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sábado, 06 de dezembro de 2025
Artigo Rui Sintra

O Brasil que nasceu do mar - O legado dos açorianos na formação do país

O Brasil que nasceu do mar - O legado dos açorianos na formação do país

18 Jul 2025 - 14h18Por Rui Sintra
Rui Sintra - Crédito: arquivo pessoal Rui Sintra - Crédito: arquivo pessoal

A história do Brasil é marcada por diversas ondas migratórias que ajudaram a moldar sua cultura e identidade. Entre elas, destaca-se de forma singular a imigração açoriana, que teve início massivo no século XVIII, quando mais de seis mil homens, mulheres e crianças atravessaram o Atlântico, deixando para trás o arquipélago dos Açores — um conjunto de nove ilhas portuguesas assoladas por crises econômicas, instabilidade geológica e superpopulação.

Incentivados pela Coroa Portuguesa, que via na ocupação do Sul do Brasil uma forma de consolidar a soberania sobre a região e conter avanços espanhóis, os açorianos desembarcaram sobretudo na então capitania de Santa Catarina. Mas o que encontraram por lá não correspondia às promessas feitas antes da viagem. Longe das “terras férteis e prontas para cultivar”, encontraram matas fechadas, manguezais e a total ausência de infraestrutura.

A realidade forçou os recém-chegados a uma rotina de trabalho exaustiva. Colonos açorianos foram obrigados a abrir trilhas, desbravar o território, construir casas, igrejas e fortalezas e tornar cultivável o solo virgem. Além disso, muitos foram convocados para erguer fortificações militares ao longo do litoral, como os fortes de Santa Cruz e Santo Antônio, essenciais para a defesa da costa brasileira.

As mulheres açorianas também desempenharam papel central nesse processo, atuando na agricultura de subsistência, na produção artesanal, no cuidado das famílias e na preservação das tradições. Em condições frequentemente hostis, esses imigrantes estruturaram as primeiras vilas organizadas de Santa Catarina e contribuíram decisivamente para o povoamento de cidades como Florianópolis, Laguna, São José, Santo Antônio de Lisboa e Palhoça.

Apesar das adversidades, os açorianos trouxeram consigo uma herança cultural que rapidamente se enraizou no solo brasileiro. Expressões como a “Festa do Divino Espírito Santo”, a tradição das rendas de bilro, o artesanato em cerâmica, a pesca artesanal com canoas e tarrafas e a culinária, com forte presença de frutos do mar, tornaram-se parte inseparável da identidade de muitas cidades do Sul do Brasil.

A língua, a fé e o espírito comunitário também resistiram. A religiosidade popular, o culto aos santos, as procissões marítimas e os mutirões de ajuda mútua revelam não apenas a capacidade de adaptação, mas também a determinação dos açorianos em manter viva a sua cultura.

Hoje, o legado açoriano é celebrado em centros culturais, festivais, roteiros turísticos e pesquisas acadêmicas. Instituições como o Núcleo de Estudos Açorianos da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) dedicam-se a preservar e divulgar essa história que, embora muitas vezes esquecida nos livros escolares, é essencial para compreender a formação social e cultural do Brasil Meridional.

Mais do que uma simples migração, a vinda dos açorianos foi uma epopeia de resistência e construção. Um povo que cruzou o mar não apenas para sobreviver, mas para deixar raízes profundas em um novo mundo — e que, com trabalho, fé e solidariedade, ajudou a erguer o Brasil que hoje conhecemos.

Rui Sintra

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