Foto: Arquivo Pessoal - A página da história já tinha virado quando terminou o espetáculo da revoada das pombas na Praça Coronel Salles, no coração de São Carlos. No dia 23 de novembro do ano passado, com a morte aos 72 anos de Bemvindo Rafael Girro, o pequeno grande personagem (de 1,28m de estatura) que conduzia o show, São Carlos se despediu do símbolo de uma paisagem pacata e irremediavelmente perdida na poeira do tempo.
Pareciam eternas as manhãs e tardes em que cercado de pombas e de crianças ele alegrava os alunos da Escola Paulino Carlos, ao lado da Praça.
Ali mesmo trabalhava como engraxate quando se juntou ao jornalista Francisco Ribeiro e aos taxistas da região para compor o "Clube das Pombas". Cotizavam-se para a compra de milho com que Bemvindo pacientemente tratava das pombinhas.
Certa vez, um padre franciscano, de quem engraxava os sapatos, orientou-o a educar as pombas assobiando para elas à moda de São Francisco de Assis. Adotou o gesto daquele dia em diante e logo notou que as aves se aproximavam dele, mesmo sem o alimento. Estava criada uma cena das mais emblemáticas que São Carlos conheceu.
Alegrias e contratempos passaram a compor aquele universo, feito do carinho que as crianças dedicavam a Bemvindo e da restrição de alguns poucos rabugentos que acenavam para o risco de doenças. O fato é que àquele clima bucólico se juntava o panorama da praça, com suas árvores, o Cine São Carlos e tanta coisa que se foi pra nunca mais voltar.
De tão populares, a revoada das pombas e seu regente foram reconhecidos pela Prefeitura; oficializou-se o ritual que perduraria até pouco depois da reforma da praça. Um pombal foi construído, mas as árvores e o cinema desapareceram; toda poesia deu então lugar ao barulho e à fumaça apresentando a fatura dos novos tempos e do "progresso".
O Bemvindo que apareceu na capa de um disco e que ilustrou cartões postais da cidade, saiu de cena após aposentar-se e de vez em quando retornava à praça onde as pombas já não estavam. Quando isso acontecia talvez fosse tomado por um impulso de assobiar para que elas reaparecessem.
Se fizesse isso, talvez um milagre trouxesse de volta aquele universo mágico de outrora. E então a cidade, hoje tão pobre de personagens assim, pudesse reviver um momento do qual ali, naquela praça, as pedras e até o céu devem ter saudade.
Esta seção tem enfoque na memória coletiva de São Carlos e disponibiliza espaço para relatos e fotos de fatos e locais da cidade em outros tempos. O material pode ser enviado para: memoriasaocarlense@gmail.com.





