quarta, 08 de maio de 2024
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O pensamento científico no dia a dia

26 Jul 2021 - 17h00Por Prof. Dr. José Roberto Garbin
O pensamento científico no dia a dia - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

Uma expressão que se tornou muito comum nestes tempos de pandemia foi: “com base na Ciência”. Mas o que isso realmente significa? Todos nós podemos agir, pensar e tomar decisões “com base na Ciência”?

Para melhor entender esta expressão, vamos primeiro definir, de forma simples, o que é a Ciência e como ela trabalha para obter a explicação de algo.

Ciência é o conjunto de conhecimentos adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de fenômenos, fatos ou problemas. Mas para caracterizar estes conhecimentos como “científicos”, a sequência e forma de obtenção destes deve ser sistematizada, ou seja, tudo deve ser formulado de maneira metódica e racional, utilizando procedimentos padronizados e claros, de forma que possam ser reproduzidos tantas vezes quantas forem necessárias para se confirmar e aperfeiçoar o resultado ou a teoria proposta, ou mesmo para se refutar estateoria caso ela se mostre incompatível com o observado nos experimentos.

Assim, para que o conhecimento seja considerado Científico,ele deve ser obtido através de uma metodologia bem definida, a qual chamamos de “Método Científico” e que, em linhas gerais, segue os seguintes passos:

  1. Observação detalhada do que se pretende explicar, buscando entender quais elementos contribuem para o que está sendo observado e em que proporção cada um destes elementos atua.
  2. Questionamento de tudo o que se está observando para verificar o que realmente é relevante.
  3. Formulação de uma hipótesepara explicar o observado. Uma hipótese é uma suposição que pode estar baseada também em conhecimento anterior ou em pesquisas.
  4. Experimentação, feita para testar a hipótese formulada buscando validar os dados obtidos.
  5. Análise dos resultados para ver a coerência com a Hipótese proposta.
  6. Validação ou Correção da Hipótese.
  7. Formulação de uma Conclusão ou uma Teoria (estabelecendo uma explicação para a Hipótese com base nos resultados obtidos).

A proposição de uma metodologia para estudos científicos é creditada a Alhazen, um cientista do século X que viveu em uma região onde existe o Iraque. Ele propôs que toda hipótese deve ser provada por experimentos, realizados com métodos precisos e de forma sistemática.

O método científico foi aperfeiçoado por René Descartes, filósofo e matemático do século XVII, propondo se chegar à verdade através da dúvida sistemática e da decomposição do problema em pequenas partes. Uma frase interessante atribuída a Descartes é “Não é suficiente ter uma boa mente: o principal é usá-la bem”.

Assim, o primeiro passo da metodologia é básico, mas também é fundamental. Uma observação atenta e detalhada é a chave para que o cientista consiga resolver o problema ou explicar o fenômeno observado. E isso vale para as situações do nosso dia a dia também. Quanto melhor a observação que fizermos da situação ou do problema, maiores as chances de encontrarmos uma boa solução. Podemos usar todo o Método Científico, questionando e analisando cada um dos detalhes observados, pensando em hipóteses para explicar esses detalhes, testando possíveis soluções com essas hipóteses e, por fim, chegando em uma teoria com a melhor solução possível.

Além da metodologia a ser seguida, com procedimentos que possibilitem ter o controle das variáveis envolvidas no problema, bem como permitam que as hipóteses possam ser entendidas e testadas por outros cientistas, corroborando com os resultados, a Ciência e o pensamento científico devem estar baseadosem outras 3 importantes características:

1 – Razão – o pensamento científico não se baseia apenas em crenças ou achismos, mas sim em explicações racionais para observações realizadas.

2 – Empirismo/experimentação – todo pensamento científico tem que ser comprovado por dados, fatos, experimentos, demonstrações e cálculos.

3 – Neutralidade e Objetividade – são pretensões que todo cientista deve perseguir para garantir a imparcialidade da sua pesquisa e a qualidade dos resultados.

Entretanto, nem o cientista e muito menos o ser humano em geral, se afasta totalmente de seus valores pessoais e ideologias quando estuda um problema. O simples fato de escolher um tema para o estudo já indica algum direcionamento ou preferência. Algumas vezes, inclusive, o estudo busca provar ou refutar algum outro resultado e, com isso, selecionam-se as variáveis e experimentos que serão estudados para comprovar uma suposição que já se possui. Só isto já pode ser suficiente para levar a uma conclusão errada sobre o problema ou fato observado. Por isso, existe também na Ciência o princípio do Falseamento das hipóteses, onde após a apresentação de uma conclusão se realizam novos experimentos, mas não para comprovar que tal conclusão está correta e sim para verificar se ela está errada.

O falseamento foi proposto pelo filósofo alemão Karl Popper no início do século XX pois, segundo ele, “o cientista precisa entender a realidade conforme ela é, e não como ele gostaria que fosse”. Novamente, um conceito que se aplica totalmente às nossas decisões e ações diárias.

Assim, não se deve ter apego a uma hipótese científica pois ela estará sempre sujeita à prova do falseamento. Novamente, algo totalmente aplicável em nosso dia a dia pois nossos atos e decisões podem não ser os melhores e, se outras observações e conclusões mostrarem que eles não estão corretos, precisamosdeixar nosso ego e nossa ideologia de lado para corrigi-los.

Pensar e tomar decisões “com base na ciência” não significa ser dono da verdade absoluta, mas sim realizar um estudo racional e criterioso do problema para se chegar à melhor conclusão possível, e que se está aberto a ouvir e discutir outras conclusões diferentes que foram obtidas da mesma maneira criteriosa. Esta é uma característica importante do pensamento científicoe distingue a Ciência do chamado “Senso Comum”.

Podemos dizer que o Senso Comum é o oposto da Ciência. Apesar de também ter sido baseado em observações, o Senso Comum é aquele conhecimento popular, que foi passado de geração em geração,mas que não foi produzido através do método científico, muito menos passou pela prova do falseamento, sendo simplesmente aceito como correto. Pode ser ainda aquela hipótese, explicação ou primeira impressão que temos sobre algo que, num primeiro momento até nos parecem lógicas, mas que em geral não resistem a um estudo mais criterioso.

Por exemplo, por milhares de anos se pensou que o Sol girava em torno da Terra, pois em nosso dia a dia vemos o Sol nascendo em um lado do horizonte e se pondo no outro. Essa era a primeira impressão, que foi proposta por grandes pensadores da antiguidade como Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) e aceita como correta sem margens a questionamentos até o século XV quando Nicolau Copérnico (1473-1543) propôs que a Terra quem gira em torno do Sol, algo que só foi realmente aceito quando Galileu Galilei (1564-1642) demonstrou através de observações mais precisas com instrumentos de medição, experimentos e cálculos.

Mas o Senso Comum não está necessariamente errado. Quem já não recebeu uma receita da vovó de um chazinho para combater algum mal-estar ou mesmo uma doença? E funciona! Pois é, muitos medicamentos são baseados em plantas. O que a Ciência faz nestes casos é não descartar estas hipóteses simplesmente porque são produto do Senso Comum, mas estuda-las de forma criteriosa e objetiva, buscando identificar quais são os efeitos destas plantas no organismo humano, qual o princípio ativo que traz o benefício, calculando a dosagem e a forma correta de utilização deste produto e verificando a possibilidade de efeitos colaterais perigosos.

Resumindo, para aplicarmos o pensamento científico em nossas avaliações e decisões diárias temos que partir sempre de observações criteriosas e tão detalhadas quanto possível, buscando o máximo de neutralidade e objetividade em nossas conclusões. Mesmo quando algo, a princípio,nos parecer lógico ou natural, é importante fazermos novas observações, testarmos hipótese, compararmos dados de diferentes fontes e adquirirmos novos conhecimentos para verificarmos se a lógica inicial permanece ou se nossas conclusões podem estar erradas ou incompletas.

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