Os ônibus da Vilela Franco: serviços ruins e caros motivaram os protestos dos estudantes - Crédito: divulgaçãoEm 1981, ano em que a Seleção Brasileira de futebol brilhava no Mundialito do Uruguai e Telê Santana preparava o esquadrão que iria dar show na Espanha no ano seguinte, em que o Rock Nacional começava a crescer e aparecer em fitas K-7 e discos de vinil, chamados então de LPs, e a Ditadura Militar já agonizava enquanto a oposição crescia, São Carlos promoveu um movimento que iria chamar a atenção do país inteiro e mobilizar a grande imprensa.
O protesto começou após o aumento da tarifa de ônibus na cidade. Rapidamente, a revolta ganhou a adesão da população. Na ocasião, estudantes foram presos e enquadrados na Lei de Segurança Nacional. O movimento resultou na concordância da concessionária Vilela Franco em conceder descontos nas passagens para estudantes, trabalhadores da indústria e empregadas domésticas.
Os estudantes reivindicavam descontos de 50% para alunos de vários níveis, além de benefícios para empregadas e operários que recebessem salários de até dois mínimos. Um grupo organizado pela UMESC (União Municipal dos Estudantes de São Carlos), liderado pelo CAASO e pelo DCE da UFSCar, passou a entrar nos ônibus e pular as roletas, viajando sem pagar.
“Nós entrávamos nos ônibus geralmente em três ou quatro estudantes, relatávamos nossa revolta e os motivos aos cidadãos são-carlenses e, em seguida, pulávamos a roleta. Muitos populares nos seguiam. O movimento ganhou força porque o povo aderiu”, afirma Lineu Navarro, hoje vereador, que na época era estudante e já fazia parte do PT. Ele relata que, assim como centenas de estudantes, chegou a ser detido, mas não preso.
Lineu afirma que, na véspera da eclosão do movimento, o assunto dividiu o diretório do PT, mas a maioria optou pelo apoio total à mobilização. “Alguns motoristas xingavam, paravam os ônibus, ficavam irritados, mas sua posição era infrutífera, pois logo a população da cidade inteira aderiu à rebelião e ninguém mais pagava ônibus em São Carlos. O movimento ficou incontrolável. A partir dos estudantes, ganhou características de movimento popular.”
Segundo ele, além da questão do valor, havia também a reivindicação da criação de novas linhas que atendessem aos bairros que estavam surgindo na cidade. “Havia uma expansão urbana e vários bairros sem transporte coletivo. Foi um movimento muito bonito. A partir daí abriu-se um canal de negociação direta com a Prefeitura Municipal, que resultou em várias conquistas, representando a vitória do povo são-carlense”, comemora.
Roletas gigantes
Atualmente presidente da FESC e militante histórico do MDB, Eduardo Cotrim, em 1981 fazia parte do MR-8 e foi um dos líderes do Pula Roleta. “As roletas dos ônibus, ou catracas, ficavam na parte de trás, e não na frente como hoje. O povo aderiu ao movimento e foi uma verdadeira revolução. Incomodamos de tal maneira a Vilela Franco que a empresa chegou a instalar uma roleta gigantesca para dificultar os saltos. Foi um momento de grande tensão, em que os estudantes enfrentaram a oligarquia de São Carlos”, relata.
Cotrim afirma que o movimento estudantil já era acostumado a enfrentar a Ditadura Militar. “Foi um momento de grande tensão, mas nossa luta resultou nos descontos que temos hoje no transporte coletivo, subsidiados pelo município. Graças a esta revolução de São Carlos, em breve deveremos ter em todo o país a Tarifa Zero, que vai facilitar a mobilidade urbana de milhões de brasileiros”, avalia.
Clovis Cardoso tinha 15 anos na época dos fatos. “Posso afirmar que, nesse período, São Carlos e o movimento estudantil viviam em grande ebulição. Tínhamos dois polos principais de organização: um era o DCE da UFSCar, comandado por estudantes trotskistas, e o outro, a UMESC (União Municipal dos Estudantes de São Carlos), ligada ao MR-8, que reunia a USP, a Faculdade de Direito e as Faculdades de Educação Física e Biblioteconomia”, comenta.
“Sei que, quando começou o movimento, entrávamos nos ônibus, fazíamos um pequeno discurso e o povo pulava junto. Vi freiras e padres pularem”, recorda, puxando pela memória.
Ideia importada de Belém
Num clima de tantas polêmicas, dois militantes do MR-8, Manoel Lisboa e Emerson Leal, que chegou a ser vereador e também vice-prefeito de São Carlos, foram presos por colar cartazes de campanha eleitoral em postes e paredes. “Estávamos no Pula Roleta, mas acabamos sendo presos por outro motivo”, relata Lisboa.
Na época, a Auditoria Militar da II Região instaurou um IPM (Inquérito Policial Militar) e processos contra estudantes e entidades passaram a enquadrá-los na Lei de Segurança Nacional.
O movimento é a lembrança viva de uma grande vitória do movimento estudantil — talvez a maior de todas. Um exemplo da verdade daquela frase: o povo unido jamais será vencido. Aquele movimento ganhou as manchetes da grande imprensa e impulsionou outros similares em todo o país.
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