sábado, 20 de abril de 2024
Memória São-carlense

Uma escola chamada Jesuíno de Arruda

05 Jul 2019 - 07h00Por (*) Cirilo Braga
Uma escola chamada Jesuíno de Arruda - Crédito: Divulgação Crédito: Divulgação

No ano de 1957, São Carlos completava o centenário de sua fundação e, já então conhecida como a “Atenas Paulista”, pela profusão de cursos e centros de ensino que abrigava (acabava de conquistar uma escola de Engenharia da USP), o clima era propício para investimento em educação e cultura. E a atmosfera favorável a se colocar o pensamento no futuro. O que são a educação e a cultura senão sementes para o que virá?

A charmosa cidade dos bondes vermelhos da Companhia Paulista de Eletricidade, das chaminés das fábricas e da reconhecida brisa que em pouco tempo lhe renderia o codinome de “Capital do Clima”, tinha entre seus presentes de aniversário a criação de uma escola idealizada pelo professor Luís Augusto de Oliveira, falecido em 1956.

Coube ao deputado estadual Vicente Botta a tarefa de apresentar na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo a proposta que resultou na lei 3946, publicada no dia 3 de julho de 1957, instituindo o Ginásio Estadual de Vila Prado.

A denominação de Jesuíno de Arruda, homenagem ao cofundador de São Carlos, foi sacramentada por lei publicada no dia 21 de julho do ano seguinte.

A instalação propriamente dita ocorreu cinco meses antes disso, em 20 de fevereiro de 1958 e a autorização para funcionamento em 7 de março, no prédio da atual escola Bispo Dom Gastão. No início eram apenas 77 alunos matriculados nas primeiras séries do curso ginasial, com aulas no período noturno.

A história registra que a mudança para o prédio atual – na praça Dona Maria Gertrudes de Arruda, – se consolidou no dia 4 de novembro de 1959. O local estratégico, na divisa da Vila Sônia com a com Vila Prado no sub-Distrito Ana Prado, área também denominada Bela Vista São-carlense, colocaria o ginásio – e depois colégio estadual (assim definido pela lei 8158, de 1964) – numa posição de propulsor do desenvolvimento daquela região da cidade.

Se alguém tiver alguma dúvida do quanto uma escola impulsiona o progresso de uma comunidade, basta olhar para a maneira como a escola Jesuíno de Arruda acompanhou o desenvolvimento da Vila Prado, o bairro mais antigo e também o mais extenso de São Carlos. Gerações de jovens nascidos nos bairros da porção sudoeste da cidade, matriculados na Jesuino de Arruda ali tiveram a base de sua formação educacional.

“Aquela população humilde da Vila Prado, formada em grande parte por operários das indústrias e funcionários da tecelagem e da ferrovia, depositava todas as esperanças na escola”, lembra Azuaite França, professor que começou a dar aulas na Jesuíno de Arruda em 1969. “A Vila era pequena o suficiente para que a gente fosse solidário e tivesse a todo instante a possibilidade e a capacidade de se abraçar, de se irmanar e defender bandeiras comuns e a harmonia das pessoas e a luta pelo futuro”.

Nenhum outro elemento é mais forte para estabelecer o vínculo de uma pessoa com um lugar, a sua completa identificação com uma localidade, do que uma escola tornada referência no ensino. A escola Jesuíno de Arruda tem esse condão por manter um bom conceito no ensino médio, desde os tempos do curso científico (até 1967), passando pelo curso colegial, o segundo grau até o formato atual.

Dos tempos do primeiro diretor, o professor Carlos Alberto Erbolato, sucedido pelo efetivo professor Antonio Joaquim Rocha até os tempos atuais, a escola marcou a trajetória de seus alunos pela excelência das atividades didáticas e também esportivas. Basta dizer que já no ano de 1969, quando a Comissão Central de Esportes (CCE) realizou a primeira edição dos Jogos da Primavera (competição poliestudantil que reuniu todos os estabelecimentos de ensino de grau médio da cidade) a Jesuíno de Arruda alcançou o pódio nas principais modalidades. (Diga-se, o desfile de abertura teve presença de Nelson Prudêncio, já medalhista olímpico de salto triplo).  Naquela primeira edição dos Jogos, as equipes do Jesuíno de Arruda tiveram destaque no basquete masculino infantil, basquete feminino, atletismo juvenil masculino e infantil, futebol de campo e futsal infantil.

Se a estrutura física da escola inclui 22 salas de aula, biblioteca, laboratórios de Química e Física, sala dos professores, secretaria e quadras poliesportiva e de voleibol, é no empenho da comunidade escolar que o estabelecimento construiu seu conceito. Quem estudou na Jesuíno de Arruda tem sempre uma boa história para contar sobre as atividades de que participou no ensino fundamental e médio. E quem ali trabalhou também acumulou recordações de bons tempos. Os participantes do Grêmio Estudantil e os mestres que por longo tempo deram aulas na escola guardam para sempre as passagens vividas naquele espaço tão caro à memória afetiva de cada um.

“Nas aulas noturnas, com muita frequência, a gente saía pela Rua Larga ou pela Avenida Sallum, professores e alunos juntos, fazendo serenata. Lena Longhin, Nilson, Ana, tantas pessoas que saiam irmanados, porque escola era isso: na nossa visão, escola não era uma instituição mecânica em que o professor dava aula, ensinava algum conteúdo, terminou, acabou, vamos embora, se encerrou. Não. A vida continuava”, lembra Azuaite. “E a aula que a gente podia dar mostrando atitudes era muito mais profunda, era muito mais educadora”.

A escola humilde foi crescendo em qualidade, em envolvimento, em compromisso; o bairro colocava esperanças sobre ela e os professores queriam que a escola crescesse. “A escola Jesuíno de Arruda se tornou a escola do mais distinto desempenho das escolas públicas ou privadas de São Carlos”.

Alguém disse que a memória é o único paraíso do qual não podemos ser expulsos. Nada mais certo quando falamos da memória afetiva dos que viveram bons tempos no ambiente escolar que molda o futuro. Sem memória não existe identidade, porque aqueles que vieram antes ajudaram a construir o que vemos hoje, formando uma grande corrente que une passado e presente, e projeta o que virá.

A história da Escola Estadual Jesuíno de Arruda se define pela palavra entusiasmo. Muitos dos que ali estudaram guardam grandes lembranças da época do ginásio e do colegial, de períodos vibrantes sob a direção do professor Wilson Wady Cury e das vitórias nos esportes – inclusive no âmbito estadual - sob o comando da professora Neusa Golinelli.

Em 1977, o professor Wilson, então auxiliar de direção do Colégio Estadual, convidou para lecionar na Jesuíno de Arruda o professor Aduar Kemmel Dibo. O então cronista social Adu, que passou a dar aulas em 15 classes com um total de mais de 500 alunos, relatou ter encontrado na escola um ambiente bastante receptivo a seu estilo de lecionar. Numa nota publicada em sua coluna no jornal “O Diário”, o professor destacava a atuação de Wilson Cury e da então diretora Josefina Zanollo Biazzoto, que priorizavam o diálogo “fazendo-se respeitar, impondo disciplina com justiça e ponderação”. Enquanto ali esteve, Adu se tornou um divulgador dos eventos escolares e defensor de melhorias no Colégio Jesuíno de Arruda. E foi assim com muitos outros professores, uma extensa relação de grandes educadores que lecionaram na escola, entre eles o saudoso Osmar da Silva, que adorava a escola e apreciava contar histórias da Vila Prado.

A lista de ex-professores e alunos inclui pessoas com participação destacada na sociedade local, entre eles pesquisadores, profissionais liberais, prefeitos, vereadores e presidentes da Câmara Municipal.

Uma característica marcante na trajetória da escola estadual é sua inclinação para atividades relacionadas à literatura e à comunicação – que ajudam a expandir os horizontes de seus alunos como cidadãos.

Não é qualquer escola que mantém parcerias para a realização de projetos como o Educomunicação, iniciado em 2004 com um programa na Rádio São Carlos e posteriormente realizado na Rádio UFSCar, denominado “Ensino Básico em Revista”. Atualmente, além da Rádio UFSCar, a escola mantém parceria com o jornal "Primeira Página", possibilitando a existência da "Academia de Letras da Escola Jesuíno de Arruda" que tem incentivado os estudantes na produção de artigos de opinião publicados semanalmente.

A coluna “Ensino Básico em Revista” se tornou uma vitrine do estímulo à criatividade, à comunicação e expressão dos jovens estudantes. Em 2014 e 2015 foram produzidos dois curtas metragens numa produção da escola com o curso de Imagem e Som da Universidade Federal de São Carlos sob coordenação da Professora Doutora Débora Burini, dentro do projeto Educomunicação (iniciado em 2004), pelo qual produção dos alunos transpõe os muros da escola alcançando a comunidade pelos meios de comunicação. ("Primeira Página", Rádio UFSCar e TVE). Registre-se ainda o projeto musical "Quem canta os seus males espanta".

Espanto é o que define a profusão de novidades numa escola pública onde é possível encontrar o idealismo daqueles que dão vida ao prédio de concreto. A mais importante lição de uma escola assim é a de que o estudo transforma.

Alenta descobrir a história da Escola Estadual Jesuíno de Arruda – apesar das dificuldades de toda escola pública – em boa medida traz no seu bojo algo do que disse o educador Rubem Alves:

- Eu acho que a primeira função da educação é ensinar a ver - eu gostaria de sugerir que se criasse um novo tipo de professor, um professor que nada teria a ensinar, mas que se dedicaria a apontar os assombros que crescem nos desvãos da banalidade cotidiana. 

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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