sexta, 26 de julho de 2024
Artigo Rui Sintra

“Dia de Camões, de Portugal e da Raça”

07 Jun 2024 - 06h00Por (*) Rui Sintra
“Dia de Camões, de Portugal e da Raça” -

Talvez muitos dos meus leitores não saibam, mas até o ano de 1974, antes mesmo da “Revolução dos Cravos” (abril de 1974), a data de 10 de junho era considerada o “Dia de Camões, de Portugal e da Raça”, só adquirindo a denominação atual - “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” no ano de 1978. E, se desde sempre esta data evoca, em primeiríssima instância, a morte de Luís Vaz de Camões, em 1580, o certo é que o Estado Novo - a ditadura que governou Portugal entre os anos de 1933 e 1974, liderada por António de Oliveira Salazar e, subsequentemente, por Marcelo Caetano -, introduziu nessas comemorações os nefastos ingredientes da defesa da “raça dos portugueses” espelhados no império lusitano no continente africano e na Ásia, numa espécie de consolidação da posição de isolamento do então regime português no mundo: “Orgulhosamente sós”, como afirmava Salazar, principalmente a partir de 18 de fevereiro de 1965, já com o país imerso nas guerras coloniais e com seus aliados afastados da inconcebível política colonialista portuguesa. Dessa forma, atualmente o 10 de junho não é apenas um dia de festa, de jantares e confraternizações, de feriado nacional em Portugal. Ao contrário, o 10 de junho obriga cada vez mais que os portugueses natos reflitam sobre o que essa data verdadeiramente significa, principalmente em termos históricos e de futuro, salientando que essa efeméride foi  estabelecida no século XIX em resultado das pesquisas feitas pelo visconde de Juromenha sobre a vida do poeta Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas, tendo ela ficado gravada na memória coletiva do povo português. Segundo a lenda, magnificamente descrita num trabalho da autoria de Maria Isabel João, da Universidade Aberta (Lisboa), “(...) o grande homem, prostrado pela doença e pela pobreza, estava a morrer num hospital, quando um dos seus amigos lhe veio anunciar a derrota na batalha de Alcácer Quibir, a morte do rei D. Sebastião e da elite portuguesa na funesta campanha, cuja consequência seria o fim da independência da pátria; soerguendo-se do leito, Camões exclamara que ao menos morria com ela. O poeta que cantou a epopeia da Nação morreu a 10 de Junho de 1580”. Seria longo e talvez fastidioso, para alguns porventura mais distantes da real Lusitanidade e de sua importância no mundo, tecer neste artigo a história completa do “Dia 10 de Junho” e as nuances dessas comemorações ao longo dos anos, ao longo das várias décadas. Contudo, permito-me destacar aqui a marca que essa data deixou em várias gerações, principalmente a partir da primeira metade do século XX, já que só em 1925 é que foi publicado o decreto que instituiu “O Dia 10 de Junho - Dia de Portugal”. A partir dos anos 50 do século passado, o “Dia de Camões, de Portugal e da Raça” era marcado por recepções a diversas entidades no Palácio de Belém, homenagens a professores do ensino básico, concertos com bandas civis e militares em vários locais da capital portuguesa, bem como desfiles e festivais organizados pela então “Mocidade Portuguesa” - uma organização milicial juvenil a exemplo daquelas que existiam na Itália de Mussolini (Balilas) e na Alemanha de Hitler (Hitlerjugend) -, que mobilizavam os jovens das escolas, enquanto  nas embaixadas portuguesas espalhadas pelo mundo também passou a haver cerimónias para assinalar o “Dia da Nação”. O início da guerra colonial trouxe uma alteração significativa ao panorama das comemorações do “Dia da Raça”. Voltando a citar Maria Isabel João. “A partir de 1963 passou a ser o dia em que se condecoravam os soldados que se tinham distinguido nas colónias ou, como titulava o  jornal O Século, em primeira página, o dia em que o regime celebrava «A firmeza, a abnegação, o estoicismo dos heróicos defensores da África e da Índia Portuguesa». A faustosa cerimónia realizava-se no cenário privilegiado da Praça do Comércio, em Lisboa, com a maior solenidade e imponência. Era presidida pelo presidente da República e estavam presentes as autoridades civis e militares. Nas diversas regiões militares do país e do ultramar, os mesmos cerimoniais tinham também lugar para evocar os mortos em combate e os «bravos», como referia a imprensa. O número dos condecorados foi aumentando com a intensificação da guerra. No discurso oficial, a guerra colonial era apresentada como uma nova epopeia de Portugal contra os inimigos da Civilização Ocidental. Do mito camoniano recuperava-se a faceta de soldado, que perdeu o olho direito na guerra, em Marrocos, e de arauto da cristandade contra os inimigos da fé e dos portugueses”. Lembro-me perfeitamente de ter assistido a cerca de duas dezenas dessas comemorações e o que mais me marcou, em todas elas, foi presenciar a condecoração de centenas de soldados portugueses estropiados, vindos das guerras de África, e de outros, a título póstumo, representados por suas famílias, perante milhares de jovens soldados perfilados na Praça do Comércio, prontos para partir para terras de África. Marcou???? Marcou!!! Hoje, comemoramos o “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” de forma diferente - com paz no nosso território nacional, continuando a destacar a figura de Luís Vaz de Camões e, sobretudo, as comunidades portuguesas presentes em todos os países do mundo. Aqui, no Brasil, mesmo longe de nossa pátria-mãe, o sentimento português permanece elevado, muito acima do que se possa imaginar. Não precisamos ser muitos, até porque a quantidade não é sinónimo das qualidades que a maioria dos portugueses possuem e comprovam ter - honestidade, entrega, querer, serenidade, sentido de responsabilidade, respeito, humildade e preservação de seus valores, de sua cultura, de seu legado. Isso é ser português!... De tudo aquilo que acima escrevi sobre a data comunitária e camoniana, de forma muitíssimo resumida, quero aqui particularmente parabenizar a Casa de Portugal de São Carlos, instituição que tive a honra de presidir entre os anos de 2021 e 2023, por a atual diretoria se ter proposto a realizar, no próximo dia 10 de junho, as comemorações do “Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas” de uma forma pouco usual, com a realização de uma tertúlia que honrará essa efeméride, juntando seus associados, familiares e amigos, e onde dialogarão sobre o tema “Qual o significado do dia 10 de junho para os portugueses”. Tudo isso em volta de um caldo verde, queijo, pão e vinho sobre a mesa, recriando, assim, uma noite fria numa qualquer aldeia perdida nas escarpas de Trás-os-Montes, ou numa planície no vasto Alentejo. Bem-Hajam pela ação e criatividade!!!!

O autor é jornalista profissional/correspondente para a Europa pela GNS Press Association / EUCJ - European Chamber of Journalists/European News Agency) - MTB 66181/SP.

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

 

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