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domingo, 14 de dezembro de 2025
Alimentação

Cardiologista da Santa Casa de São Carlos faz alerta para riscos de ultraprocessados

Levantamento em 93 países mostra que o consumo aumentou em 91; médio adverte para riscos maiores de infarto, AVC e diabetes

24 Nov 2025 - 10h20Por Da redação
Alimentos ultraprocessados: mudança na forma como as pessoas se alimentam é impulsionada por grandes corporações globais, que obtêm lucros extraordinários priorizando produtos - Crédito: Agência Brasil Alimentos ultraprocessados: mudança na forma como as pessoas se alimentam é impulsionada por grandes corporações globais, que obtêm lucros extraordinários priorizando produtos - Crédito: Agência Brasil

A praticidade e o marketing de um lado, e de outro os altos preços de alimentos saudáveis, fizeram com que os ultraprocessados chegassem a representar 23% da alimentação dos brasileiros. O fato preocupa o médico cardiologista Vicente Matinata, que atua na Santa Casa de São Carlos.
“Esses alimentos (ultraprocessados) contêm aditivos e aromatizantes para prolongar a validade até a data de vencimento do produto. Ainda não sabemos até que ponto essas substâncias têm associação com o câncer. Um dos problemas do uso desses alimentos é que, além de serem nocivos à saúde, geram outros prejuízos. Ao consumir esse tipo de comida, as pessoas deixam de consumir alimentos saudáveis, que poderiam trazer ganho para a saúde”.

Segundo ele, o exemplo mais clássico de alimentos saudáveis são as frutas. “Por isso aquela frase: ‘descasque mais e desembale menos’. Além disso, esses alimentos (ultraprocessados) têm grande quantidade de açúcar, que aumenta o risco de diabetes, podendo também associar a pessoa à obesidade e a problemas cardiovasculares, como infarto e AVC. Grande parte desses alimentos contém grande quantidade de sal, que pode causar hipertensão arterial, um dos fatores de risco para doenças cardiovasculares. Às vezes, eles trocam açúcar por adoçantes, e determinados adoçantes, principalmente em altas doses, têm relação com o câncer. Então, esses são os principais problemas”, alerta.

A alternativa, explica Matinata, é realmente dar prioridade máxima aos alimentos naturais, como frutas, legumes e verduras. “A indústria tenta oferecer, por meio dos ultraprocessados, um alimento de fácil acesso, com muito marketing. O que poderia ser feito é divulgar as facilidades e os pontos positivos do consumo de frutas”.

Ele afirma que os atuais hábitos alimentares podem gerar um problema de saúde pública. “Como médico, falar em proibição é complicado. Do mesmo jeito que pode haver algo ultraprocessado, também poderia haver algum alimento in natura. Talvez, para crianças menores, os ultraprocessados não deveriam ficar em locais baixos, que facilitem o acesso desse público. Para os adultos, que têm maior conhecimento, poderiam existir políticas públicas para facilitar o acesso às frutas, talvez com incentivos fiscais a alimentos saudáveis e taxação dos não saudáveis”, sugere o cardiologista.

O médico cardiologista Vicente Matinata afirma que a prática regular de atividades físicas, alimentação adequada, não consumo de álcool e qualquer tipo de tabagismo estão entre os meios de prevenção contra o infartoO médico cardiologista Vicente Matinata: Ao consumir este tipo de comida, as pessoas deixam de consumir alimentos saudáveis, que poderia trazer um ganho para a saúde”

DE 10% PARA 23% — A participação de ultraprocessados na alimentação dos brasileiros mais que dobrou desde os anos 80, passando de 10% para 23%. O alerta vem de uma série de artigos publicados na última terça-feira (18) por mais de 40 cientistas, liderados por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP).

A coletânea publicada na revista Lancet mostra que esse não é um fenômeno isolado do Brasil. Dados de 93 países indicam que o consumo de ultraprocessados aumentou ao longo dos anos em todos eles, à exceção do Reino Unido, onde se manteve estável em 50%. O país europeu só é superado pelos Estados Unidos, onde os ultraprocessados perfazem mais de 60% da dieta.

Carlos Monteiro, pesquisador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da USP e líder do trabalho, alerta que esse consumo crescente está reestruturando as dietas em todo o mundo, e não ocorre por acaso:
“Essa mudança na forma como as pessoas se alimentam é impulsionada por grandes corporações globais, que obtêm lucros extraordinários priorizando produtos ultraprocessados, apoiadas por fortes estratégias de marketing e lobby político que bloqueiam políticas públicas de promoção da alimentação adequada e saudável.”

Em trinta anos, esse consumo triplicou na Espanha e na Coreia do Norte, alcançando índices de aproximadamente 32% também na China, onde a participação dos ultraprocessados nas compras familiares era de apenas 3,5%, passando a 10,4%. Na Argentina, o aumento foi menor ao longo do mesmo período, mas ainda assim subiu de 19% para 29%.

Os artigos destacam que o aumento foi percebido em países de baixa, média e alta renda. Os de maior renda já partiam de patamares altos, enquanto as nações mais pobres registraram crescimentos mais expressivos.
De acordo com os pesquisadores, isso reproduz um padrão observado também dentro dos países: os ultraprocessados começaram a ser consumidos por pessoas de maior renda, mas depois se espalharam para outros públicos.

Eles ressaltam, porém, que o problema é multifatorial — influenciado pela renda, mas também por questões culturais. Alguns países de alta renda têm consumo expressivo, como o Canadá (40%), enquanto outros, com perfis semelhantes, como Itália e Grécia, mantêm índices abaixo de 25%.

O relatório lembra que esses produtos se tornaram comuns em países de alta renda após a Segunda Guerra Mundial, mas viraram um fenômeno global principalmente a partir da década de 80, com a globalização. Em paralelo, cresceram as taxas globais de obesidade e doenças como diabetes tipo 2, câncer colorretal e doença inflamatória intestinal.

As evidências científicas acumuladas ao longo do tempo apontam que dietas ricas em ultraprocessados estão associadas à ingestão excessiva de calorias, pior qualidade nutricional e maior exposição a aditivos e substâncias químicas nocivas. Na revisão sistemática de 104 estudos de longo prazo, 92 relataram risco aumentado de uma ou mais doenças crônicas, incluindo câncer e doenças cardiovasculares e metabólicas.

“O conjunto das evidências apoia a tese de que a substituição de padrões alimentares tradicionais por ultraprocessados é um fator central no aumento global da carga de múltiplas doenças crônicas relacionadas à alimentação”, explicam os cientistas. Eles destacam que a pesquisa continuará avançando, mas isso não deve atrasar políticas e ações de saúde pública “destinadas a restaurar, preservar, proteger e promover dietas baseadas em alimentos integrais e em seu preparo como pratos e refeições, que já estão atrasadas”.

O QUE SÃO ULTRAPROCESSADOS? — O termo “ultraprocessados” começou a se popularizar após a criação da classificação Nova por pesquisadores brasileiros, em 2009. Ela divide os alimentos em quatro grupos, de acordo com o grau de modificação após processos industriais:

  • Alimentos não processados ou minimamente processados: vendidos em sua forma natural ou após processos que mantêm sua estrutura básica, como congelamento, fracionamento, moagem ou embalagem. Exemplos: frutas e legumes; carnes e peixes; grãos e cereais embalados.

  • Ingredientes processados: produzidos a partir de alimentos in natura e usados na preparação de outros alimentos. Exemplos: óleo de soja, açúcar e sal.

  • Alimentos processados: produtos do grupo 1 adicionados a ingredientes do grupo 2 ou modificados por métodos semelhantes aos caseiros, como legumes e peixes enlatados, macarrão ou sucos 100% fruta.

  • Alimentos ultraprocessados: produtos comerciais resultantes da mistura de alimentos in natura baratos com aditivos químicos, altamente modificados por processos industriais. Tornam-se duráveis, prontos para consumo e superpalatáveis. Exemplos: biscoitos recheados, refrigerantes, macarrão instantâneo e iogurtes saborizados.

Carlos Monteiro reforça que o objetivo da classificação Nova é facilitar o entendimento sobre “como o processamento afeta a qualidade da nossa dieta e a nossa saúde”, além de orientar diretrizes como o Guia Alimentar para a População Brasileira, criado pelo Nupens para o Ministério da Saúde.

“Há 20 anos estudando as mudanças na produção de alimentos no Brasil, ligadas ao aumento da obesidade, percebemos que o processamento havia mudado de propósito. Deixou de ser para preservação e passou a ser a criação de substitutos dos alimentos, feitos de ingredientes baratos e aditivos”, destaca.

RECOMENDAÇÕES — Os pesquisadores apresentam propostas para reduzir o consumo desses produtos e pedem que grandes empresas sejam responsabilizadas pelo papel que desempenham na promoção de dietas não saudáveis. Uma das principais recomendações é que os aditivos — como corantes e aromatizantes — sejam sinalizados nas embalagens, assim como o excesso de gordura, sal e açúcar.

Outra medida considerada essencial é proibir esses produtos em instituições públicas, como escolas e hospitais. Nesse ponto, o Brasil é citado como exemplo por causa do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que vem reduzindo a oferta desses produtos e estabeleceu que 90% dos alimentos oferecidos nas escolas deverão ser frescos ou minimamente processados a partir do ano que vem.

Os autores também propõem restrições mais rigorosas à publicidade, especialmente a destinada ao público infantil, e destacam que é preciso aumentar a disponibilidade de alimentos in natura. Uma estratégia sugerida é sobretaxar determinados ultraprocessados para financiar alimentos frescos destinados a famílias de baixa renda.

A série de publicações reforça que o aumento do consumo desses produtos não é culpa de escolhas individuais, mas responsabilidade das grandes corporações globais. De acordo com os autores, essas empresas utilizam ingredientes baratos e métodos industriais para reduzir custos, estimulam o consumo com marketing agressivo e designs atraentes e acumulam lucros anuais que chegam a US$ 1,9 trilhão, tornando o setor o mais lucrativo da indústria alimentícia.

Esses lucros, segundo os pesquisadores, “alimentam o crescimento do poder corporativo nos sistemas alimentares, permitindo que essas empresas ampliem sua produção, influência política e presença de mercado, moldando dietas em escala global”.

(Com informações da Agência Brasil)

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