
Separações conflituosas e disputas de guarda têm evidenciado um problema cada vez mais presente nas famílias brasileiras: a alienação parental. O termo descreve situações em que um dos pais tenta afastar o filho do outro por meio de acusações, manipulações ou discursos que desqualificam o genitor alvo. Os efeitos ultrapassam o rompimento conjugal e atingem diretamente o desenvolvimento emocional e psicológico da criança.
Segundo a advogada Michele Gheno Pacheco, especialista em Direito de Família, o tema exige a mesma seriedade dedicada a outras formas de violência. “A alienação parental é uma agressão invisível. Ela destrói vínculos, compromete a saúde mental e deixa marcas que acompanham a criança até a vida adulta”, afirma.
A Lei 12.318/2010 reconhece como alienação parental qualquer ato que dificulte a convivência da criança com um dos genitores. Isso inclui impedir ou dificultar contato, omitir informações relevantes, fazer falsas acusações ou induzir a sentimentos negativos contra o outro responsável. “Quando o afeto vira instrumento de disputa, a criança se torna vítima de um conflito que não é dela”, explica Michele.
A especialista destaca ainda a diferença entre alienação parental e síndrome da alienação parental. “A alienação refere-se à conduta praticada por um dos genitores, enquanto a síndrome corresponde aos efeitos emocionais e comportamentais produzidos na criança. Quanto mais prolongado o conflito, mais intensas tendem a ser as repercussões”, acrescenta.
Respostas judiciais e medidas de proteção
Nos processos envolvendo alienação parental, prevalece o princípio do melhor interesse da criança. A legislação prevê medidas como advertência, acompanhamento psicológico, modificação da guarda e, em casos graves, suspensão da autoridade parental.
“O fator tempo é determinante: meses de afastamento decorrentes de práticas de alienação podem consolidar danos emocionais significativos. Por isso, a resposta judicial deve ser célere e amparada por equipes técnicas, como psicólogos e assistentes sociais”, orienta a advogada.
Impacto emocional e sinais de alerta
Para a psicóloga perinatal Rafaela Schiavo, professora e fundadora do Instituto MaterOnline, o ambiente emocional da criança é sensivelmente afetado quando há conflito entre os pais, mesmo sem discussões diretas.
“A criança passa a lidar com sentimentos que não pertencem a ela. O afastamento forçado, a desqualificação de um dos genitores ou comentários que a colocam para escolher um lado geram confusão, insegurança e medo”, afirma. “Isso pode impactar a autoestima e a forma como ela entende o próprio valor.”
Rafaela destaca que os sinais costumam aparecer no comportamento: regressões, irritabilidade, tristeza persistente, recusa de convívio com um dos pais e falas adultizadas. “Nada disso nasce espontaneamente. A criança repete o clima emocional da casa”, explica.
Como proteger a criança durante o conflito
Especialistas orientam que algumas atitudes dos responsáveis podem reduzir os danos emocionais:
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Evitar desqualificar o outro genitor na frente da criança.
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Não transformar a criança em mensageira entre os pais.
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Manter rotina e previsibilidade.
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Explicar o que está acontecendo de forma simples e sem acusações.
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Reforçar que ela é amada por ambos os pais.
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Procurar apoio psicológico diante de sinais persistentes de sofrimento.
Para Rafaela, é essencial impedir que a criança absorva tensões que pertencem aos adultos. “A responsabilidade do cuidado emocional é dos cuidadores, e não da criança. Ela precisa de segurança, estabilidade e liberdade para manter vínculos saudáveis com ambos os pais.”
Como agir diante da suspeita de alienação parental
Ao identificar sinais como recusa persistente da criança em ver o outro genitor ou campanha negativa constante, o primeiro passo é reunir provas — mensagens, testemunhos, registros de visitas — e buscar orientação jurídica. Em muitos casos, medidas de urgência podem ser solicitadas para evitar a continuidade do dano.
Qualquer pessoa com legitimidade — pai, mãe, avós, tutores ou o Ministério Público — pode denunciar a prática. O pedido pode ser feito em ação própria ou incidentalmente na Vara de Família. O Conselho Tutelar também pode ser acionado.
A comprovação geralmente envolve perícia psicológica ou biopsicossocial. Confirmada a alienação, o juiz pode aplicar penalidades como advertência, multa, ampliação de convívio ou mudança de guarda.
O genitor alienador pode enfrentar consequências sérias: perda de guarda, determinação de acompanhamento psicológico e, em alguns casos, responsabilização civil ou penal. “A prática não é mera disputa; pode configurar abuso psicológico com efeitos duradouros”, enfatiza Michele.
Prevenção e impacto social
Enquanto o processo judicial se desenvolve, preservar a rotina e o vínculo familiar é prioridade. Atrasar cuidados pode agravar os danos. Iniciativas como mediação familiar e oficinas de parentalidade têm papel importante na reaproximação e conscientização dos responsáveis.
“Esses espaços ajudam os pais a dimensionar as consequências de suas condutas e a reabrir canais de diálogo. Com orientação, os filhos deixam de ocupar o lugar de instrumento do litígio e voltam ao centro das decisões”, destaca a advogada.
Além dos efeitos emocionais, a alienação parental traz impactos sociais: terapias prolongadas, dificuldades escolares, isolamento e prejuízos que se estendem até a vida adulta. “O problema não é privado. Tem dimensão social. Quando uma criança cresce ferida emocionalmente, o efeito alcança a comunidade”, completa.
Para Michele, a mensagem é direta: “Proteger a integridade emocional das crianças é tão importante quanto resguardar a integridade física. A alienação parental é um fenômeno real e requer informação, responsabilidade e atuação judicial proporcional às evidências.”
Paulo Novais/ assessoria de imprensa




