sexta, 26 de abril de 2024
Artigo Rui Sintra

Quando a ciência indica o caminho

16 Mai 2020 - 06h43Por (*) Rui Sintra
Quando a ciência indica o caminho -

Tempos difíceis estes, colocando-nos como reféns de um inimigo invisível e silencioso, que tem como aliados uma economia volátil e uma política terceiro-mundista. Claro que estou falando de nosso país. Contudo, a nossa política terceiro-mundista está inevitavelmente atrelada a uma sociedade que a alimenta e promove, ou seja, na gíria, cada povo tem o governo que merece, pois ele assim o escolheu. E não se trata apenas deste governo, como também aquele que o antecedeu, e o anterior a esse, e o anterior a esse, e o anterior a esse, e por aí vai. A única coisa que confio realmente é o poder da ciência, aquilo que ela me tem ensinado, demonstrado e comprovado. Aplausos para a ciência e para os cientistas, que, dentro de suas universidades e centros de pesquisa, sem glamour, têm nos dado o melhor de si mesmos, não havendo dinheiro que pague os inúmeros serviços que prestam ao país e ao mundo.

Desde março último (talvez até antes, quando todo o mundo saltava o carnaval no país), o novo coronavirus (SARS-CoV2, causador da doença respiratória COVID-19) tomou conta não só de nossas vidas, como, também das vidas de todos os povos do mundo. Não vou dissecar aqui os episódios lamentáveis protagonizados pelo atual governo em relação à COVID-19, nem o fato de nosso país ser a vergonha mundial no combate à pandemia, pelos motivos que já são sobejamente conhecidos. Com o pedido de exoneração do ministro da saúde (o segundo no espaço de um mês e meio), a bola da vez vai para os já famosos medicamentos Cloroquina e Hidroxicloroquina, tidos como o possível remédio no combate à COVID-19. Enquanto os incondicionais apoiadores das medidas governamentais seguem a appostila a favor da disponibilização desses compostos à sociedade, como forma de combater a pandemia - com a condição deles serem autorizados e receitados pelos médicos, a pedido dos doentes (se os medicamentos são tão bons e de confiança, por que motivo têm que ser autorizados? Existe algum risco?), por outro lado os cientistas são categóricos em afirmar que esses compostos não são confiáveis, tentando lutar contra a pandemia de desinformação generalizada, situação complexa que expõe a nossa vulnerabilidade em aspectos fundamentais, sociais e de saúde pública. Muita gente nas mídias sociais insiste em afirmar que os medicamentos que contêm os princípios ativos cloroquina e hidroxicloroquina (um análogo simples da cloroquina) são úteis para a profilaxia, tratamento ou cura da infecção causada pelo novo coronavírus. Falso!!!

O Prof. Adriano Andricopulo - professor titular do Instituto de Física de São Carlos (USP), especialista em Química Medicinal, Fármacos e Medicamentos e diretor-executivo da Academia de Ciências do Estado de São Paulo - é um dos mais eminentes cientistas de nosso país, desenvolvendo, em outras atividades, o cargo de Coordenador de Inovação do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade em Fármacos (CIBFar), alocado na USP de São Carlos. Em artigo publicado no dia 23 de março último, na “Revista Questão de Ciência”, o cientista afirmou que embora tenham sido descritos alguns resultados promissores em estudos na literatura científica, o certo é que não há evidências ou dados conclusivos que comprovem a eficácia do uso desses medicamentos para o tratamento do novo coronavírus. Os resultados disponíveis são preliminares e questionáveis, pelo que não existem recomendações de nenhuma agência reguladora no mundo (inclusive da ANVISA) para o uso destes medicamentos como forma de prevenção ou tratamento para a COVID-19. Para Andricopulo, além de se perderem tempo e recursos com essa ideia, a falsa esperança alimentada por alguns governantes brasileiros levou ao esgotamento desses medicamentos em diversas farmácias, prejudicando os doentes que realmente precisam deles, como os que sofrem com malária, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, entre outras doenças.

Adriano Andricopulo é enfático ao afirmar, em seu artigo, que as manifestações tóxicas da cloroquina estão relacionadas com efeitos cardiovasculares (hipotensão, vasodilatação, supressão da função miocárdica, arritmias cardíacas, parada cardíaca) e do sistema nervoso central (confusão, convulsões e coma). As doses terapêuticas usadas no tratamento oral podem causar, entre outros efeitos colaterais, cefaleia, irritação do trato gastrointestinal, tontura, distúrbios visuais e urticária, enquanto que doses diárias altas podem resultar em retinopatia e problemas auditivos irreversíveis. O tratamento prolongado com altas doses pode causar, entre outros problemas, miopia tóxica, cardiopatia e neuropatia periférica, visão borrada, confusão, convulsões, erupções e queloides na pele, e embranquecimento dos fios do cabelo. Em casos raros, podem ocorrer problemas graves no sangue. A cloroquina é um fármaco que apresenta estreita margem de segurança, e uma dose única de 30 mg/kg (30 miligramas por quilo de massa corporal, ou cerca de 2 gramas para uma pessoa de 70 quilos) pode ser fatal. Um exemplo concreto de que esses medicamentos são perigosos quando tomados de forma indiscriminada veio em meados de março, quando, na Nigéria, foram anunciadas oficialmente as primeiras mortes por intoxicação por cloroquina, como consequência do uso indevido do medicamento para combater o novo coronavirus. Por outro lado, em relação à hidroxicloroquina, embora o perfil de segurança seja um pouco maior que o da cloroquina, Adriano Andricopulo confirma que o uso desse medicamento está igualmente sujeito a várias das interações medicamentosas descritas para a cloroquina. Ou seja, é muito prematuro, até perigoso e leviano, defender o uso desses dois medicamentos sem haver comprovações científicas de sua eficácia, lembrando que a última palavra estará sempre na Organização Mundial de Saúde, que dará o aval depois de confirmada a eficácia dos medicamentos.

Neste momento sério da vida de milhões de pessoas, as paixões ideológicas deverão ficar temporariamente fora do horizonte das pessoas no que diz respeito a este assunto tão sério. Para nosso bem e de nossas famílias, o caminho que deverá ser seguido é o da Ciência.

(*) O autor é Jornalista profissional / Membro da GNS Press Association (Alemanha) / Correspondente internacional freelancer. MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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