quinta, 25 de abril de 2024
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Prevenção ao Suicídio: Aspectos Sistêmicos

30 Set 2020 - 15h26Por Anaísa Mazari
Prevenção ao Suicídio: Aspectos Sistêmicos -

Durante a campanha do Setembro Amarelo, anualmente, uma série de ações educativas são realizadas para conscientização acerca das possibilidades de prevenção ao suicídio, um grave problema de saúde pública com índices cada vez mais crescentes no mundo. Saber identificar sinais, fatores de risco e proteção para auxiliar pessoas com risco de suicídio a buscarem auxílio e tratamento superando crises tornam-se imperativos para a continuidade saudável da vida – sempre possível quando transformações internas acontecem. No entanto, fazem-se necessárias também as compreensões mais aprofundadas acerca do desejo de morte que motiva o autoextermínio.

Não somos seres isolados, apesar da inconsciência de muitos acerca das conexões edas profundezas existenciais. Nossa história existencial começa muito antes do nosso próprio nascimento. Aspectos culturais, a ancestralidade dos pais, a história de vida deles e da família, fatos pregressos positivos, tragédias, segredos de família, também farão parte do campo da vidados mais jovens e quando as gerações ganham novos membros, renovando-se através do tempo, muitos desses “arranjos” sistêmicos já se encontram presentes e interferentes. Nosso próprio caminho existencial sempre pode ser ressignificado, sendo possíveis mudanças e evoluções que são construídas a partir da consciência do que pode estar se manifestando no momento presente, criando modos de vida através de mecanismos inconscientes que se expressam em muitas dinâmicas emocionais.

Além do sistema maior ser interferente com seus elementos históricos, as crianças em seus primeiros anos de vida recebem uma ampla gama de afetos e informações dos cuidadores em seu processo de formação. Essas mensagens podem ser transmitidas de forma direta ou até mesmo indireta – nas entrelinhas, através dos relacionamentos e maneiras diversas de comunicação e expressão. A forma como as crianças são cuidadas, o ambiente, até mesmo o momento de nascimento e para que os pais tiveram filhos são aspectos que em conjunto, constroem referenciais que podem ser carregados por uma vida inteira e em muitos casos, esses referenciais podem ser prejudiciaisà caminhada em direção ao fluxo saudável da vida, orientado para o futuro e para os crescimentos e evoluções.

Bert Hellinger, o criador das constelações sistêmicas, postulou as ordens do amor através de suas análises e observação sobre ancestralidade junto aos povos zulus. Para a caminhada em um fluxo de vida saudável, a ordem natural precisa estar presente, manifesta através do Pertencimento – todas as pessoas relacionadas ao sistema têm o direito de pertencer; Hierarquia – os membros mais velhos precedem os mais jovens e sempre são “maiores” simbolicamente; Equilíbrio – entre o dar e receber nas relações, que se reconfigura com as mudanças no ciclo de vida familiar e nos diferentes tipos de relacionamento.

Quando o desejo de morte e suicídio estão presentes, no geral, identificam-se emaranhamentos que se desvelam sobretudo através da análise da história de vida, linguagem corporal e também através das constelações sistêmicas, método terapêutico que acessa aspectos inconscientes que se manifestam na intervenção.Alguns emaranhamentos mais frequentes que aparecem nesse tipo de queixa são:

- Identificação com ancestrais que consumaram o suicídio: lidar com o suicídio no âmbito familiar tem suas complexidades e não raro é que se observe na história das famílias a tendência à exclusão de membros ou fatos relacionados ao autoextermínio. Nas constelações, as exclusões aparecem sempre que determinada ocorrência seja dolorosa demais para ser vista. Entretanto, como o pertencimento é necessário, por mais dolorosa que seja a situação, os membros mais jovens inconscientemente tendem a carregar a história familiar, trazendo para o tempo presente a necessidade da integração e elaboração de fatos dolorosos que precisam ser incluídos na trajetória do sistema. É uma oportunidade de olhar para a história da família aceitando a realidade e caminhando com muito mais potência para o futuro. 

- Lugar sistêmico disfuncional: pergunta para os pais e filhos: para que você teve filhos? Para que seus pais tiveram filhos? – essas reflexões são preponderantes para a compreensão de qual lugar sistêmico ocupamos como pais e filhos em nosso sistema. Muito comum também nas intervenções clínicas é observar que filhos muitas vezes são gerados inconscientemente para preencher o vazio dos pais. Dessa forma, muitos filhos são “montados” para cuidar dos pais e suprir suas necessidades afetivas. Algo que fere diretamente o equilíbrio entre o dar e o receber, uma vez que filhos recebem mais dos pais, já que funções materna e paterna envolvem naturalmente a maior doação – para que esses filhos mais tarde cresçam e busquem o próprio caminho existencial direcionado para o futuro e para as próprias construções de vida. Algo que se torna inviável se a energia está direcionada para o passado.

- Ausência de objetivos de vida: a vida adulta demanda ação, buscas, realizações, equilíbrio entre segurança e aventura. A segurança é construída na criança através da função materna, ao passo que a aventura vem da função paterna. Em se tratando de funções, qualquer adulto saudável emocionalmente, independente do sexo ou gênero, tem a capacidade de oferecer essas funções para o cuidado das crianças. Geralmente a ausência de objetivos de vida advém do desequilíbrio entre as funções materna e paterna. A função paterna está ligada ao “parto para a vida”, ou seja, existir para a vida após a preparação concedida pelo cuidado familiar. Aqui se incluem os casos clássicos de dupla mensagem: pais ou quem cuida verbalizam que “permitem” o crescimento dos filhos, porém desqualificam suas capacidades, oferecem conforto demasiado castrando a autonomia (as típicas gaiolas de ouro), agem com violência etc., contribuindo para a manutenção doentia do sistema sem o avanço natural para as continuidades do ciclo de vida pessoal e familiar – que inevitavelmente implicam em perdas e demandam a capacidade de lidar com elas para viver as novidades e desafios necessários.

- Referenciais de amor doentios: o significado do amor e de suas manifestações é aprendido e alguns aspectos se mostram doentios e aprisionadores, até mesmo sendo reforçados culturalmente. O que é amor para você? No desejo de suicídio, geralmente as pessoas se sentem sem saída e sem forças para lidarem com os próprios sentimentos dolorosos. Relações pouco saudáveis, que trazem culpa, obrigações de corresponder aos padrões ou expectativas em traição à própria identidade, vínculos castradores da evolução e do crescimento, precisam ser constantemente revisitados e avaliados.Humanizar-se, na essência mais profunda da palavra também é uma necessidade. Estamos todos em evolução e não existe nenhuma necessidade de perfeição no existir. E a principal forma de gratidão e reverência à vida e aos ancestrais é caminhando para frente, contribuindo para a evolução do sistema e levando o amor saudável da família adiante.

Como escreveu Bert Hellinger: somente o imperfeito pode evoluir. O perfeito já se estagnou, cristalizou-se. Portanto só o imperfeito tem futuro. Enquanto existe vida, existem possibilidades. Basta identificá-las, olhando para a própria história com amor, praticando o autocuidado, descobrindo novas veredas. Boa jornada para você! 

 

                       

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