Falar de aborto não é tarefa fácil. Quando trazemos à memória a questão do aborto, com certeza remetemo-nos também às questões políticas, sociais e os direitos das mulheres que com ele estiveram sempre subjacentes. Não pretendo manifestar a minha opinião pessoal, mais filosófica sobre o tema, e trazer à luz algumas questões psicológicas que lhe estão frequentemente adjacentes.
Primeiramente é fundamental definir Aborto. Vou, então, elencar-me à definição dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que entende aborto como sendo a interrupção de uma gravidez antes que o feto seja capaz de vida extrauterina independente. Segundo os parâmetros médicos esta situação corresponde às 28 primeiras semanas de gestação, contando a partir do primeiro dia da última menstruação normal.
Existem duas classes, muito bem definidas de aborto: o espontâneo e o provocado. No primeiro a interrupção da gravidez não é intencional, enquanto, no segundo, estando ou não dentro da lei, tudo é deliberado. O aborto provocado é, sem dúvida, o mais prejudicial para a saúde da mulher, tanto física como mental. A nível físico porque na maioria das situações é realizado por pessoas não habilitadas, o que pode gerar doenças ou até mesmo a morte. Contudo, neste artigo gostaria de focar-me no prejuízo mental que frequentemente acarreta.
Seja qual for a situação a mulher sofreu uma perda. E se ela não se permitir vivenciar essa perda passando pelas fases da negação, da perda, da raiva, da culpa, do medo e do ressentimento, poderá desencadear prejuízos psíquicos dificilmente reversíveis. O que acontece é que como o aborto provocado é muitas vezes negado, todos estes sentimentos serão recalcados e a restauração não acontecerá.
Foi realizado um estudo na Dinamarca em que 61 mulheres foram entrevistadas antes e depois de sofrer um aborto provocado. No pós-aborto 28% das mulheres relataram sentimento de culpa e 30% delas reconheceram que o aborto influenciou negativamente as suas relações. É interessante referir ainda que 52% das mulheres, dois dias antes do aborto, já foram consideradas com sintomas psiquiátricos.
O aborto provocado traz consigo uma serie de sintomas, poucas vezes falados, que podemos denominar de Síndrome Pós-Aborto. Esta síndrome inclui sintomas como o entorpecimento de sentimento, perturbações do sono e pesadelos, alucinações e pânico. Perante este quadro, e os sentimentos de culpa constante, em alguns casos surge o desejo de “reparar o aborto” com outra gravidez. O que, não raras vezes, levará a um outro e outro aborto. Sentimentos de autocondenação e perda da autoestima são extremamente frequentes o que pode, em casos extremos, levar até ao suicídio. Tudo isto, porque a relação biológica e psicológica da mãe com o filho são irrefutáveis.
O aborto é um ato extremamente violento contra a mulher. Qualquer que seja a mulher que passa por ele tem que ser tratada através de um diálogo não condenatório, mas de aceitação das próprias convicções. Um diálogo em que se compreenda e aceite a profunda dor da mulher. Não dar lugar ao silêncio, mas proporcionar o luto pela morte de um filho. O aborto quebra a relação primordial que a mãe estabelece com o seu filho desde a sua concepção e a única forma de vencer a síndrome é restaurando esta relação.
Discute-se a legalização do aborto aplicado à ontogênese humana (processo de desenvolvimento de um determinado Ser, desde a sua concepção até à sua morte). Recorde-se, por outro lado, que legalizar significa, grosseiramente, dizer que aquilo que se legaliza é “bom” para a sociedade.
A questão do aborto (voluntário ou não voluntário) é frequentemente colocada como se a decisão de interromper a gravidez fosse fácil, e a mulher, mais ou menos indiferente a esse ato. Refletir sobre um tema como o aborto, é pensar sob um tema tão polêmico quanto necessário. Refletir criticamente é muito mais do que isso e transborda o círculo restrito do pensar comum – é questionar as diversas situações em causa e os dilemas éticos subjacentes, tendo em vista o respeito pela integridade humana.
(*) A autora é graduada em Psicologia pela Universidade Paulista. CRP:06/113629, especialista em Psicologia Clínica Psicanalítica pela Universidade Salesianos de São Paulo e Psicanalista. Atua como psicóloga clínica.
Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.