Manifestação contra o machismo: Entre mais de 20 mil brasileiras, entrevistadas entre 16 de maio a 8 de julho deste ano, 46% afirmam não se sentir tratadas com respeito, uma sensação que cresce principalmente nas ruas (49%) - Um novo levantamento realizado pelo DataSenado e pelo Instituto Nexus, em parceria com o OMV (Observatório da Mulher contra a Violência), escancara a dimensão desse cenário. Entre mais de 20 mil brasileiras entrevistadas entre 16 de maio e 8 de julho deste ano, 46% afirmam não se sentir tratadas com respeito, sensação que cresce principalmente nas ruas (49%).
Os dados, divulgados pela Folha de S.Paulo, mostram ainda que a violência de gênero não apenas persiste como ganha novos contornos. A percepção de insegurança dentro do próprio lar é um deles, tendo aumentado quatro pontos percentuais em relação a 2023, alcançando 21% das entrevistadas. Em números absolutos, isso equivale a 3,3 milhões de mulheres a mais enxergando suas casas como espaços menos seguros.
MAIORIA VÊ O BRASIL COMO MACHISTA – A percepção da população acompanha a escalada de casos de violência contra mulheres. A pesquisa aponta que 94% das mulheres consideram o Brasil um país machista. Além disso, 79% dizem perceber aumento da violência, reforçando um sentimento já registrado em levantamentos anteriores.
Outro estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz, com base em dados da Secretaria de Segurança Pública paulista, mostra que, dos 207 casos de feminicídio registrados no estado este ano, 61% ocorreram no ambiente familiar.
Nesse cenário, apenas 11% das mulheres acreditam que denúncias de violência são feitas sempre ou na maior parte das vezes, dado que reflete a dificuldade e os obstáculos para denunciar muitos casos.
OS IMPACTOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA – Outro estudo, realizado para o Mapa Nacional da Violência de Gênero, revela que a violência doméstica também altera a rotina, o trabalho e os estudos de milhões de brasileiras. Segundo o levantamento, 69% das mulheres tiveram a rotina alterada após agressões, o que corresponde a cerca de 24 milhões de brasileiras.
Entre as entrevistadas, 68% relatam danos às relações sociais, 46% tiveram o trabalho afetado e 42% foram impactadas nos estudos.
As mulheres fora da força de trabalho sofrem violência três vezes mais do que aquelas que estão empregadas. Além disso, 66% das vítimas ganham até dois salários mínimos, e mais da metade vive ciclos de violência que duram mais de um ano.
Criada em 2005 para subsidiar a elaboração da Lei Maria da Penha, a pesquisa é realizada a cada dois anos e, nesta edição, ouviu 21.641 mulheres com 16 anos ou mais em todo o país.
“Sensação de hipervigilância”
Para a psicóloga Aleksandra Lopes (CRP 6/123404), especialista em Psicanálise e Saúde pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, quando grande parte das mulheres — quase unanimidade, segundo o levantamento — percebe o país como machista e associa esse machismo a experiências de desrespeito e violência, cria-se um clima psicológico de hipervigilância: atenção constante ao ambiente social (rua, trabalho, escola, casa), com medo de comportamentos hostis, assédio ou violência. Esse estado permanente de alerta pode gerar ansiedade, tensão, insegurança, desgaste emocional e sensação de “não pertencimento seguro” no espaço público ou privado.
Segundo ela, o dado de que 21% veem o lar como inseguro é psicologicamente alarmante. O lar deveria ser um ambiente de abrigo e segurança. “Quando esse espaço passa a ser percebido também como de risco, o impacto sobre a autoestima, sensação de proteção, tranquilidade e confiança se agrava — contribuindo para estresse crônico, distúrbios do sono, medo persistente e retraimento”, destaca a especialista.
Aleksandra ressalta ainda que, quando o machismo é percebido (e vivenciado) como algo estrutural e corriqueiro — nas ruas, no trabalho, em casa — há o risco de que essa realidade se torne normalizada. Segundo ela, isso faz com que comportamentos desrespeitosos, microagressões, silenciamento, violência simbólica e até violência física sejam vistos como inevitáveis, “parte da vida de mulher neste país”.
Essa naturalização pode gerar sofrimento internalizado: culpa, vergonha, autoquestionamento (“será que exagerei?”, “será que provoquei?”), baixa autoestima, auto-silenciamento, medo de buscar ajuda ou se posicionar. Para a psicóloga, a consciência de que “quase todo mundo” enxerga o país como machista pode gerar sensação de solidão existencial — como se as mulheres estivessem presas a uma estrutura hostil difícil de mudar, o que pode desmotivar exigências de respeito ou justiça.
Ela explica que os impactos da violência não são apenas práticos; são profundamente psicológicos. Violência doméstica ou de gênero costuma causar trauma, medo internalizado, desconfiança, sintomas de estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, sentimento de desvalorização, insegurança relacional e impactos duradouros na saúde mental.
Segundo a especialista, o dado de que apenas 11% acreditam que denúncias são frequentemente feitas gera desconfiança nas instituições responsáveis pela proteção. Essa sensação de impunidade e ineficácia institucional pode reforçar o medo, o isolamento e a desesperança, gerando sentimento de abandono social, insegurança generalizada e impotência coletiva.
Efeitos psicológicos coletivos entre as mulheres
Com base em psicologia social e clínica, os fatores apontados contribuem para:
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Aumento de transtornos de ansiedade, depressão e estresse pós-traumático, especialmente entre vítimas de violência.
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Redução da autoestima, autoconfiança, senso de autoeficácia e de pertencimento social.
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Desenvolvimento de mecanismos de hipervigilância, retraimento, medo, isolamento e desconfiança.
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Internalização de culpa, vergonha, auto-silenciamento e auto-desvalorização.
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Cansaço emocional coletivo, exaustão e desesperança — levando à apatia e à desistência de mobilização social.
Esses efeitos não são apenas individuais: formam um quadro coletivo de fragilidade psicológica, gerando impactos intergeracionais e sociais profundos.
Segundo a psicóloga, os dados evidenciam que o machismo não é apenas um comportamento individual, mas uma estrutura social percebida por quase todas as mulheres, com impacto direto sobre subjetividade, saúde mental e bem-estar da população feminina.
A importância das denúncias e da rede de apoio
“É extremamente importante que as mulheres busquem apoio e façam denúncias para romper o ciclo de abuso e violência”, afirma Aleksandra. Ela ressalta que denunciar não é apenas pedir justiça: é recuperar dignidade e o direito a uma vida livre de medo. Políticas públicas, como o Ligue 180, delegacias especializadas e redes de apoio comunitário, oferecem acolhimento, orientação e suporte essencial para quem decide denunciar.
MACHISMO, PROBLEMA DOS HOMENS
Para a vereadora feminista Raquel Auxiliadora, o machismo é um problema que os homens precisam resolver. Ela destaca que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou a iniciativa de enfrentar o machismo ao afirmar que não deseja o voto de homens que batem em mulheres.
“Nós, mulheres, temos total clareza e compreensão do que é o machismo, porque o sofremos todos os dias de nossas vidas. Ele permeia nossa vida desde a forma como nos vestimos, falamos ou andamos. O machismo molda as mulheres, mas também molda os homens. Ele mata mulheres, mas também impede que os homens sejam plenos em seus desejos e vontades. Proíbe os homens de participarem de várias esferas da vida, inclusive dos cuidados com os filhos”, ressalta a vereadora.





