sexta, 26 de abril de 2024
Memória São-carlense

A arte de Almira "Mima" Ragonesi e Julio Bruno

30 Ago 2019 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
A arte de Almira "Mima" Ragonesi e Julio Bruno - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Não há espaços mais sagrados para eternizar a arte do que o altar de uma igreja e as páginas de um livro de história. A constatação vem à mente enquanto observo os painéis produzidos pela artista plástica Almira “Mima” Ragonesi no altar-mor da Catedral Diocesana de São Carlos e os desenhos a bico de pena que ilustram o livro “São Carlos na Esteira do Tempo”, do historiador Ary Pinto das Neves.

Ambos escreveram, em seu tempo, um belo capítulo da cultura local que enriqueceram com sua arte. Comprovaram com o passar dos anos a capacidade tão própria da produção artística de se eternizar. Conectar um tempo a outro pelo elo sutil do dom de criar e encantar gerações.

Lembro-me do impacto do lançamento da obra em 1984, em cerimônia no hall do Instituto de Educação onde os professores Ary e Julio receberam um público ávido pelo contato com informações históricas e imagens de uma São Carlos que se transformava. Como também me lembro da primeira vez que observei os painéis dos anjos com suas trombetas e a beleza dos quadros da Via Crucis na Catedral. “Mima” estava ali.

Almira Ragonesi nasceu em São Carlos em 12 de dezembro de 1920. Estudou no Instituto de Educação Dr. Álvaro Guião, onde se formou professora normalista. Em 1950 ingressou no magistério secundário por concurso de títulos e provas, escolhendo vaga no mesmo Instituto de Educação, onde lecionou Desenho e Educação Artística até se aposentar.

Foi professora também (entre 1953 e 1959) na Escola de Belas Artes D. Pedro II de São Carlos, da qual foi uma das fundadoras e atuou ainda (de 1957 a 1971) como diretora da Escolinha de Arte Infantil de São Carlos, que recebeu vários prêmios em Salões de Artes Infantis como o Primeiro Prêmio no Concurso Internacional de Arte Infantil em Tóquio (Japão) e 16 menções honrosas em 1966. A artista era autodidata e suas obras compuseram muitas exposições individuais e coletivas.

Além de ter sido uma grande retratista deixou importantes obras de cunho modernista em São Carlos. Algumas de suas obras ainda podem ser apreciadas pelo público em São Carlos: alguns retratos na Biblioteca Central da Escola de Engenharia (EESC-USP); as Vias Sacras da Catedral e Igreja Nossa Senhora do Carmo; a obra “Garimpo” na sede do Banco do Brasil e um conjunto de oito obras no acervo do Museu de São Carlos.

Em 1969 a professora recebeu da “Folha de S. Paulo” e da Secretaria da Educação, Diploma de honra ao Mérito Educacional. Em resposta ao convite do professor Antonio D’Ávila, Secretário da Educação, proferiu palestras na Escola Caetano de Campos sobre Arte Infantil para professores primários da Capital. Na época trabalhou, a convite da “Folha de S.Paulo”, na Cidade da Criança, em Bauru, como professora de pintura infantil, e na cidade de São Paulo.

“Mima” dedicou-se a variadas técnicas pictóricas, porém sua especialidade foram os retratos que somaram mais de 100 retratados. Segundo especialistas no assunto, sua arte era inconfundível. Suas baianas em passos de dança, os casarios coloniais, as marinas, a cores de suas favelas e os seus retratos tornavam a obra da artista singular. Marcada pela presença forte das cores e com traços geométricos definidos a artista deixou marcas na cidade de seu cunho modernista.

Em 1967, Mima casou-se com o professor e artista plástico Julio Bruno, que além de extraordinário desenhista, foi um grande incentivador da cultura na cidade ao longo de seus 88 anos de vida.

Nascido em São Carlos em 1905, Julio Bruno foi um dos fundadores da Escola Técnica de Comércio D. Pedro II em 1928, do Ginásio Pedro de Alcântara em 1950 e da Escola de Belas Artes de São Carlos, reconhecida em 1953. Essa escola, pioneira na cidade, teve infelizmente vida curta devido à falta de apoio (o crônico problema da cultura em São Carlos e no país) e encerrou suas atividades em 1958. Um fato, porém, que não impediu que o professor – que ingressou no magistério oficial em 1951 - transmitisse seus conhecimentos e tivesse discípulos e deixasse um valioso legado às novas gerações. Autor de Didática de Desenho e Problemas da sala de aula, ambas as obras premiadas em concurso e publicadas pelo Ministério da Educação e Cultura, depois de aposentado, Júlio Bruno continuou a ministrar aulas de desenho no ateliê instalado em sua casa, onde costumava reunir amigos e pessoas interessadas nas artes em geral.

Curiosamente o artista militou na política da cidade, sendo eleito suplente de vereador, assumindo o cargo de vereador após a renúncia do médico Samuel Valentie de Oliveira na legislatura de 1952 a 1955. Mas o professor permaneceria pouco tempo na política, logo se afastando.

A presença de seus desenhos na obra São Carlos na esteira do tempo, o livro do professor Ary Pinto das Neves editado em comemoração ao Centenário da Ferrovia (1884-1984), demonstra seu talento ao retratar prédios e cenários antigos da cidade.

Os casarões, os logradouros, as paisagens e as cenas do cotidiano de São Carlos desde os primórdios da história, no traço irretocável de sua pena, transmitiram aos são-carlenses o retrato fiel da cidade que – como notava o professor Ary – se perdia na esteira do tempo.

O livro se tornou basilar para entender o desenvolvimento da cidade tanto por meio dos textos quanto pelas ilustrações, devidamente identificadas em sua localização e período histórico.

O professor Julio Bruno faleceu dia 13 de novembro de 1993 e a professora Mima no dia em 27 de março de 1997. O amor pela arte certamente fortaleceu o amor entre eles – como demonstrou a vitalidade da produção artística de ambos ao longo dos 26 anos de vida em comum. Um tempo muito curto tomado em sua dimensão cronológica, porém imensurável na expressão da arte – essa centelha de eternidade tão presente em seus painéis, retratos e desenhos.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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