O químico Gilberto Chierice: Por 20 anos Chierice produziu e distribuiu gratuitamente a fosfoetanolamina. A pesquisa em seu laboratório do IQSC/USP chegou a distribuir 50 mil cápsulas por mês - Crédito: Alesp reproduçãoMorria há seis anos, no dia 19 de julho de 2019, no Hospital Instituto de Moléstias Cardiovasculares, em São José do Rio Preto (SP), o químico e professor aposentado do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos, Gilberto Orivaldo Chierice. Ele tinha 75 anos. Chierice ficou conhecido no Brasil por desenvolver a fosfoetanolamina sintética, popularmente chamada de “pílula do câncer”. A causa da morte foi infarto do miocárdio.
Trajetória
Nascido em Rincão (SP), Chierice formou-se em Química pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Unesp de Araraquara (1969). Realizou mestrado (1973) e doutorado (1979) em Química pela USP, na capital. Em 1976, ingressou no quadro docente da USP de São Carlos e se aposentou em 2013 como professor titular.
No final dos anos 1980, ele desenvolveu um polímero a partir do óleo de mamona, ideal para a fabricação de próteses bem mais baratas que as de silicone e que também não causavam rejeição. Esse trabalho lhe rendeu, em 1996, o reconhecimento como um dos 100 melhores cientistas brasileiros dos últimos 100 anos.
Durante 20 anos, Chierice produziu e distribuiu gratuitamente a fosfoetanolamina. A pesquisa em seu laboratório no IQSC/USP chegou a distribuir 50 mil cápsulas por mês, mesmo sem testes clínicos comprovados em humanos.
Em agosto de 2015, pacientes com câncer começaram a entrar na Justiça para obter as cápsulas. Segundo o próprio professor, a fosfoetanolamina é a combinação de uma substância muito comum, utilizada em muitos xampus capilares, chamada monoetanolamina, com o ácido fosfórico, que é um conservante de alimentos. Juntas, essas substâncias formariam um marcador de células diferenciadas, consideradas células cancerosas.
O tema gerou polêmica em 2015, envolvendo a USP e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que proibiram a distribuição da fosfoetanolamina. Pacientes, no entanto, continuaram recorrendo à Justiça para garantir o direito ao composto.
Em dezembro daquele ano, o Instituto do Câncer de São Paulo (Icesp) anunciou a coordenação de uma pesquisa para testar a substância. A universidade fechou o laboratório em abril de 2016 e suspendeu a distribuição até que fosse obtido o registro junto à Anvisa, que afirmou não ter identificado processo formal de avaliação do produto em seus registros. Segundo a agência, para obter o registro, além da requisição, seria necessário apresentar documentos e análises clínicas, o que não constava na pesquisa.
Ainda em abril de 2016, mesmo diante da preocupação da Anvisa quanto à liberação sem garantias de eficácia e segurança, a então presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou a lei que autorizava o uso da substância por pacientes diagnosticados com tumores malignos.
Em maio do mesmo ano, por 6 votos a 4, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a lei e manteve suspensas decisões judiciais que obrigavam o governo a fornecer a substância.
Em março de 2017, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) suspendeu as verbas para a pesquisa e a inclusão de novos pacientes nos testes clínicos com a fosfoetanolamina, devido à ausência de “benefício clínico significativo” nas pesquisas realizadas até então.
Em outubro de 2017, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que concluiu em abril de 2018 que houve falhas na eficácia, na pesquisa e nos testes de segurança do composto, recomendando que novos estudos fossem realizados antes que ele fosse distribuído.
Em junho de 2019, a Universidade Federal do Ceará (UFC) iniciou os primeiros testes da chamada pílula do câncer em seres humanos. Ao todo, 64 voluntários participariam do experimento, realizado pela primeira vez no Brasil.





