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Memória São-carlense

As cinzas dos poetas na Praça da Catedral

13 Jul 2018 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
As cinzas dos poetas na Praça da Catedral - Crédito: Cirilo Braga e Daniel Fabio Crédito: Cirilo Braga e Daniel Fabio

Na Praça Coronel Paulino Carlos, a Praça da Catedral, se encontra um monumento que chama a atenção entre marcos que homenageiam vultos históricos naquela paisagem à sombra das velhas árvores: o monumento que sinaliza estarem depositadas por entre as folhagens as cinzas do casal de poetas Clóvis Pacheco (também jornalista) e Cecília Arruda Campos Pacheco (professora de português na Escola Normal), cujo amor foi ali eternizado. Suas cinzas se misturaram como que numa metáfora do amor que não cabe no tempo de duração de uma vida.

Enfrentando os ataques do vandalismo, desgraçadamente comum em praças públicas, o pedestal revestido de granito foi instalado na praça no dia 12 de janeiro de 1985 com duas placas de bronze, que mais tarde foram furtadas.

A cerimônia na qual foram depositadas as cinzas do poeta, falecido três anos antes, cumpriu um dos últimos desejos dele.  Na ocasião, Cecília falou sobre o significado do ato e expressou a intenção de que também as suas cinzas fossem ali colocadas, o que ocorreu quando a poetisa faleceu dez anos mais tarde.

Porém, naquela manhã de janeiro de 1985, em clima de emoção, Cecília deixou gravados no monumento os versos que cunhou num certo mês de setembro em que Clóvis se foi – deixando ver que, doados, os olhos de seu amado permaneceriam iluminando outros olhares.

Escreveu ela: “Partiste na primavera/ E para ti desabrochou radiosa a flor da verdadeira vida/Partiste na primavera/E com teus olhos um cego vai saber como é uma flor”.

A nova placa instalada no ano 2005 resgatou uma informação que não poderia ser roubada. Cecília e Clovis converteram o lugar – onde as pessoas passam distraídas - no caderno onde escreveram o seu melhor verso. Cultivaram juntos e pra sempre o que chamaram de “a flor da verdadeira vida”.

Clóvis Pacheco foi um jornalista, poeta e professor na Escola Normal. Amigo de Pedro Fernandes Alonso e do poeta Fontoura Costa, o prolífico colaborador da imprensa da cidade, quando aposentado mudou-se para São Paulo, mas nunca se desligou de São Carlos. Enviava regiamente suas crônicas sob o título “Prosa Leve”, publicadas no jornal “A Tribuna” entre 1972 e 1976.

O homem da “Prosa Leve” e sua mulher certamente não escolheram por acaso o velho jardim público de São Carlos para ser sua última morada, assim como Jorge Luis Borges não escreveria sobre a Praça San Martin de Buenos Aires se ela não lhe inspirasse as melhores sensações.

Clóvis e Maria Cecília frequentaram aqueles bancos quando namorados numa cidade silenciosa, do célebre vento sul, dos bondes vermelhos e do passar das meninas da Escola Normal e do Conservatório Musical da professora Cacilda Marcondes nos tempos em que a cidade de São Carlos foi conhecida como a “Athenas Paulista”.

Conta-se que numa época, o jardim público era todo fechado por altas grades de ferro, para evitar a entrada de animais que pudessem danificar as plantas. Para atravessar a praça era preciso transpor imponentes portões, o que deixava claro que ali não era qualquer lugar, mas um lugar especial, quase um santuário ao qual a cidade devia reverência.

Como deve reverência ao amor transcendental do casal de poetas, que ao desejar ter suas cinzas ali espalhadas, ensinou que o amor é uma energia como a que dá vida às plantas do jardim que é eterno.

Clóvis e Maria Cecília frequentavam a constelação das letras, sabiam que o amor que vale esse nome é uma vivência e não uma tese ou um teorema complicado. É frase sincera, um poema inacabado; não uma receita, mas a tentativa de acertar. O amor o que é senão uma vontade de estar certo - uma permissão que se pode dar à felicidade? Um não saber tudo, mas ter vontade de aprender, como ensinaram os mestres da palavra cujas cinzas jazem para sempre no jardim de São Carlos.

Intelectual são-carlense de grande prestígio, Clovis que viveu entre 1916 e 1983, desde a juventude militou na imprensa local, colaborando nos jornais “A Cidade”, “A Tarde” e no “Correio de São Carlos” e também em jornais paulistanos. Promoveu diversas campanhas filantrópicas, entre elas a “Pé de meia”, que ofereceu aos 40 primeiros bebês nascidos na recém inaugurada Maternidade Dona Francisca Cintra, cadernetas da Caixa Econômica Estadual no valor de 200 mil reis, valor nada desprezível nos idos de 1957.

Por sua sugestão foi dado o nome do Professor Juliano Neto a uma escola estadual situada na Vila Nery e ao antigo centro de saúde, denominado Capitão Luiz Brandão.

Funcionário aposentado do serviço público estadual, após mudar-se para São Paulo em 1971 conseguiu realizar um de seus sonhos: a publicação do livro de poesias que denominou “Tentativa Camoniana”, recebido com elogios nos meios literários.

Clovis Pacheco faleceu em 23 de setembro de 1983, aos 67 anos. Em sua homenagem o município atribuiu seu nome a uma via pública, localizada no Jardim Santa Felícia.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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