segunda, 06 de maio de 2024
Artigo Rui Sintra

Em Sessão Solene no dia 25 de abril - Câmara Municipal de São Carlos evoca a “Revolução dos Cravos” (Portugal)

26 Abr 2024 - 07h19Por (*) Rui Sintra
Em Sessão Solene no dia 25 de abril - Câmara Municipal de São Carlos evoca a “Revolução dos Cravos” (Portugal) -

Ontem, 25, em Sessão Solene, a Câmara Municipal de São Carlos, em parceria com a Casa de Portugal de São Carlos, celebrou a passagem do 50º aniversário da “Revolução dos Cravos” (1974), uma data emblemática para o povo português já que ela marca o fim de uma ditadura que durou 48 anos e que deu início ao regime democrático em Portugal. A convite (que muito agradeço), estive presente como diretor do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo (CCLB), permitindo-me, neste espaço, compartilhar com os meus leitores aquilo que tive a oportunidade de salientar em minha oratória. “Preconizar a difusão dos valores históricos e culturais que unem Brasil e Portugal, representando, unindo e engrandecendo a comunidade luso-brasileira e o seu valioso movimento associativo, é um dos objetivos do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, instituição fundada em 1981. E esse objetivo primordial congrega, no seu seio, ações e realizações que despontam sem qualquer distinção de sexo, cor, raça, condição social, credo político ou religioso, e sempre com a missão central de preconizar a difusão dos valores históricos e culturais que unem Brasil e Portugal, representando e engrandecendo a comunidade luso-brasileira e seu valioso movimento associativo. De entre os inúmeros vetores relativos à atuação do Conselho da Comunidade Luso-Brasileira do Estado de São Paulo, permitam-me aqui destacar alguns que considero fundamentais: 1 - Preservar, manter e desenvolver os valores históricos e culturais que unem Brasil e Portugal, coordenando atividades educacionais, sociais, culturais, assistenciais e recreativas; 2 - Engrandecer e difundir os laços existentes entre portugueses e brasileiros; 3 - Valorizar a imagem dos luso-brasileiros e as relações econômicas e comerciais entre Brasil e Portugal; 4 - Exercer a representação da comunidade luso-brasileira do Estado de Pão Paulo nos assuntos de interesse público, apoiando a tolerância e opondo-se a atitudes discriminatórias de qualquer espécie; 5 - Representar e defender os interesses da comunidade luso-brasileira do Estado de São Paulo junto às autoridades portuguesas e brasileiras. Aquilo que acabo de elencar deriva de uma realidade que foi trazida pela “Revolução dos Cravos” no distante ano de 1974, um momento marcante do nascimento da democracia portuguesa, uma data que simboliza o início de um caminho de profundas transformações económicas, sociais e culturais, um caminho sob a luz da liberdade. Parafraseando o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Carlos Moedas, “Liberdade significa um horizonte aberto de possibilidades. significa a oportunidade de sermos melhores do que aquilo que fomos, de nos reinventarmos a cada momento, de vivermos com a audácia de olhar para o futuro sem medos”. Este é o momento de recordarmos este valor da Liberdade que foi conquistada em abril de 1974 sem o derramamento de sangue, e, pessoalmente, não poderia estar mais de acordo com a mensagem de Carlos Moedas ao recordar a “Revolução dos Cravos”. De fato, abril rasgou um enorme horizonte de possibilidades. Passaram 50 anos deste que a “Revolução dos Cravos” se assumiu como um momento definidor daquilo que somos. Poderíamos eventualmente pensar que o seu simbolismo está a esmorecer. Mas, não. Hoje, as novas gerações dão como garantidas a Liberdade e a Democracia que abril nos deu. Contudo, não podemos dá-las como garantidas. Precisamos de lhes dar valor. Não relembrar a memória de abril é cair na tentação da ditadura, onde o horizonte se fecha e a audácia desaparece. O 25 de abril foi o contrário deste abaixamento do olhar; a revolução em Portugal foi a audácia de ver e ir mais longe. O atual presidente da Casa de Portugal de São Carlos, Sr. Paulo Gabriel Palo, e eu próprio, somos testemunhas vivas da “Revolução dos Cravos”, cada um de nós a saborear esse momento e período da história de Portugal em locais distintos nessa data. O Sr. Paulo Palo, no interior de Portugal, e eu na capital, Lisboa. É bom recordar que a “Revolução dos Cravos” se germinou em um congresso de combatentes que ocorreu no mês de junho de 1973, na cidade do Porto, e onde, em segredo absoluto, se deu o pontapé inicial para a criação daquele que viria a ser o Movimento das Forças Armadas, um movimento que partiu não das cúpulas militares, mas sim das suas bases. Aí, nessa reunião, os militares decidiram que a autodeterminação dos povos e a independência das ex-colónias eram pontos fundamentais para um possível levante, para uma possível revolução, para uma possível ação armada. E, foi praticamente passado um ano sobre esse congresso, que na aurora do dia 25 de abril de 1974 os militares do Movimento das Forças Armadas - o MFA - ocuparam os estúdios do Rádio Clube Português e, através dela, explicaram à população que o intuito da revolução era que o país se tornasse numa democracia (muitos não sabiam sequer o que isso significava). E colocaram no ar músicas de que a ditadura não gostava e que por isso censurava, como, por exemplo, Grândola Vila Morena, de José Afonso. Em 25 de abril de 1974, aos poucos, os portugueses foram acordando daquela que seria a última noite da ditadura. Estive entre essas largas centenas de milhares de pessoas que se concentraram na manhã desse dia 25 de abril de 1974 na Praça do Comércio, no Largo do Carmo, no Rossio, nos Restauradores e em tantos outros locais e ruas de Lisboa, correndo, sorrindo, acenando, gritando, empurrando, e, como todos os outros, contrariando as repetidas mensagens que o Movimento das Forças Armadas tinha divulgado ao longo da noite nas rádios e televisão portuguesas - “Pedimos a todos os portugueses que se mantenham em casa”. Sem medo, as multidões se aproximaram dos “chaimites” (os tanques de guerra) que durante a madrugada tinham percorrido a distância entre Santarém e Lisboa, oriundos da Escola Prática da Cavalaria, e que viriam a se deter junto aos ministérios, num cerco perfeito. E, todos nós podemos falar com os militares que, mesmo esboçando sorrisos tímidos, denotavam um claro nervosismo, uma expectativa. “Cuidado aí! Cheguem para trás! Ei! Vocês aí! Cheguem todos para trás! Que raios... Vão para as suas casas! Saiam daqui!” - gritava um jovem oficial, que, de megafone em punho e de metralhadora cruzada sobre o peito incentivava seus subordinados a empurrar o povo. Mas, foi em vão. Era como querer impedir que um vinho espumoso saísse da garrafa após retirar a rolha. Mais tarde, soube que esse jovem oficial era um dos “Capitães de Abril” - Salgueiro Maia, de seu nome, o capitão que foi um dos heróis da revolução. E mais militares chegaram, muitos - soldados, marinheiros, fuzileiros, militares da força aérea, paraquedistas - ao mesmo tempo que chegava mais gente... E mais gente... E mais gente ainda... Multidões. Foi algo nunca visto, com os civis a se misturarem com os militares e subindo nos carros de combate... Muita gente presente, mas ainda sem saber muito bem o que estava acontecendo ou porque estava acontecendo. Até que, com o decorrer do tempo a multidão começou a gritar frases como “Liberdade, Liberdade”, “Fascismo não passará”, “O povo unido jamais será vencido”, entre muitas outras. A partir daí e aos poucos, todos começaram a entender o que estava acontecendo. Era, de fato, uma revolução liderada por militares para depor o governo ditatorial que seguia um rumo definido desde 1926. “Nem mais um soldado para o Ultramar”, “O povo está com o MFA”, “Vitória, Vitória!” “Fora a guerra colonial”, ouviram-se em coros dispersos pelas ruas da capital. Era o começo do fim de 12 anos de guerras em África - Angola, Guiné e Moçambique -, conflitos que ceifaram a vida a centenas de milhares de jovens portugueses e dos movimentos de libertação. Palavras como “Liberdade” e “Democracia”, começaram então a fazer sentido. Ao longo do dia, uma vendedora de flores começou a distribuir cravos. Os soldados enfiavam os pés dos seus cravos nos canos das espingardas e metralhadoras e os civis colocavam as flores nas lapelas dos casacos e no peito. Por isso, a revolução do 25 de abril foi batizada de “Revolução dos Cravos”. Ao longo do dia rendiam-se os últimos bastiões militares e militarizados ainda fieis ao regime e o governo foi deposto. Um ano depois, no dia 25 de abril de 1975, os portugueses votaram pela primeira vez em liberdade depois de décadas de ditadura e as forças armadas conseguiram aniquilar uma tentativa de contra-golpe em 25 de novembro desse mesmo ano, num dia em que a democracia venceu o extremismo. Hoje, passados que são 50 anos dessa manhã de abril, a Liberdade e a Democracia continuam a ser a luz que guia Portugal no caminho da paz, da solidariedade e do desenvolvimento, continuando a ter como símbolo eterno as suas forças armadas. Poderíamos ficar aqui dezenas de horas compartilhando e comentando as histórias vividas nessa “Revolução dos Cravos”. A memória é o património de uma cultura. A memória é o patrimônio de um povo e um país sem história é um país sem futuro. E nós, portugueses e luso-descendentes, desde essa data que olhamos fixamente para o futuro, tal como fizemos nas grandes epopeias marítimas”.

O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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