quarta, 08 de maio de 2024
2020 angustiante, 2021 esperançoso

Primeira a receber vacina, técnica em enfermagem da Santa Casa passou por drama em família por causa da Covid

Um alívio, após drama familiar que enfrentou no ano passado; Karen Bonelli recebeu o imunizante Coronavac, mas três entes queridos morreram infectados pelo SARS-CoV-2

25 Jan 2021 - 12h55Por Marcos Escrivani
Karen no momento em que era imunizada: primeira são-carlense da linha de frente a receber a Coronavac - Crédito: DivulgaçãoKaren no momento em que era imunizada: primeira são-carlense da linha de frente a receber a Coronavac - Crédito: Divulgação

Há um sábio (e antigo) ditado popular que diz: “depois da tempestade, vem a bonança”. Esta frase se aplica literalmente a vida da técnica em enfermagem Karen Alessandra Bonelli, 35 anos, mãe da pequena Sofia, de 7 anos.

Há quatro anos, presta seus serviços profissionais à Santa Casa de São Carlos e desde o início da pandemia, há dez meses (março/2020), trabalha na linha de frente no combate à Covid-19. Segue os mais rígidos protocolos de segurança e não foi infectada pelo SARS-CoV-2. Porém, no ano passado, teve aproximadamente 20 parentes infectados pelo novo coronavírus, dos quais três (uma prima e avós paternos), faleceram. Sua mãe, do grupo de risco e com comorbidades, ficou internada por 30 dias, dois quais, onze entubada, entre a vida e a morte.

Karen trabalha no Serviço Médico de Urgência (SMU) e recebe diariamente ambulâncias com vítimas de todos os tipos: desde as mais graves enfermidades (inclui-se a Covid-19), bem como acidentados. “Não só de São Carlos, mas de toda a região. Fico paramentada até os dentes”, explica.

A técnica em enfermagem teve um ano que ela mesma define como “carregado e tenso. Desgastante e angustiante”. Porém começa 2021 com uma luz no fim do túnel. No dia 21 de janeiro, às 14h, na sede da Vigilância Epidemiológica de São Carlos, recebeu a primeira das 3.690 doses da Coronavac, aplicada em seu braço direito pela enfermeira Kátia Spiller. No dia 11 de fevereiro, irá receber a segunda dose do imunizante fornecido pelo Instituto Butantan. “Foi a picada mais gostosa e feliz que recebi em toda minha vida”, disse aliviada e emocionada.

A HISTÓRIA DE KAREN...

Simpática, articulada e garantindo ser uma profissional aguerrida e determinada, Karen Bonelli contou ao São Carlos Agora o drama de 2020 e o alívio neste início de 2021. Momentos de uma vida que caberiam perfeitamente em uma ficção hollywoodiana ou então em um folhetim televisivo.

Karen lembra que em dezembro de 2019 e primeiros meses de 2020, acompanhava os noticiários que vinham da Ásia e Europa dando conta de uma infecção desconhecida que estava fazendo dezenas de vítimas. Semanas depois, se preocupou quando a OMS decretou pandemia mundial.

“No meu caso, via de longe e parecia não ser real. Fica algo no ar como uma ficção, com alguns casos esporádicos no Brasil. A Covid-19 demorou a chegar no Brasil, mas veio com força. Não nego que no começo tinha medo, começava a pipocar casos positivos. Mas mantinha uma certa tranquilidade, pois estava longe de minha família”, revelou.

Mas a opinião da técnica em enfermagem começou a mudar em setembro, ao tomar conhecimento de que parentes residentes em Cordeirópolis se infectaram com a SARS-CoV-2. “Minha prima Raquel F. Hassi, 49 anos e cardíaca foi o primeiro ente querido a nos deixar devido à doença”.

Abalada, Karen viu a infecção se aproximar ainda mais em novembro. No prazo de uma semana perdeu os avós paternos Aurélio Bonelli, 95 anos, e Iolanda Z. Bonelli, 89. “Meu vô morreu em um sábado e na quinta-feira seguinte, minha vovó. Por eu trabalhar na Santa Casa, pensei que tinha levado o novo coronavírus para dentro de casa. Fiz o teste e deu negativo”.

Entretanto o novo coronavírus piorou a situação na sua família. Seu pai Ângelo Bonelli, bem como os tios Antonio Ap. Bonelli e Edwirges Bonelli também foram atingidos pela pandemia.

Mas o caso mais grave atingiu a rainha de Karen, a mãe Ivone F. Bonelli, 61 anos. Pertencente ao grupo de risco e com várias comorbidades, foi internada em estado grave. Ficou 30 dias isolada, dos quais, onze dias, entubada entre a vida e a morte.

“Foi o pior novembro em 35 anos de vida. Me deu uma confusão de pensamentos. Coração apertado. Me senti devastada. Perdi meus avós e depois a minha rainha corria risco de morte. Sem contar a minha prima, em setembro. 2020 foi doloroso demais”, confessou.

Ao sentir o mundo desabando em suas costas, mas mantendo-se forte e trabalhando diariamente na Santa Casa para dar todo carinho e conforto a quem necessitava, Karen disse que o momento mais traumatizante foi ao retornar do enterro de sua avó.

“Me apresentei ao trabalho e ao buscar informações sobre minha mãe, ouvi de um médico declarações que ela estava em situação crítica e desenganada. Seria só por um milagre. Vi, através de um vidro na UTI, minha mãe ao lado de um respirador, lutando pela vida. Foi desesperador. Queria fazer algo, mas o sentimento era de impotência. Era, então, se apegar a Deus. Na Santa Casa, me mantive forte, não sei como. Mas em casa chorei muito”...

DEUS ATENDEU... MILAGRE VEIO

Angústia 24 horas por dia... Pedidos a Deus por um milagre... Passaram-se dias e a rainha Ivone foi guerreira. O milagre aconteceu e ela venceu a Covid-19. Karen narrou com “nós” na garganta os momentos mais sensíveis que passou até aqui em sua vida.

“Na primeira vez que a vi, após se recuperar ‘falei’ com os olhos... Graças a Deus...Depois quando não havia mais perigo e a minha rainha estava liberada para visitas, apenas peguei em sua mão e senti a vida... Ai não teve jeito. Quase ‘matei’ ela com um abraço pra lá de forte”, brincou. “Deu nó na garganta (de novo), senti vontade de gritar de felicidade. Sinceramente não sabia o que fazer de tanta alegria”, desabafou.

DOIS MESES DEPOIS...

Se novembro/2020 foi triste e angustiante, janeiro/2021, um raio de esperança. Karen foi a primeira são-carlense a ser vacinada contra a Covid-19. No dia 21. “Nossa, foi a picada mais gostosa da minha vida”, brincou novamente ao se referir à primeira dose da Coronavac, administrada pela enfermeira Kátia Spiller, na sede da Vigep. “Senti uma dorzinha, mas a felicidade era muita. Este imunizante para mim, traz a vida. Se ela existisse há meses, não teria perdido entes queridos. Mas peço a Deus que ela seja eficaz e salve muitas vidas. Que a população seja imunizada. No dia 11 de fevereiro, Karen receberá a segunda dose (intervalo de 15 dias).

“ACREDITEM, POR FAVOR”

Ao ser indagada se gostaria de mandar um recado para os descrentes, negacionistas e ‘zombadores’ da doença, Karen refletiu e após alguns segundos deixou seu apelo.

“Por favor, acreditem na Covid-19. Procurem saber com profissionais da saúde e não com políticos sobre a letalidade do SARS-CoV-2. O que acontece de verdade. Esta infecção não tem controle ainda. Ninguém pode desacreditar ou relaxar. Ela mata. Ela deixa cicatrizes. Ela deixa sequelas... Ela traz muita tristeza”, finalizou...

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