quinta, 09 de maio de 2024
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Sonhos: O que as Elaborações Oníricas Podem Sinalizar em tempos de crise

15 Abr 2020 - 12h24Por Anaisa Mazari
Sonhos: O que as Elaborações Oníricas Podem Sinalizar em tempos de crise -

Todos nós já tivemos experiências com sonhos e são comuns relatos diversos desde o contato com vivências oníricas extremamente prazerosas, sonhos que de tão intensos e mobilizadores de grandes emoções parecem até reais, assim como outras “experiências” oníricas por vezes perpassadas por sensações de tristeza ou pavor, com imagens e situações aterrorizantes. Para a psicologia, sobretudo dentro das vertentes de interpretação do inconsciente, os sonhos trazem em si conteúdos relevantes para o autoconhecimento, sendo uma importante forma de comunicação do inconsciente para a consciência que também trazpossibilidades de acesso e compreensão mais aprofundados acerca de dinâmicas e processos emocionais.

Sigmund Freud (1856-1939), neurologista, psiquiatra austríaco e pai da Psicanálise, compara o aparelho psíquico a um iceberg, uma grande massa de gelo que tem sua maior parte submersa no mar, ficando apenas uma pequena ponta visível sobre a água. Ou seja, dentro desta metáfora, o que se conhece acerca do aparelho psíquico seria essa pequena parcela consciente, sendo a maior parte dos conteúdos psíquicos os de ordem inconsciente, conteúdos latentes, pulsões, desejos, emoções e sentimentos reprimidos. De muitas maneiras, eventualmente, esses conteúdos emocionais reprimidos “escapam”. Chistes, aquelas famosas brincadeiras com fundo de verdade, atos falhos, que seriam verbalizações ou atos que simplesmente “saem”, parecendo obedecerem muito mais às involuntariedades da linguagem e do controle motor do que àquilo que “manda o figurino”, bem como as elaborações oníricas, os sonhos, podem ser formas de manifestação do mundo interno repleto de emoções, sensações e sentimentos que estão fortemente presentes, ainda que escondidos ou encobertos.

Não apenas em tempos de crise, mas permanentemente, é muito comum o relato de sonhos diversos que cumprem sua função, permitindo desde a descarga de conteúdos emocionais reprimidos até a realização, onírica é claro, de desejos que não podem se materializar no plano das vivências concretas.A interpretação das elaborações oníricas sempre é realizada de forma singular para cada indivíduo, pois apesar dos sonhos também serem porta-vozes do inconsciente coletivo – trazendo símbolos pertinentes a história da humanidade e da ancestralidade – devem estar sempre contextualizados a partir da história de vida de cada um e de acordo com a história clínica, em se tratando da prática psicológica. Alguns sonhos poderão estar ainda revestidos de mecanismos de defesa, parecendo até mesmo sem lógica ou sentido racional, mas trazem em si muitos significados. Em sua obra de 1900, A Interpretação dos Sonhos, Freud ainda menciona que os sonhos são “restos diurnos”. Ou seja, elaborações oníricas estão também associadas a vivências emocionais recentes que são captadas, atingindoo mundo emocional e se manifestando através dos sonhos. Neste especial momento de pandemia, há constantes relatos de sonhos envolvendo medo de morte, risco de adoecimento, internações, encontro com familiares e experiências de encontros coletivos, por ora pouco indicados pelo distanciamento social.

Os sonhos, por serem manifestações de ordem inconsciente, são potentes comunicantes de conteúdos que precisam ser elaborados. O mais comum, até mesmo como mecanismo de defesa, é que muitos busquem evitar a dor do contato com realidades vivenciadas e marcas emocionais profundas, reprimindo e apenas deslocando uma diversidade de conteúdos emocionais não aceitos pelo próprio referencial do que pode ser considerado “certo” ou “errado”, mas também por aspectos da regra social que moldam o que é ou não aceitável sentir. Afetos não têm rédeas – e os conteúdos reprimidos podem até sair temporariamente do “campo de visão” mas emergem porque afinal, estão presentes, apesar de latentes.

Durante fases de crise, os sonhos podem ser preciosos mensageiros e importantes indicativos de como o mundo interno está de fato, considerando que nessas situações, até mesmo como crença em uma possível “postura forte” frente aos acontecimentos, medos, angústias, desconfortos e incertezas, podem estar largamente reprimidos.O contato com as verdadeiras emoções pode até trazer dor, mas traz também a possibilidade de transformações, de aprender a lidar com a crise reconhecendo as fragilidades e caminhando para as potencialidades. Sobretudo trazendo cada um de nós para o protagonismo do autocuidado, uma forma de fortalecimento essencial em fases tão desafiadoras.


 

 

Anaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. CRP 06/100271, especialista em  Saúde da Família e Comunidade através do Programa de Residência Multiprofissional da UFSCAr,   Terapeuta e Consteladora Sistêmica através do Instituto Brasileiro de Consciência Sistêmica - IBRACS Ribeirão Preto. Atua como psicóloga clínica e Consteladora.

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