Rui Sintra - Crédito: arquivo pessoal Ah!!! A bacalhoada… Só de escrever esta palavra já me escorre uma lágrima de emoção do olho esquerdo e uma gota de azeite do canto da boca. Todos sabem que sou português com muito orgulho, e se há coisa que me faz bater o coração mais rápido do que um pênalti mal marcado contra a minha seleção, é o cheiro de uma bacalhoada a sair do forno. Aquele aroma que invade a casa inteira e grita: "larga o que estás a fazer, infeliz, e vem comer!" Embora tenha minha própria concepção sobre o Natal, já manifestada aqui, anteriormente, nesta última quinta-feira (Dia de Natal), como manda a tradição, fui visitar uma velha amiga – uma verdadeira alquimista da cozinha lusitana. Antes mesmo de bater à porta, já estava entorpecido com o cheiro do alho a dançar com a cebola, o azeite a escorrer com sensualidade pelas camadas de batatas e o bacalhau a emitir aquele perfume ancestral que só um português entende. É quase uma sessão espírita com D. João VI a bater palmas e a gritar “bravo!”. Sentei-me à mesa como quem vai a um ritual sagrado. Os talheres estavam pousados ao lado do prato como duas espadas prontas para a batalha. Um pedaço de broa de milho a postos para mergulhar naquele lago dourado de azeite quente – mais profundo que os sentimentos da saudosa Amália Rodrigues. Primeira garfada - silêncio. O mundo parou, o planeta Terra suspendeu a rotação por três segundos. A batata estava amanteigada, o pimentão vermelho gritava “olé!” (sim, um pouco de fusão ibérica nunca matou ninguém), e o bacalhau... Ah!!! O bacalhau... Desfiava-se em lascas como uma poesia em forma de proteína. Fiquei tão emocionado que abracei o garfo. E aquele azeite... Meus amigos, se eu pudesse, passava no cabelo e usava como colônia. Um verdadeiro elixir do amor lusitano. Só nós, portugueses, entendemos que o azeite não é apenas um ingrediente – é um membro da família. Lá pelo terceiro prato – sim, porque um não basta e dois é só aquecimento – comecei a ter visões. Vi uma caravela cruzando o Atlântico, o Infante Dom Henrique a abanar um guardanapo e Camões a escrever sonetos em honra à bacalhoada. Tudo isso enquanto eu me perdia nesse banquete dos deuses. No fim, com o botão das calças a implorar misericórdia e o estômago mais cheio do que a Praça do Comércio, em Lisboa, em dia de festa, só consegui sussurrar um “obrigado”. E minha velha amiga, com aquele olhar de quem já alimentou gerações com amor e alho, respondeu: “se quiseres preparo uma quentinha para levares”. E foi assim que saí de casa dela: de coração quente, barriga inchada, uma bacalhoada e uma garrafa de “Brutos” tinto da Mealhada para levar para o jantar. Porque um português verdadeiro sabe que esse prato não se come apenas. Ele se vive. Ele se celebra. E se o meu leitor não quiser acreditar, me convide para fazer uma bacalhoada ou um “Bacalhau Espiritual”, pois também tenho uma boa mão para a cozinha. E que viva o bacalhau!!!! Fica o convite!






