quinta, 28 de março de 2024
Memória São-carlense

O fantasma do Trevo

14 Dez 2018 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
O fantasma do Trevo - Crédito: Be Caviquioli Crédito: Be Caviquioli

Neste ano em que a duplicação da rodovia Washington Luis completou quatro décadas, a efeméride evocou uma famosa lenda urbana local, a do fantasma do trevo, que vez por outra ressurge na recordação dos são-carlenses mais antigos.

Diz respeito à aparição registrada muitos anos atrás (bem antes da duplicação da rodovia) lá pelos lados do trevo Norte de São Carlos, onde uma assombração parecia ter preferência pelos boêmios frequentadores de um cabaré que, tarde da noite, fugiam apavorados para o centro da cidade, narrando os fatos aos balconistas do “Bar São Paulo”.

Desnecessário dizer que, por um período, a força dos relatos e a riqueza de detalhes, fizeram despencar o movimento do tal cabaré.

O saudoso cronista João Genovez, numa das crônicas reunidas no livro “São Carlos: ponto final”, conta que em meados dos anos 50 do século passado, começava a se popularizar na cidade um rapaz negro que padecia de problemas mentais e ao que diziam era um ferroviário da Paulista aposentado por invalidez.

Ele perambulava pelas ruas, acompanhado de dezenas de cães que alimentava com petiscos que ganhava nos bares. As pessoas gostavam de apreciar a “prosa” daquele homem com a matilha que o seguia. Por vezes arrastava gomos de linguiça provocando alvoroço entre os cães.

Paulino era seu nome. Alegre e sorridente adorava fazer discursos em altos brados. “Tinha um vozeirão de fazer inveja a muitos candidatos a cargos políticos”, lembrou o cronista. “Usava velhos chavões, intermediando-os com sonoras e debochadas gargalhadas”, até que um dia desapareceu e ninguém nunca mais ouviu falar dele.

Os comentaristas de boteco não tardaram a espalhar que a Polícia havia esclarecido que era Paulino o Fantasma do Trevo. A seu anedotário, o tipo costumava incluir relatos sobre visões de discos voadores e contatos extraterrestres.

Convertido numa espécie de “Dom Sebastião” - o lendário rei português desaparecido numa batalha contra os mouros -, Paulino ao desaparecer, acendeu de vez a lenda.

Supõe-se que a história começou numa noite em que ele resolveu descansar lá pelos lados do Cemitério Nossa Senhora do Carmo. Caminhando pelas cercanias do trevo norte, ao dar uma de suas gargalhadas, assustou quem passava pelas redondezas. Bingo! Ele gostou da ideia e passou a incorporar o “fantasma”.

Mas como o cenário de suas peripécias era São Carlos, alguns passaram anos duvidando do final dessa história e acreditando que Paulino vivera por muitos anos, sem ter a noção de que ficara famoso, como imaginava em seus melhores delírios, inserindo para sempre o seu nome na história não-oficial da cidade.

O educador Rubem Alves disse certa vez que “Os que andam na direção contrária são os que dizem o que não se pode adivinhar e o que não era previsto. Seus pensamentos e palavras são um susto, uma surpresa, um lapsus freudiano. São os hereges, os poetas, os místicos, os visionários, os palhaços, os profetas, os loucos e as crianças”.

Assim era Paulino em sua “inofensiva, porém apavorante insensatez” como registrou João Genovez, um são-carlense que foi viver em Santos, mas até o fim da vida regou a flor da saudade da tranquila São Carlos de seu tempo ou, como dizia, “da juventude de uma cidade sorridente que também envelhecerá”.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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