quinta, 02 de maio de 2024
Artigo Rui Sintra

Provérbios portugueses no mundo Lusíada - Sobrevivendo às décadas e aos séculos

19 Jan 2024 - 06h59Por (*) Rui Sintra
Provérbios portugueses no mundo Lusíada - Sobrevivendo às décadas e aos séculos -

Criados na antiguidade, os tradicionais provérbios portugueses se disseminaram pelo mundo Lusíada e não perderam o seu sentido universal da vida, sendo, por isso, bastante atuais. Frutos da sabedoria popular e de criação anônima ao longo das décadas e dos séculos, os provérbios portugueses continuam a se pautar, em diversos dicionários, como sentenças morais ou conselhos populares, fazendo parte do senso comum e representando, assim, preciosas lições de vida que são passadas de pais para filhos. Vamos ver alguns desses provérbios, onde, certamente, muitos deles já são conhecidos dos meus leitores:

“Amigos amigos, negócios à parte”

Frequentemente, utiliza-se este provérbio num contexto em que se pretende alertar que misturar negócios e amizades pode representar um erro grave, um erro que pode ser mau para o negócio e que pode levar ao fim de uma amizade. O dinheiro faz parte do negócio e, como motiva paixões, pode levar a que as amizades sejam testadas, sejam colocadas à prova. E, raramente, passam no teste…

“Um olho no peixe, outro no gato”

Quando se utiliza este provérbio, podemos pensar na imagem a ele associada. Sabemos que é uma questão de tempo para o gato saltar para cima do peixe. Assim, é necessário manter uma vigilância atenta. Seja no peixe que se pretende limpar, arranjar ou arrumar, seja no gato que pode até aparentar não estar muito interessado, mas é capaz de lançar um ataque felino. Esta frase pretende apenas prevenir para a necessidade de nos prepararmos para o “inevitável”.

“O seguro morreu de velho”

Diz-se quando se pretende apelar à precaução. Quando se pretende aconselhar a que, em determinados contextos, não se deve arriscar, por muito que digam “quem não arrisca não petisca”. Quando há grande probabilidade de insucesso e muito a perder, convém não arriscar. Deve por isso estar bem preparado, melhor prevenido e mais precavido para que se consiga ter mais oportunidades de sucesso.

“O preguiçoso trabalha dobrado”

Uma pessoa que esteja com preguiça, faz tudo com cansaço. Depois tem muito para fazer e pouco tempo para descansar, entrando num processo de pouca produtividade. O trabalho realizado acaba por ficar mal feito, tendo que ser refeito… Fazer tudo novamente rouba mais tempo… há menos descanso… É mais valioso para qualquer pessoa fazer as coisas bem, logo à primeira, para depois poder descansar, quando tudo estiver bem feito.

“Quem não quer ser lobo, não lhe vista a pele”

Este provérbio é utilizado num determinado contexto, como quem pretende fazer-se passar por quem não é, algo que traz consequências. Por vezes, as aparências e os comportamentos que se adotam levam a consequências que não se desejam. Se você fingir ser alguém que não é, pode sofrer as consequências. É melhor mantermo-nos fiéis a nós próprios para atingir os nossos objetivos.

“Em terra de cego, quem tem um olho é rei”

Este provérbio faz todo o sentido quando se percebe que é muito fácil sobressair onde não há muita concorrência. Por exemplo, quando se está num contexto de muito estresse, se uma pessoa mantém uma postura mais calma, sobressai, pois fica mais apta a tomar as melhores decisões. Se formos em família (ou em grupo de amigos) para um país como a Alemanha e se houver um elemento que fale alemão, facilmente se torna o líder do grupo. Os outros facilmente deixam essa pessoa ser o seu “rei”.

“Um dia é da caça, o outro do caçador”

Diz-se o provérbio ”um dia é da caça, outro do caçador”, quando as pessoas reconhecem que a vida é feita de diferentes peripécias. Reconhecem que há um percurso de subidas e de descidas, de várias vitórias e de diversas derrotas. Se há momentos em que conseguimos demonstrar que somos muito bons, existem outros momentos em que não o conseguimos fazer. Se o dia de hoje correu mal, amanhã será um dia melhor.

“Não adianta chorar sobre o leite derramado”

É um provérbio utilizado quando se está perante um contexto negativo. Nesses momentos, é importante levantar a cabeça e seguir em frente, mantendo uma postura otimista. Se o leite for derramado ou se falharmos no trabalho, sabemos que não adianta chorar, devemos seguir em frente. Devemos limpar os estragos e prosseguir com a nossa vida, com o nosso trabalho.

“Águas passadas, não movem moinhos”

Diz-se o provérbio “Águas passadas não movem moinhos”, quando se pretende desvalorizar o passado e num contexto em que se pretende seguir em frente e valorizar o presente; esquecer o que foi feito errado no passado e enaltecer o que pode ser feito no presente e futuro.

“O pior cego é aquele que não quer ver”

Diz-se frequentemente “O pior cego é aquele que não quer ver”, mas é importante compreender o contexto em que se usa este provérbio. Por vezes, estamos perante alguém que revela teimosia, mesmo quando todos alertam que a pessoa está errada. Essa pessoa ignora as evidências, mantendo uma postura de cegueira numa situação que é clara para todos.

“Apressado come cru”

Quando se pretende aconselhar alguém a não se precipitar, costuma dizer-se “quem tem pressa come cru” ou “apressado come cru” pois, como se sabe, a ansiedade origina erros. Estes erros levam a consequências. Se alguém está a cozinhar, mas está com pressa, pode cometer erros. Se retirar a comida da panela antes de ela estar devidamente cozinhada, então a pessoa come a comida crua como consequência.

“Plantar verde, para colher maduro”

Diz-se este provérbio para frisar as virtudes da paciência. Se você pensar a longo prazo e existir paciência, pode conseguir muitas coisas boas. É o que acontece na agricultura. O que é plantado, só se colhe depois de maduro. Também se aplica quando alguém recorre a perguntas hábeis para obter as respostas que se pretendem ouvir.

“Quem ri por último, ri melhor”

Utiliza-se este provérbio quando se está perante um cenário negativo, mas se sente otimismo, confiança e determinação. Assim, mesmo que o nosso adversário esteja num momento melhor, esteja a rir ou a celebrar algo, sabemos que, acreditando no nosso trabalho e no nosso esforço, podemos alterar as circunstâncias. Com paciência, determinação e um bom trabalho, no futuro, seremos nós a rir e o nosso adversário a chorar.

“Filhos criados, trabalhos dobrados”

Os pais de crianças sabem como elas dão trabalho. Mas depois delas se desenvolverem é que percebem verdadeiramente o provérbio “Filhos criados, trabalhos dobrados”. Os filhos são sempre nossos filhos. De alguma forma, sentimos sempre alguma responsabilidade nas suas opções. Se em crianças as preocupações são de um tipo - alimentação, brinquedos adequados para o seu desenvolvimento, entre muitas outras coisas -, depois delas crescerem as preocupações são outras - escola, evitar drogas e álcool, etc.. Assim, os filhos continuam a causar preocupações, mesmo depois de se tornarem adultos - emprego, relacionamentos amorosos, amizades, etc.

“À noite, todos os gatos são pardos”

Diz-se o provérbio “À noite, todos os gatos são pardos”, quando se está num contexto em que se deve desconfiar de algo. Se é verdade que todos ficamos com a visão comprometida durante a noite (num cenário em que ficamos incapazes de distinguir os gatos), também não deixa de ser verdade que ficamos igualmente incapazes de tomar muitas outras decisões importantes. Essa escuridão pode ser verdadeira ou metafórica, quando há um contexto obscuro. Podemos alertar alguém que esteja num contexto obscuro, tão escuro como a noite, de que deve desconfiar desse contexto. Se alguém for sair com um desconhecido com a promessa de algo positivo, como uma entrevista de emprego, antes de tomar a decisão de ir, há que avaliar bem, pois: “À noite, todos os gatos são pardos”.

“Depois da batalha, aparecem os valentes”

Depois de se estar perante um contexto difícil, há sempre quem tenha conselhos para dar. Há oportunistas que aparecem para celebrar e participar numa conquista para a qual não contribuíram. Também ocorre no sentido de se mostrarem mais corajosos ou sábios, quando sabem que as suas “capacidades” já não serão testadas.

“Pensando na morte da bezerra”

É possível que este provérbio tenha origem nas tradições hebraicas, pois os bezerros eram sacrificados em rituais para se obter uma redenção perante Deus. Atualmente, é usado em contextos em que se está perante um acontecimento negativo ou trágico, como um acidente, ficando preso a esse momento a lamentar o acontecimento. Contudo, o importante é o presente e o futuro que se quer construir.

“Deus ajuda quem cedo madruga”

Costuma-se dizer o provérbio “Deus ajuda quem cedo madruga”, num contexto em que se pretende frisar a extrema importância de acordar cedo. Se fizermos sacrifícios somos recompensados, pois temos mais luz do dia para trabalhar no caminho para o nosso sucesso.

“Entre marido e mulher, não se mete a colher”

Os casais têm as suas particularidades. Por isso, mesmo que discutam, ninguém deve interferir, pois seguramente que se desconhece o contexto (a não ser que haja algo mais que uma discussão, como agressões físicas ou psicológicas, as quais devem ser denunciadas).

“Quem bate esquece; quem apanha, não”

Quando se é magoado por quem se ama, perdoa-se, mas não se esquece. Quem magoa, não tem essas cicatrizes, essa infelicidade, essa desilusão. Por isso, facilmente esquece o acontecimento. Porém, quem sofreu não perde essas lembranças.

“A esperança é a última a morrer”

Diz-se o provérbio “A esperança é a última a morrer”, quando se deseja manter viva a ambição, a crença, os sonhos, a fé, apesar das circunstâncias serem menos favoráveis. É algo que se diz frequentemente no futebol, quando já há poucos minutos para dar a volta ao resuiltado..

“De boas intenções está o inferno cheio”

Quando se diz “De boas intenções, está o inferno cheio” pretende-se evidenciar que muitos fazem o que não se deve fazer, com alegadas “boas intenções”. Ou seja, há muita gente má que revela fazer muitas coisas com boas intenções. Além de boas intenções, é necessário contribuir com mais. Fazer boas ações que realmente se manifestem como generosas.

“Em casa de ferreiro, espeto de pau”

Diz-se frequentemente este provérbio “Casa de ferreiro, espeto de pau”, pois há muita gente que que desconhece o conceito de generosidade. Por exemplo, pessoas tão sovinas que mesmo que trabalhem com produtos de qualidade, optam por ter em casa produtos mais baratos, sem a mesma qualidade, só para poupar um pouco mais. É também usado em contextos inesperados, como um filho de um professor de inglês a necessitar de explicações de inglês.

“Quando um não quer, dois não dançam”

Diz-se “Quando um não quer, dois não brigam” ou “Quando um não quer, dois não dançam”, quando há uma tarefa que deve ser feita em cooperação e alguém não está com disposição para a fazer. Apesar de existirem algumas diferenças, é um provérbio parecido com outros, como “quando um não quer, dois não brigam”, “o teimoso não teima sozinho” ou “são precisos dois para dançar o tango”.

“Os últimos serão os primeiros”

A esperança é uma força que ajuda no sucesso. Apesar da realidade demonstrar a evidência quando acreditamos em algo com determinação, podemos transformar para melhor essa realidade. Trabalho, persistência, determinação são essenciais no mundo do esporte (e não só) e, muitas vezes, percebemos que é possível passar de último para primeiro.

“Se a ferradura trouxesse sorte, burro não puxava carroça”

É um provérbio que ataca as superstições, indicando que, apesar de alguns amuletos estarem associados à sorte, eles na verdade são inúteis, pois, se formos racionais e encararmos a realidade do quotidiano, percebemos que a ideia de sorte é convidativa à falta de trabalho. Porém, só com o trabalho é que se consegue ter “sorte”.

“Manda quem pode, obedece quem deve”

O provérbio “manda quem pode, obedece quem deve” é semelhante a outro - “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Ambos visam reconhecer a autoridade (moral, legal ou outra, como familiar ou laboral) e que se respeitem as instruções dadas, até porque o desrespeito pode revelar-se bastante prejudicial…

“Pau que nasce torto, nunca se endireita”

Usa-se o provérbio “Pau que nasce torto, nunca se endireita” num contexto em que se vê um mau início e não se prevê grandes melhorias. Por exemplo, uma mãe que nota que o relacionamento do filho mal começou e já existem várias discussões.

O autor é jornalista profissional / correspondente para a Europa pela GNS Press Association  / EUCJ - European Chamber of Journalists / European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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