
A mãe continua sendo um pilar da sociedade e a grande responsável pela criação e educação dos filhos. Os presentes continuam sendo uma forma de carinho, mas muitas vezes é uma espécie de “compensação” da ausência dos filhos. Estes e outros fenômenos ligados à figura das mães, são analisado nesta entrevista exclusiva com duas sociólogas ouvidas apelo SÃO CARLOS AGORA. Evellyn Postigo é cientista social formada pela UFSCar e doutora em Sociologia Urbana. Aline Vanessa Zambello, Bacharela em Ciências Sociais (UFSCar), Mestra em Ciência Política (UFSCar) e Doutora em Ciência Política (Unicamp), Atua como professora de Sociologia.
SÃO CARLOS AGORA - Qual a importância do papel de mãe nos dias de hoje?
EVELLYN POSTIGO - O papel da mãe segue sendo central na organização familiar e social, mas é importante destacar que ele não é fixo nem natural — ele é construído historicamente. Hoje, ser mãe envolve uma série de negociações entre trabalho, cuidado e autonomia. Muitas mulheres enfrentam o desafio de conciliar a maternidade com a vida profissional, num cenário em que a rede de apoio é cada vez mais escassa e a responsabilidade do cuidado ainda recai, majoritariamente, sobre elas.
ALINE VANESSA ZAMBELLO - Historicamente, a família sempre teve um papel fundamental na socialização do indivíduo, cabendo especialmente à mãe a responsabilidade pela educação moral, pela imposição de limites e pelo cuidado diário. Apesar das transformações sociais ao longo do tempo, a figura materna ainda é vista como um pilar essencial na formação e no bem-estar da família, especialmente no que diz respeito à educação e ao cuidado dos filhos.
SCA - Qual o impacto do número de mães solteiras na sociedade? Como isso influencia no crescimento e formação dos filhos? A figura paterna faz muita falta?
EVELLYN - O crescimento das famílias chefiadas por mães solo revela muito sobre as desigualdades de gênero. Apesar dos desafios, essas mães têm se mostrado extremamente resilientes. A ausência da figura paterna pode, sim, trazer lacunas afetivas e materiais, mas o mais importante é a existência de vínculos de cuidado e afeto. Estudos mostram que crianças criadas em famílias monoparentais ou por casais homoafetivos podem se desenvolver tão bem quanto em famílias nucleares tradicionais, desde que tenham suporte emocional e estabilidade.
ALINE - Na sociologia, usamos atualmente o termo “mãe solo” para nos referirmos às mulheres que assumem sozinhas as responsabilidades de cuidado e gestão da família, muitas vezes sem o apoio do pai. Essa sobrecarga pode tornar a rotina mais difícil e influenciar negativamente o ambiente familiar. No entanto, é importante destacar que existem diferentes configurações familiares: há pais presentes que não contribuem com o cuidado, assim como há pais separados ou distantes fisicamente que exercem suas funções ativamente. O impacto, portanto, vai muito além da presença física e está relacionado à participação efetiva na criação dos filhos.
SCA - O presente no Dia das Mães é prova de carinho ou algo para compensar distâncias ou a falta de laços afetivos?
EVELLYN - O presente pode ter muitos significados. Em sociedades marcadas pelo consumo, ele pode ser uma forma de expressão de carinho, mas também uma tentativa de suprir distâncias emocionais. Muitas vezes, o gesto simbólico substitui o apoio prático e cotidiano. Isso revela uma certa ambivalência: se por um lado valorizamos a figura da mãe, por outro, nem sempre garantimos as condições para que ela exerça seu papel com dignidade.
ALINE - Na nossa cultura, dar presentes é uma forma comum de demonstrar carinho e afeto — algo que fazemos em várias datas comemorativas, como aniversários, casamentos e Natal. O Dia das Mães segue essa lógica. No entanto, para algumas pessoas, o presente pode também carregar outros significados, como o desejo de se fazer presente mesmo à distância ou até de compensar ausências emocionais e laços enfraquecidos.
SCA - Por que, no imaginário popular, a figura da mãe tem mais força do que a do pai? A mãe ainda é vista como “heroína”?
EVELLYN - A construção da mãe como heroína vem da ideia de que ela deve ser abnegada, sempre disponível e amorosa, mesmo diante das adversidades. Essa romantização reforça a desigualdade: naturaliza a sobrecarga e obscurece a necessidade de uma divisão mais justa do trabalho doméstico e do cuidado. A figura do pai, embora esteja em transformação, ainda não carrega o mesmo peso simbólico. A mãe continua sendo socialmente responsabilizada pelos filhos, mesmo quando exerce esse papel sozinha.
ALINE - Ao longo do tempo, a figura materna foi construída como o centro da família, especialmente no que diz respeito ao cuidado e à educação dos filhos. A maternidade passou a ser associada a uma entrega total — muitas vezes vista como um sacrifício — em nome do bem-estar dos filhos. A sociedade, por sua vez, reforça essa ideia, exigindo das mulheres uma série de renúncias em nome da maternidade. Assim, a mãe foi sendo personificada como uma heroína: aquela que se doa, que abre mão de si mesma, que cuida com altruísmo e que se coloca sempre em segundo plano.
SCA - E como crescem os filhos de casamentos homoafetivos com duas mães ou dois pais?
EVELLYN - As pesquisas mostram que crianças criadas em lares homoafetivos têm desenvolvimento emocional, cognitivo e social tão saudável quanto aquelas criadas em famílias heterossexuais. O fundamental é o ambiente de afeto, cuidado e estabilidade. O preconceito social ainda é um obstáculo, mas, do ponto de vista da sociologia, essas famílias representam uma ampliação do que entendemos por cuidado parental.
ALINE - A sociedade ainda impõe expectativas rígidas sobre os papéis sociais de pai e mãe, geralmente vinculados ao gênero. No entanto, essas funções não são exclusivas de homens ou mulheres — elas podem ser desempenhadas por qualquer pessoa que esteja disposta a cuidar, educar e amar. Avós, tios, padrastos, madrastas e muitos outros assumem esse papel com excelência. O mesmo vale para casais homoafetivos, que têm plena capacidade de educar, amar e preparar seus filhos para a vida em sociedade, cumprindo com sucesso os papéis tradicionalmente atribuídos ao pai e à mãe.
SCA - Outras informações que julgar pertinentes: principais desafios e transformações na experiência da maternidade hoje.
EVELLYN - Vivemos um momento de transição. A maternidade está deixando de ser vista como destino obrigatório para ser uma escolha — o que já é, por si só, um avanço. No entanto, ainda há muitos desafios: a falta de políticas públicas de apoio, a sobrecarga feminina e as desigualdades marcadas por classe, raça e orientação sexual. Mães negras, por exemplo, enfrentam uma realidade muito mais dura do que mães brancas, seja no acesso à saúde, ao trabalho ou na violência obstétrica. Também é preciso reconhecer os novos arranjos familiares, que mostram que ser mãe — ou exercer a função materna — não se restringe a um modelo único. A maternidade, hoje, é múltipla, diversa e profundamente atravessada por questões sociais.