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sábado, 06 de dezembro de 2025
Naiavírus

Cientistas doa USP de São Carlos e de outras universidades descobrem vírus gigante no Pantanal

19 Set 2025 - 08h30Por Rui Sintra
Pantanal - Crédito: FreepikPantanal - Crédito: Freepik

O Pantanal brasileiro, conhecido por sua imensa riqueza natural, acaba de revelar um segredo guardado nas águas do rio Paraguai. Cientistas identificaram um novo vírus que surpreendeu até os mais experientes especialistas em microbiologia. Ele foi batizado de Naiavírus e é considerado o maior vírus com cauda já descrito pela ciência.

Apesar de invisível a olho nu, esse “gigante microscópico” mede cerca de 1.350 nanômetros. Para entender melhor: um fio de cabelo humano tem aproximadamente 80 mil nanômetros de espessura. Ou seja, caberiam mais de 50 partículas do Naiavírus lado a lado dentro de um único fio de cabelo. Ainda assim, ele é enorme se comparado aos vírus comuns, que costumam medir entre 20 e 200 nanômetros.

O que torna o Naiavírus especial

Os vírus geralmente são lembrados por causar doenças, mas o Naiavírus não afeta seres humanos. Ele infecta apenas amebas, organismos microscópicos que vivem em ambientes aquáticos e no solo.

A novidade é que, além do tamanho fora do comum, o Naiavírus tem uma estrutura inédita: um corpo envolto por uma espécie de “manto” e uma cauda flexível que se dobra e se alonga. Essa cauda funciona como uma ferramenta para se aproximar das amebas, facilitando a infecção.

“Foi como encontrar uma criatura que não se encaixa em nenhum dos padrões conhecidos”, descrevem os cientistas.

Um genoma cheio de mistérios

Dentro desse vírus está escondido um genoma imenso, quase um milhão de pares de bases de DNA. Esse material genético funciona como um manual de instruções que orienta o vírus a se multiplicar.

O surpreendente é que muitos genes do Naiavírus não têm semelhança com nada já registrado pela ciência. Alguns lembram proteínas de plantas, bactérias e até genes relacionados ao metabolismo de células mais complexas. Isso indica que esses vírus gigantes podem estar envolvidos em processos evolutivos que ainda nem começamos a entender.

Por que estudar vírus gigantes?

A primeira reação ao ouvir a palavra “vírus” costuma ser medo. No entanto, os vírus gigantes como o Naiavírus são muito diferentes daqueles que causam doenças em humanos, como o da gripe ou o coronavírus.

Eles ajudam os cientistas a compreender a diversidade da vida e os limites entre o que é um organismo vivo e o que não é. Ao contrário dos vírus comuns, que possuem pouquíssimos genes, esses gigantes carregam centenas de genes, alguns com funções complexas que antes se acreditava só existirem em células complexas, como bactérias e eucariotos.

O docente e pesquisador do IFSC/USP, Prof. Otavio Thiemann, um dos autores do estudo liderado pelo Prof. Jônatas Abrahão (ICB-UFMG) e publicado na revista científica internacional Nature Communications, salienta que estes vírus são muito antigos e que o genoma deles, das proteínas que eles têm, são originárias de uma divergência muito antiga, próxima do surgimento da vida na Terra. “Essas proteínas novas que estão sendo encontradas, essas novas enzimas, podem abrir novas portas na área de biotecnologia e na medicina, inclusive, já que são vírus que não infectam o ser humano. Elas podem ser usadas para produzir fármacos e enzimas de interesse biotecnológico, sendo que esses vírus são também muito importantes devido à sua antiguidade e pelo “gigantismo” de sua estrutura, já que são inéditos na classe de vírus, podendo contribuir para dar respostas a perguntas fundamentais da biologia, como por exemplo um processo chamado “eucariogênese”, que é a formação de núcleos em células eucarióticas primitivas”, salienta o pesquisador.

Os cientistas sabem de onde vêm as mitocôndrias, os cloroplastos, mas a “eucariogênese”, a formação do núcleo, pode ser algo que esses vírus gigantes que estão sendo descobertos podem contribuir com toda essa informação “Uma informação que nos dará luz sobre como a vida se desenvolveu no nosso planeta”, conclui o Prof. Thiemann.

Um nome inspirado na cultura indígena

O nome Naiavírus é uma homenagem a uma lenda Tupi-Guarani. Conta-se que Naia era uma jovem apaixonada pela Lua. Para alcançá-la, subiu a uma montanha e se jogou em direção ao reflexo prateado nas águas, onde acabou morrendo. Em sua memória, os deuses a transformaram na vitória-régia, uma das plantas mais emblemáticas da Amazônia.

Assim como a lenda, o Naiavírus carrega um toque de mistério e beleza em sua descoberta.

A descoberta só foi possível graças a um trabalho paciente: os cientistas analisaram 439 amostras de água até encontrarem sinais do vírus em uma única amostra coletada no município de Porto Murtinho (MS).

O caso mostra que, mesmo após décadas de avanços na virologia, a natureza segue cheia de enigmas. O Pantanal, já reconhecido por sua fauna e flora exuberantes, agora também se confirma como um tesouro para a ciência invisível, revelando criaturas microscópicas que podem mudar a forma como entendemos a vida.

Segundo os autores do estudo, esses gigantes invisíveis lembram que ainda sabemos muito pouco sobre os vírus e que eles podem desempenhar papéis fundamentais nos ecossistemas do planeta.

Estes vírus gigantes foram descobertos apenas em 2003, não causam quaisquer doenças em humanos, mas são fundamentais para a ciência.

Para conferir o artigo científico relativo a este tema, publicado na revista “Nature Communications”, acesse - https://www2.ifsc.usp.br/portal-ifsc/wp-content/uploads/2025/09/Rodrigues_et_al-2025-Nature_Communications-THIEMANN.pdf

(Rui Sintra – Jornalista – IFSC/USP)

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