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terça, 24 de junho de 2025
Dia das Mães

Sociólogas destacam força do papel das mães no Brasil atual

Em sociedades marcadas pelo consumo, os presentes pode ser uma forma de expressão de carinho, mas também uma tentativa de suprir distâncias emocionais

11 Mai 2025 - 08h17Por Da redação
Construção da mãe como heroína vem da ideia de que ela deve ser abnegada, sempre disponível e amorosa, mesmo diante das adversidades - Crédito: Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil Construção da mãe como heroína vem da ideia de que ela deve ser abnegada, sempre disponível e amorosa, mesmo diante das adversidades - Crédito: Foto: Elza Fiúza/Agência Brasil

A mãe continua sendo um pilar da sociedade e a grande responsável pela criação e educação dos filhos. Os presentes continuam sendo uma forma de carinho, mas muitas vezes é uma espécie de “compensação” da ausência dos filhos. Estes e outros fenômenos ligados à figura das mães, são analisado nesta entrevista exclusiva com duas sociólogas ouvidas apelo SÃO CARLOS AGORA. Evellyn Postigo é cientista social formada pela UFSCar e doutora em Sociologia Urbana. Aline Vanessa Zambello, Bacharela em Ciências Sociais (UFSCar), Mestra em Ciência Política (UFSCar) e Doutora em Ciência Política (Unicamp), Atua como professora de Sociologia. 

SÃO CARLOS AGORA - Qual a importância do papel de mãe nos dias de hoje?

 EVELLYN POSTIGO - O papel da mãe segue sendo central na organização familiar e social, mas é importante destacar que ele não é fixo nem natural — ele é construído historicamente. Hoje, ser mãe envolve uma série de negociações entre trabalho, cuidado e autonomia. Muitas mulheres enfrentam o desafio de conciliar a maternidade com a vida profissional, num cenário em que a rede de apoio é cada vez mais escassa e a responsabilidade do cuidado ainda recai, majoritariamente, sobre elas.
ALINE VANESSA ZAMBELLO   - Historicamente, a família sempre teve um papel fundamental na socialização do indivíduo, cabendo especialmente à mãe a responsabilidade pela educação moral, pela imposição de limites e pelo cuidado diário. Apesar das transformações sociais ao longo do tempo, a figura materna ainda é vista como um pilar essencial na formação e no bem-estar da família, especialmente no que diz respeito à educação e ao cuidado dos filhos.

SCA - Qual o impacto do número de mães solteiras na sociedade? Como isso influencia no crescimento e formação dos filhos? A figura paterna faz muita falta?
EVELLYN - O crescimento das famílias chefiadas por mães solo revela muito sobre as desigualdades de gênero. Apesar dos desafios, essas mães têm se mostrado extremamente resilientes. A ausência da figura paterna pode, sim, trazer lacunas afetivas e materiais, mas o mais importante é a existência de vínculos de cuidado e afeto. Estudos mostram que crianças criadas em famílias monoparentais ou por casais homoafetivos podem se desenvolver tão bem quanto em famílias nucleares tradicionais, desde que tenham suporte emocional e estabilidade.
ALINE - Na sociologia, usamos atualmente o termo “mãe solo” para nos referirmos às mulheres que assumem sozinhas as responsabilidades de cuidado e gestão da família, muitas vezes sem o apoio do pai. Essa sobrecarga pode tornar a rotina mais difícil e influenciar negativamente o ambiente familiar. No entanto, é importante destacar que existem diferentes configurações familiares: há pais presentes que não contribuem com o cuidado, assim como há pais separados ou distantes fisicamente que exercem suas funções ativamente. O impacto, portanto, vai muito além da presença física e está relacionado à participação efetiva na criação dos filhos.

SCA - O presente no Dia das Mães é prova de carinho ou algo para compensar distâncias ou a falta de laços afetivos?
EVELLYN -  O presente pode ter muitos significados. Em sociedades marcadas pelo consumo, ele pode ser uma forma de expressão de carinho, mas também uma tentativa de suprir distâncias emocionais. Muitas vezes, o gesto simbólico substitui o apoio prático e cotidiano. Isso revela uma certa ambivalência: se por um lado valorizamos a figura da mãe, por outro, nem sempre garantimos as condições para que ela exerça seu papel com dignidade.
ALINE - Na nossa cultura, dar presentes é uma forma comum de demonstrar carinho e afeto — algo que fazemos em várias datas comemorativas, como aniversários, casamentos e Natal. O Dia das Mães segue essa lógica. No entanto, para algumas pessoas, o presente pode também carregar outros significados, como o desejo de se fazer presente mesmo à distância ou até de compensar ausências emocionais e laços enfraquecidos.

SCA - Por que, no imaginário popular, a figura da mãe tem mais força do que a do pai? A mãe ainda é vista como “heroína”?
 EVELLYN - A construção da mãe como heroína vem da ideia de que ela deve ser abnegada, sempre disponível e amorosa, mesmo diante das adversidades. Essa romantização reforça a desigualdade: naturaliza a sobrecarga e obscurece a necessidade de uma divisão mais justa do trabalho doméstico e do cuidado. A figura do pai, embora esteja em transformação, ainda não carrega o mesmo peso simbólico. A mãe continua sendo socialmente responsabilizada pelos filhos, mesmo quando exerce esse papel sozinha.
ALINE - Ao longo do tempo, a figura materna foi construída como o centro da família, especialmente no que diz respeito ao cuidado e à educação dos filhos. A maternidade passou a ser associada a uma entrega total — muitas vezes vista como um sacrifício — em nome do bem-estar dos filhos. A sociedade, por sua vez, reforça essa ideia, exigindo das mulheres uma série de renúncias em nome da maternidade. Assim, a mãe foi sendo personificada como uma heroína: aquela que se doa, que abre mão de si mesma, que cuida com altruísmo e que se coloca sempre em segundo plano.

SCA - E como crescem os filhos de casamentos homoafetivos com duas mães ou dois pais?
EVELLYN - As pesquisas mostram que crianças criadas em lares homoafetivos têm desenvolvimento emocional, cognitivo e social tão saudável quanto aquelas criadas em famílias heterossexuais. O fundamental é o ambiente de afeto, cuidado e estabilidade. O preconceito social ainda é um obstáculo, mas, do ponto de vista da sociologia, essas famílias representam uma ampliação do que entendemos por cuidado parental.
ALINE - A sociedade ainda impõe expectativas rígidas sobre os papéis sociais de pai e mãe, geralmente vinculados ao gênero. No entanto, essas funções não são exclusivas de homens ou mulheres — elas podem ser desempenhadas por qualquer pessoa que esteja disposta a cuidar, educar e amar. Avós, tios, padrastos, madrastas e muitos outros assumem esse papel com excelência. O mesmo vale para casais homoafetivos, que têm plena capacidade de educar, amar e preparar seus filhos para a vida em sociedade, cumprindo com sucesso os papéis tradicionalmente atribuídos ao pai e à mãe.

SCA - Outras informações que julgar pertinentes: principais desafios e transformações na experiência da maternidade hoje.
 EVELLYN - Vivemos um momento de transição. A maternidade está deixando de ser vista como destino obrigatório para ser uma escolha — o que já é, por si só, um avanço. No entanto, ainda há muitos desafios: a falta de políticas públicas de apoio, a sobrecarga feminina e as desigualdades marcadas por classe, raça e orientação sexual. Mães negras, por exemplo, enfrentam uma realidade muito mais dura do que mães brancas, seja no acesso à saúde, ao trabalho ou na violência obstétrica. Também é preciso reconhecer os novos arranjos familiares, que mostram que ser mãe — ou exercer a função materna — não se restringe a um modelo único. A maternidade, hoje, é múltipla, diversa e profundamente atravessada por questões sociais.
 

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