Rui Sintra - Crédito: arquivo pessoal Portugal iniciou recentemente um estudo profundo sobre a comunidade cigana radicada no país, principalmente tendo em consideração a forma como ela vive, as oportunidades de acesso a habitação e emprego. Este estudo desponta devido a uma movimentação anticiganismo que recentemente tem vindo a aumentar no país.
A presença dos ciganos em Portugal remonta ao século XV, com os primeiros registos oficiais datando de 1526, durante o reinado de D. João III. Esses grupos, oriundos provavelmente da Índia e depois disseminados pela Europa — via Médio Oriente e Balcãs —, chegaram ao território português trazendo consigo uma cultura nómada e uma língua própria – o romani – o que despertou curiosidade, mas também desconfiança das populações locais.
Ao longo dos séculos, os ciganos foram alvo de sucessivas políticas de repressão e assimilação forçada. No século XVI, por exemplo, foram publicados editais que proibiam os ciganos de circular livremente, usar trajes típicos ou falar a sua língua. Muitos foram deportados para as antigas colônias portuguesas, como Angola e Brasil, mas, apesar disso, mantiveram vivas as tradições familiares, valores de clã, práticas comerciais e expressões culturais, como a música e a dança.
Com a chegada da democracia em 1974, Portugal deu passos importantes rumo à inclusão das minorias, incluindo os ciganos, mas os preconceitos históricos ainda persistem nos dias atuais.
Hoje, os ciganos portugueses enfrentam uma série de desafios que os colocam entre as comunidades mais vulneráveis do país. Em primeiro lugar, e apesar de algumas políticas públicas voltadas para a inclusão, a discriminação é persistente em setores como habitação, educação, saúde e mercado de trabalho. Muitos ciganos continuam a viver em bairros segregados ou em situações precárias de habitação.
Por outro lado, a taxa de abandono escolar entre jovens ciganos é significativamente alta. Razões culturais, como o casamento precoce e a valorização do trabalho familiar desde cedo, contribuem para esse fenómeno, mas também pesam o preconceito e a falta de apoio institucional.
Historicamente ligados ao comércio ambulante, muitos ciganos enfrentam dificuldades em se adaptar às exigências formais do mercado de trabalho. Com a crescente regulamentação e restrições ao comércio informal, a sustentabilidade económica dessas comunidades tem sido fragilizada.
Para complicar mais essa clivagem, tem sido frequente a utilização da comunidade cigana como bode expiatório por discursos políticos populistas, que exploram estereótipos e reforçam preconceitos. O grande desafio de Portugal neste campo não é apenas combater a pobreza, mas sobretudo promover a justiça histórica, com políticas que reconheçam a riqueza cultural dos ciganos e que incentivem a convivência baseada no respeito e na diversidade.
De todos os países europeus, é a Espanha que apresenta, em muitos aspetos, um modelo mais positivo de integração. Com uma comunidade cigana (conhecida como gitanos) muito influente na cultura nacional — especialmente através do flamenco —, o país tem adotado programas de integração social e educacional bem estruturados, como o Programa ACCEDER, voltado à inserção profissional dos ciganos. A Fundación Secretariado Gitano também é um exemplo de boa prática, atuando com mediação comunitária e combate à discriminação.
O anticiganismo — ou romafobia — é uma forma específica de racismo dirigida à população cigana. Em Portugal, embora muitas vezes disfarçado sob a forma de "preocupação com a segurança pública", "incompatibilidades culturais" ou "meritocracia", ele é real, persistente e profundamente enraizado no imaginário coletivo.
O preconceito contra os ciganos em Portugal tem raízes históricas, começando no século XVI, quando foram criminalizados por lei, impedidos de circular, de usar a sua língua e trajes típicos, e obrigados a "sedentarizar-se" e adotar modos de vida tidos como "portugueses". Mais tarde, as políticas do Estado Novo, por exemplo, incentivaram a vigilância policial contínua sobre famílias ciganas, tratando-as como "potencialmente desviantes", uma visão que permaneceu viva no tecido social mesmo após a Revolução dos Cravos.
O cigano passou a ser visto, muitas vezes, não como um cidadão em desigualdade, mas como alguém "resistente à integração". Apesar dos avanços legais e da retórica da inclusão, o anticiganismo está presente em múltiplas formas.
Muitos ciganos portugueses vivem em bairros marginalizados, sem acesso a serviços básicos, sendo que inúmeras autarquias se recusam, abertamente, a instalar comunidades ciganas nos seus territórios ou criam obstáculos legais para tal. Em alguns casos, famílias são deslocadas sem qualquer alternativa digna de realojamento.
Por outro lado, crianças ciganas são frequentemente vítimas de estigmas nas escolas, sendo tratadas como incapazes ou desinteressadas. O bullying, o preconceito de colegas e até de professores levam a altas taxas de abandono escolar precoce.
Os ciganos enfrentam grandes dificuldades em conseguir trabalho formal, mesmo quando têm qualificação. Estereótipos associados à desonestidade, preguiça ou desorganização ainda influenciam decisões de contratação.
A maioria das notícias sobre ciganos em Portugal aparece em contextos de criminalidade ou conflitos sociais, reforçando a ideia de que são um “problema”. Poucos órgãos de comunicação social dão espaço à diversidade interna da comunidade ou à sua produção cultural.
Nos últimos anos, partidos políticos portugueses da extrema-direita têm utilizado um discurso abertamente racista contra os ciganos, referindo-se a eles como parasitas do Estado ou como ameaças à segurança pública, e esse tipo de retórica tem ganhado eco nas redes sociais e na opinião pública.
Combater o anticiganismo em Portugal não é apenas uma questão de direitos humanos, mas de democracia e coesão social, baluartes que o país defendeu a partir da Revolução de Abril.
É preciso investir em campanhas públicas que desfaçam estigmas históricos e, sobretudo, reconhecer que o problema não está nos ciganos, mas no preconceito que a sociedade construiu contra eles. Por isso, espero que este estudo siga em frente, sem obstáculos.





