
A violência doméstica e familiar ainda é um grave problema no Brasil. Para enfrentá-la, a Lei nº 11.340/2006 — a Lei Maria da Penha — instituiu mecanismos de proteção imediata, sendo as Medidas Protetivas de Urgência um dos mais eficazes.
Essas medidas visam interromper de forma rápida o ciclo de violência e preservar a integridade física, psicológica, moral, sexual e patrimonial da vítima. Embora criadas para proteger mulheres, sua aplicação foi ampliada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para abranger, em situações excepcionais, homens em situação de vulnerabilidade e relações homoafetivas masculinas e femininas.
O que são
As medidas protetivas são ordens legais urgentes, expedidas pelo juiz — ou, em hipóteses de urgência extrema, por autoridade policial — que impõem restrições ao agressor para garantir a segurança da vítima.
A sua natureza é cautelar, ou seja, não dependem de processo criminal concluído, podendo ser decretadas no início da investigação com base no risco presente.
Exemplos práticos de determinações:
- Afastamento imediato do agressor do lar, trabalho ou outros locais frequentados pela vítima.
- Proibição de aproximação física, fixando distância mínima definida pelo juiz (ex.: 200 metros).
- Proibição de contato por qualquer meio, inclusive mensagens, redes sociais ou interpostas pessoas.
- Suspensão ou restrição do porte de armas, comunicando imediatamente ao órgão competente.
- Proteção patrimonial, como restituição de bens subtraídos ou bloqueio temporário de venda de imóveis comuns.
- Regulação ou suspensão de visitas aos filhos, quando necessário para evitar risco aos menores.
Jurisprudência: O STJ, no HC 601.275/SP, consolidou que medidas protetivas têm natureza autônoma e podem ser aplicadas mesmo sem instauração de ação penal, desde que presentes elementos de risco.
Quem pode pedir
- A própria vítima, comparecendo à delegacia (preferencialmente especializada), Defensoria Pública, Ministério Público ou diretamente ao Judiciário por meio de advogado.
- O Ministério Público, de ofício, quando tomar conhecimento de situação de violência, ainda que a vítima não manifeste interesse inicial.
- Terceiros, mediante denúncia formal à autoridade policial ou ao Ministério Público, com indicação de risco iminente.
Prazo, prorrogação e revogação
A lei não fixa prazo máximo para vigência.
Na prática, magistrados podem estabelecer períodos de 90 dias, 180 dias ou 1 ano, prorrogáveis quantas vezes forem necessárias.
A prorrogação é feita sempre que persistir a situação de risco, bastando que a vítima ou o Ministério Público solicitem antes do fim do prazo estipulado.
A revogação pode ser requerida pela vítima, pelo agressor ou determinada de ofício pelo juiz, mas deve ser cautelosa. Em muitos tribunais, o pedido de revogação passa por análise de equipe multidisciplinar (psicólogos e assistentes sociais) para garantir que a manifestação seja livre, consciente e sem coação.
Quem pode conceder
- Juiz de Direito: autoridade principal e natural para concessão.
- Delegado de Polícia: em municípios sem sede de comarca, podendo afastar o agressor do lar em situação de risco iminente, devendo comunicar o juiz em até 24h.
- Policial de plantão: na ausência do delegado, pode determinar afastamento imediato, igualmente sujeito à ratificação judicial no mesmo prazo.
Descumprimento
O descumprimento configura crime autônomo, previsto no art. 24-A da Lei Maria da Penha, com pena de detenção de 3 meses a 2 anos, além de possibilitar prisão preventiva (art. 313, III, do CPP).
Importante: A prisão por descumprimento pode ser em flagrante ou decretada posteriormente pelo juiz, bastando a comprovação da violação da ordem.
Jurisprudência: O STJ já decidiu que não é necessário intimar previamente o agressor sobre a consequência penal do descumprimento para que a prisão seja legítima, desde que ele tenha ciência inequívoca da medida (HC 660.370/SC).
Procedimento prático
- Registro e relato detalhado: a vítima descreve a violência sofrida, indicando datas, locais e possíveis testemunhas.
- Coleta de provas: boletim de ocorrência, laudos médicos, mensagens, gravações e fotografias.
- Encaminhamento ao Judiciário: a autoridade policial envia o pedido ao juiz no prazo máximo de 48h.
- Análise e decisão: o juiz decide em até 48h, podendo conceder sem ouvir o agressor.
- Intimação e fiscalização: oficial de justiça ou autoridade policial informa formalmente o agressor; as forças de segurança passam a monitorar o cumprimento.
Aplicações além das mulheres
Além da proteção às mulheres em relações heterossexuais, as medidas protetivas se aplicam a:
- Relações homoafetivas (masculinas e femininas).
- Idosos vítimas de maus-tratos, com base no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).
- Crianças e adolescentes, conforme previsão do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990).
Recursos
Decisões que concedem ou negam medidas protetivas são passíveis de recurso:
- Agravo de Instrumento: contra decisão interlocutória cível que concede, nega, revoga ou prorroga a medida (art. 1.015, parágrafo único, CPC).
- Recurso em Sentido Estrito: em algumas hipóteses criminais, especialmente quando houver decisão em incidente processual.
- Habeas Corpus: quando a medida representar constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do agressor.
O recurso não tem, via de regra, efeito suspensivo automático, justamente para não esvaziar a proteção à vítima. O suposto agressor poderá questionar a revogação da medida, através de advogado, havendo fatos e elementos favoráveis contrários a imposição.
Por que conhecer é fundamental
Medidas protetivas não são um favor do Estado, mas um direito garantido por lei.
O desconhecimento leva muitas vítimas a permanecerem expostas ao perigo.
A informação e a rapidez no acionamento desses mecanismos podem evitar agressões e salvar vidas.
Canais de denúncia e proteção
- Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher.
- Ligue 190 – Polícia Militar (em caso de emergência).
Dr. Alex Padua
Advogado - OAB/SP 177.155





