Rui Sintra - Crédito: arquivo pessoal Todos os anos, meu país assiste à devastação das suas florestas, vidas e memórias. Como português radicado no Estado de São Paulo e até como membro de um corpo de bombeiros ao longo de dez gloriosos anos, reflito sobre as causas deste flagelo e comparo com a realidade incendiária que também assombra o Brasil, onde os investimentos, assim como os interesses, seguem caminhos bem distintos.
Todos os verões, um velho medo se reacende em Portugal, o das chamas que consomem não apenas árvores, mas também lares, animais, memórias e, por vezes, vidas humanas. É um cenário repetido ano após ano, perfeitamente previsível, mas ainda assim devastador. E, sempre me pergunto por que razão, com tanto avanço tecnológico e conhecimento acumulado, o país continua a arder?
Como português que há largos anos vive e trabalha no Brasil, observo de perto duas realidades que, embora distantes no mapa, compartilham a dor do fogo. Mas, as semelhanças param na superfície. As causas, os interesses e os investimentos nos incêndios florestais em Portugal e no Brasil são profundamente distintos e entender essas diferenças é essencial para que soluções eficazes sejam pensadas.
Portugal tem feito investimentos consideráveis no combate aos incêndios, especialmente desde a tragédia de Pedrógão Grande, em 2017, que matou sessenta e seis pessoas. O governo ampliou os meios aéreos, criou equipas de intervenção permanente nos bombeiros e aumentou o número de profissionais da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil.
Em 2023, o dispositivo especial de combate envolveu mais de 12 mil operacionais, 2.800 veículos e 60 meios aéreos, com um orçamento que ultrapassou 300 milhões de euros. Mas, mesmo com esse reforço, a fatia dedicada à prevenção ainda é reduzida. A maior parte dos recursos vai para o combate às chamas e não para evitar que elas comecem.
A limpeza de mato, o ordenamento florestal, o incentivo à agricultura sustentável e o apoio à fixação de populações no interior ainda não recebem a devida atenção orçamental. Faltam, sobretudo, políticas de médio e longo prazo. Como resultado, Portugal continua refém de um ciclo de calamidade — combate, reconstrução, esquecimento... E novo incêndio.
E o Brasil?
Já no Brasil, a lógica é completamente diferente. Os incêndios, em grande parte, não são acidentes naturais, mas sim ferramentas de grilagem, desmatamento e expansão agropecuária. Isso ocorre, sobretudo, na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, e o mais alarmante, apesar da vastidão dos incêndios, os investimentos em fiscalização e prevenção vêm sendo sistematicamente cortados nos últimos anos.
O número de fiscais em campo caiu vertiginosamente e equipamentos ficaram sucateados. No auge das queimadas de 2020, por exemplo, faltaram aviões, viaturas e até combustível para chegar aos focos de incêndio.
Desde 2023, com a mudança de governo, houve uma tentativa de recomposição orçamentária e reorganização dos órgãos ambientais, como o IBAMA e o ICMBio. O Fundo Amazônia foi reativado com aportes internacionais (como da Noruega e Alemanha) e novas estratégias estão sendo aplicadas para monitoramento via satélite e repressão à grilagem. No entanto, a reconstrução institucional é lenta e enfrenta resistência de setores poderosos.
Em termos numéricos, o Brasil tem investido em média R$ 300 a R$ 400 milhões por ano em ações de prevenção e combate, um valor considerável, mas ainda insuficiente diante da extensão territorial do país e da dimensão dos interesses econômicos que atuam por trás das queimadas.
Se há algo em comum entre Portugal e Brasil, é a constatação de que o fogo raramente é natural. Ele nasce de escolhas — ou da ausência delas. Ele revela falhas de gestão, de ocupação do território, de prioridades políticas. E carrega sempre um custo incalculável para o ambiente, a economia e a vida humana.
Portugal investe mais no combate imediato, com estruturas e dispositivos de alto nível, mas falha na prevenção estrutural e ordenamento florestal. O Brasil, por outro lado, tem em muitos casos o fogo como instrumento deliberado de transformação da paisagem e enfrenta o desafio de combater interesses poderosos que lucram com a destruição.
É urgente repensar a forma como tratamos nossas florestas. Em Portugal, isso passa por diversificar espécies, valorizar o interior e promover a silvicultura responsável. No Brasil, exige fiscalização eficaz, políticas ambientais fortes e coragem política para enfrentar o crime ambiental.
O fogo, em si, não escolhe país. Mas as políticas — ou a falta delas — definem o quanto ele pode destruir.





