sexta, 26 de abril de 2024
Memória São-carlense

A cidade nos Anos Dourados

13 Abr 2018 - 06h45Por (*) Cirilo Braga
A cidade nos Anos Dourados - Crédito: Thomaz Ceneviva e Arquivo Historico Crédito: Thomaz Ceneviva e Arquivo Historico

Para se situar numa cidade usam-se mapas. Para se compreender uma cidade, leem-se livros de história. Mas para conhecê-la de verdade, além do traçado das ruas, da arquitetura das casas e do registro de datas importantes, será preciso mais. Será preciso ouvir o relato daqueles que podem nos dizer algo das pessoas que dão vida a este lugar.

É interessante conversar com são-carlenses mais antigos que descrevem em detalhes, por exemplo, o desfile do Centenário de São Carlos, evento marcante, comemorativo da euforia de uma cidade onde as pessoas se conheciam pelo nome ou sobrenome e podiam dormir tranquilas deixando as janelas abertas. Nos relatos é possível conhecer o essencial: a maneira como se construiu a cidade feita de gente e não só de pedra.

Um amigo que infelizmente faleceu há alguns anos, o Luiz Carlos Lazzarini, era alguém capaz de esquadrinhar com perfeição a sociedade local que – em silêncio, porém nem tão devagar - foi se transformando.

Não se pode deixar desaparecer na fumaça da modernidade, as marcas daqueles que habitaram esta terra e a fizeram ser assim tão peculiar. São as pessoas e não os prédios e as ruas que tornam uma cidade diferente das outras.

A São Carlos dos anos 1950, vivendo seus anos dourados, era para lá de emblemática: conhecida como a Athenas Paulista, teve a ousadia de pleitear e receber um campus da Universidade de São Paulo-Escola de Engenharia de São Carlos, projetado por Hélio Duarte e Ernest Mange, e construir a nova Catedral (projeto do engenheiro são-carlense Lafael Petroni). Foi um período de memoráveis carnavais em que brilhava o esplendor de Odete dos Santos, então servente da escola normal. Tempos de fusão do São Carlos Clube com o Paulista, dos magníficos bailes de gala do tradicional clube da cidade, com a eleição de sua rainha, da construção do novo Fórum da comarca e do início das obras do antigo Grande Hotel, que viria a ser o Vila Rica, o primeiro “arranha-céu” da cidade, projetado pelo arquiteto Lucjan Korngold. Tempos também das inaugurações da Escola de Belas Artes do Professor Julio Bruno, da rádio Progresso de Leôncio Zambel, do Instituto Cultural Italo-Brasileiro e da sede social da ABASC, do footing na Praça Coronel Sales e do apogeu da praça Santos Dumont  para onde depois se expandiria o novo mercado municipal, onde se situou a primeira floricultura de Cida Resitano.

A linha de bonde para a Santa Casa, muitos dizem, era a mais divertida, um verdadeiro "city tour". As indústrias Pereira Lopes chegavam para fabricar os melhores refrigeradores do país.

Havia o alegre movimento dos frequentadores da Piscina Municipal, do Cine Avenida, das normalistas do “Álvaro Guião”, das exposições da escola industrial. O movimento apressado dos trabalhadores das Indústrias Facchina, o footing dos finais de semana na Praça Coronel Sales e o discreto charme da cidade das famílias tradicionais e suas celebrações estampadas nos jornais “A Cidade” e “Correio de São Carlos”.

São Carlos tinha lá suas dificuldades, mas a distraiam os bondes, um por de sol fantástico (quando existiam poucos prédios altos e as casas eram predominantemente amarelas), os sorvetes Romanelli e muito mais. Dá pra imaginar como era o poente da pacata cidade. E se não fosse bonito, ficaria sendo na pena elegante da crônica local que tinha uma dama por excelência: Tânia, codinome de Anita Censoni.

Conheci Tânia no ocaso de sua vida, quando reunia forças para enviar regiamente ao jornal sua coluna de "Reminiscências", escrita de próprio punho. Lazzarini fora seu amigo muito próximo e talvez venha desse convívio o estímulo ao dom que possuiu de reavivar a memória do modo de vida são-carlense de outras épocas.

Ainda que a fisionomia da cidade tenha mudado é possível perceber que a alma se conserva. Mesmo que o dinheiro tenha mudado de mãos, mesmo que o glamour tenha sido vencido por uma impaciente deselegância.

De repente resgata-se uma cidade feita de gente que na infância eu vi sem olhar mais detidamente. Os vizinhos de minha casa nas cercanias  do Instituto de Educação “Doutor Álvaro Guião” no ano de 1972 quando cheguei à cidade, eram pessoas que aos 14 anos eu desconhecia,  mas reconheci mais tarde como a  família Aidar na esquina onde antes havia uma camisaria, o velho Morganti, o doutor Álvaro Giongo, o doutor Salvador Prantera Júnior, Rubens Desiderá, Ditulio Fotógrafo, João Isaak, da CBT, Righetti,  Ricardão Malmegrim do Basquete, Zilá Bibbo, a Padaria Perez, os irmãos turcos que fabricavam grinaldas onde hoje está o Colégio Objetivo...

Havia na cidade pessoas como a admirável Cibele Vanderley, poetisa com um dom fantástico de encantar, e o cronista Eduardo Kebbe pontificando entre os homens da imprensa (havia uma geração excepcional em que também perfilava o professor Italo Savelli).

Conversando com o saudoso habitante da cidade era possível rememorar eventos com um olhar contemporâneo que foge aos registros da história. Como o antológico desfile do Centenário em 1957, documentado pela lente de Thomaz Ceneviva, nosso primeiro repórter fotográfico. A esquina da Avenida São Carlos com a rua 7 de Setembro,era o lugar ideal para observar a passagem das autoridades que prestigiavam o evento: Juscelino, Jânio, Jango e a fulgurante  “Rainha do Centenário”, Maria Alba Rocha, filha do professor Sebastião de Oliveira Rocha, que foi diretor do Álvaro Guião. Uma belíssima morena de cabelos longos, que deu aulas no parque infantil Manoel Tobias. A Miss São Carlos de 1957 descia a Avenida São Carlos numa carruagem, acompanhada por um "enchantée" doutor Durval Acioly. Tempos de Doutor Alderico Vieira Perdigão, de Dom Ruy Serra, de bossa-nova.

Em sociedade tudo se sabe. A frase de Ibrahim Sued me veio à cabeça quando, para não perder o fio da meada, anotei alguns tópicos daquilo que Lazzarini narrou. Reencontrei as anotações recentemente e ao escrever esta crônica observo que elas se referem a uma cidade que desapareceu para se transformar.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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