha humildade para pedir ajuda, por isso o empreendimento teve apoio de professores da universidade e de técnicos que auxiliaram na fabricação de doces e chocolates. 

Estimado por suas funcionárias, contou com a força delas em momentos difíceis, assim como de vendedores que colocaram seus produtos no mercado. Esforço e entusiasmo eram as marcas do homem que merece um tributo de reconhecimento de São Carlos. Sua fábrica passou por várias fases: bombonières finíssimas nos anos sessenta, depois produtos populares como granulados e chocolate em pó até os chocolates especiais.

Um exemplar de jornal que encontrei recentemente traz na capa a doce notícia da inauguração da bombonière Serrazul na Avenida São Carlos no distante dia 12 de março de 1966. Ficava perto do então Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião e, com tal localização, não havia escapatória: todo são-carlense passava uma hora ou outra do dia por aquele trecho, no coração da cidade. Indo ou vindo, porque a Avenida tinha mão dupla.

O jornal era “A Folha” e o texto da manchete era de Lourenço Inocentini, com fotos de Ademir Gonçalves e, no miolo, comentários da colunista social Lãines Paulillo. O convidado especial para a abertura da loja, e orador oficial do evento, foi ninguém menos que o juiz da Comarca, Dr. Marino da Costa Terra, o fundador do Círculo do Menino Patrulheiro. Um homem inteligentíssimo, íntegro, e que gostava de chocolates. Ao discursar, ele destacou o fato de São Carlos ser naquela época a cidade pioneira no interior a possuir uma indústria de chocolate de verdadeiro gabarito. Lãines Paulillo atestou que a inauguração foi concorridíssima, registrando a bênção do padre Silvio Passionista e a festa regada a champanhe que prolongou-se até a noite.

Doces tempos aqueles em que a manchete de jornal, tão diferente de hoje, noticiava que era “Solenemente inaugurada a Bombonière Serrazul”.

 

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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