sexta, 26 de abril de 2024
“Quero crescer como ser humano”

Médica de São Carlos estará pela primeira vez em missão que atenderá população ribeirinha no Amazonas

16 Jan 2020 - 08h55Por Marcos Escrivani
Médica de São Carlos estará pela primeira vez em missão que atenderá população ribeirinha no Amazonas - Crédito: Marcos Escrivani Crédito: Marcos Escrivani

Nove profissionais liberais de São Carlos tem uma missão muito especial prevista para março. Do dia 3 ao dia 9, estarão no Barco Hospital Papa Francisco e partirão de Óbidos, no Pará na 10ª missão solidária que irá cobrir uma extensão de aproximadamente 800 quilômetros do rio Amazonas, onde vivem espalhadas 700 mil pessoas ribeirinhas. A meta é atender aproximadamente 1,3 mil pacientes.

A formação da equipe são-carlense foi idealizada pelo dentista José Luiz Sanchez que irá participar pela segunda vez da ação solidária. Em contato com amigos e profissionais da área da saúde, já recebeu sinalização positiva dos médicos Laura Tavares e Marcos Aurélio Ogando (casal de clínicos/especialistas), Luiz Menegazzo (médico radiologista), José Carlos Bonjorno Júnior (médico anestesista), AlLan Morais (cirurgião), Walter König (médico cirurgião pediátrico) e Margarida Maria Ochsendorf de Almeida Prado (médica oftalmologista). Além da odontóloga Yeda Vieira.

A uma ação tem como filosofia “fazer o bem, sem ver a quem”. Assim a missão voluntária na calha norte do Rio Amazonas.

Uma das integrantes do grupo é a médica reumatologista Laura Nascimento Tavares, 46 anos. Ela fará o seu ‘debut’ ao lado do marido, o também reumatologista e intensivista Marcos Aurélio Ogando, 58 anos. Ela é mãe de Pedro (16 anos), Mariana (14 anos) e Maria Lúcia (9 anos).

“Não quero passar a ideia de estar me sentindo superior ou angelical. Quero sim, crescer como ser humano, recarregar as baterias, ser uma pessoa melhor para o próximo e ser exemplo para os filhos. A perspectiva é que esta (missão social) seja a primeira de muitas vezes.

Na tarde de quarta-feira, 15, Laura Tavares recebeu a reportagem do São Carlos Agora em seu consultório. Simpática, cordial e muito solicita, revelou os motivos que a levaram tomar a decisão.

Natural de Campos de Goytacazes/RJ, torcedora do Americano (clube carioca), exerce sua profissão há 24 anos e há 11 convive em terras são-carlenses. “Me mudei com a família para cá em 2008 e desde então exerço mais atividades em São Carlos”.

A ENTREVISTA

Abaixo, a entrevista com Laura Tavares que fará o seu ‘debut’ em missões solidárias. Admite ansiedade e se prepara para a ação.

MÉDICA POR QUE?

“É uma oportunidade de fazer o que eu gosto, de ganhar a vida. Mas tive inspiração desde criança dentro de minha casa. Meu pai era médico (Aloísio Tavares, in memoriam). Tinha admiração pelo que fazia. Na minha família somos em quatro irmãos e somente eu segui a medicina. Através de minha profissão conheci muitas pessoas, sempre mantive contato com o próximo e exerço o talento que Deus me deu”.

COMO CONHECEU A MISSÃO?

“Através do dentista José Luiz Sanchez, que irá pela segunda vez nesta missão. Ele fez parte da primeira e agora, da décima. Na verdade, somos amigos e conheci sua família (esposa Janaína e o filho Heitor) há oito anos durante o Encontro Maternos, um grupo de pais. Ao longo dos anos a amizade fluiu. Mas de fato conheci detalhes sobre a missão, uma semana antes dele embarcar para Óbidos, no ano passado. Em um sábado, meu marido necessitou de um atendimento odontológico urgente e o José Luiz se prontificou. Foi ao consultório e realizou os procedimentos necessários. Começamos a falar sobre a missão e me emocionou e senti a necessidade de fazer algo. Na verdade, queria ir junto”.

AMADURECIMENTO

“Essa missão encaro como um momento especial, de amadurecimento. O termo que você usou (debut) eu adorei. Realmente é a primeira vez que irei e chega para coroar um processo de autoconhecimento e que desenvolve até o nosso lado espiritual”.

POR QUE IR?

Me interessei ir na missão por ser, primeiramente, um movimento católico. Sou religiosa e praticante. E pelo local: conhecer o Amazonas, o Estado”.

E O ATENDIMENTO?

Penso que atender pessoas acometidas de algum tipo de enfermidade, fazemos a todo momento. Existe sempre esta demanda. Mas poder estar junto a outros profissionais e poder praticar o bem, sem ver a quem, é algo muito especial”.

O QUE AGREGA?

“Acredito que iremos em um barco, longe dos grandes centros, longe da tecnologia atender pessoas que necessitam de todo tipo de ajuda em um local rústico. Será uma forma, para nós, de recarregar nossas baterias. Voltar para nossa casa preenchidos com amor e carinho e impactar outras pessoas. Que possamos propagar esta missão e que mais pessoas possam fazer a mesma coisa e continuar a fazer o bem”.

SER MELHOR QUE ANTES

“Quero crescer como ser humano. Aprender a ser uma pessoa melhor para o próximo. Ser exemplo para meus filhos”.

SEGUE OU PARA?

“Sinceramente? Espero que essa seja a primeira de muitas missões. Se Deus permitir, claro”.

A DEBUTANTE

Laura, antes da entrevista elaborou um texto onde procurou passar tudo o que sente nesta sua primeira missão solidária que tem como finalidade proporcionar conforto, dignidade e qualidade de vida para pessoas que têm dificuldades em procurar atendimento médico e odontológico.

Abaixo, o texto da médica, em sua íntegra:

“Debutar é um rito de passagem para uma nova vida, geralmente motivo de celebração. Fazer parte da Missão no Barco é motivo de grande alegria. É a comemoração do meu SIM para o Cristo que já vive em mim. É concretizar a palavra do sim ser sim (Matheus 5,37 – Seja, porém, a tua palavra: sim, sim; não, não).

Não quero passar a idéia de estar me sentindo superior ou de um ser angelical, longe disso. A todo momento nos perguntamos o quão pequenos somos diante da grandeza Divina. Quando São Paulo diz que “já não sou eu que vivo, mas o Cristo que vive em mim” a gente se pergunta como é possível sentir Jesus como parte? Sinto-me desconfortável porque reconheço ainda uma enorme distância a ser percorrida, muita imperfeição e despreparo.

Mas debutar significa também que a gente já passou por algumas experiências, já provamos de sensações boas e ruins e em algum momento já fizemos a pergunta daquela música de Pe Zezinho: O que é preciso para ser feliz? (E a sequência é tão reveladora que chega a nos intimidar: amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu, sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria...)

De forma muito singela; aliás toda a vida e todas as ações de Jesus são sempre de uma simplicidade que nos constrange, debutar significa dar sentido à vida através desse manual de instruções deixado por Jesus. Debutar é celebrar esse norte, essa bússola consoladora que nos aceita do jeito que somos com todas as nossas imperfeições, inseguranças e medos. É deixar para traz o que não convém mais (Tudo me é lícito, mas nem tudo me convém é uma frase extraída do ensino do apóstolo Paulo em 1 Coríntios 6:12) e servir, multiplicando os talentos.

A vida de todos nós está inserida numa sociedade de serviços. A todo tempo estamos servindo. Na sua sabedoria infinita, Jesus reconhece essa potencialidade do servir e nos diz: Vinde a mim, vós que estás cansado. O verbo no imperativo está propositalmente no imperativo, exigindo de nós a ação, o primeiro passo. Debutar é entender esse chamado.

Há um provérbio hindu que diz: Quando damos um passo na direção de Deus, ele dá sete passos em nossa direção. Sete sempre simbolizando o infinito. Porque é assim que Deus age na nossa vida, sempre dando mais, sendo mais. É a generosidade infinita de Deus que nos ama como não somos capazes de compreender. Debutar na missão do barco é ter o privilégio de poder saborear desse AMOR que nos fortalece para a caminhada diária. Que nos ensina a perdoar, que nos ajuda a resignificar velhos conceitos, a agradecer por tudo que já temos.

É poder conviver com pessoas que também descobriram esse norte e que compartilham das mesmas convicções. É servir quem precisa, através do que já aprendemos até aqui. Aliviar a dor do irmão necessitado, se inspirar na simplicidade.

Recarregar a bateria e voltar para ser fermento e levedar uma massa inteira (Gálatas: 5.7-9). Porque sendo fiel no pouco, poderemos ser fiel no todo. Poderemos ser exemplo dentro de nossas casas, poderemos ser solidários no dia a dia. Debutar no barco é celebrar a alegria e o amor e depois ficar com esses sentimentos gravados em nós de forma a impactar outros corações ao nosso redor. Contagiar os outros para que essas missões se multipliquem porque haverá um só rebanho (João 10, 14-16), um só povo, livre de preconceitos, de dores e de sofrimento. Assim todas as peças do quebra cabeça estarão conectadas pela grande e infinita misericórdia de Deus.

E... ao chegar o fim do dia, eu sei que dormirei muito mais feliz...”

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