sexta, 19 de abril de 2024
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MEMÓRIA SÃO-CARLENSE: Um passeio pelos caminhos da História

29 Dez 2017 - 03h42Por (*) Cirilo Braga
Foto: Arquivo Histórico e Acervo Pessoal - Foto: Arquivo Histórico e Acervo Pessoal -

Ao término do ano de 2017, "Memória São-carlense" convida os leitores para um passeio por trechos reveladores dos caminhos da história da cidade de São Carlos.

Lugares pelos quais passamos hoje continuando a trajetória dos muitos povos cujo encontro se deu no exato espaço que habitamos.

Ao longo do tempo São Carlos se transformou no seu ritmo próprio - para muitos, as imagens do passado soam apenas como retratos na parede, tal qual a Itabira do poeta. Porém, um olhar sobre a cidade antiga na perspectiva da cidade que surgiu depois dela, faz imaginar quais seriam os sonhos dos pioneiros.

"A gente tem que sonhar, senão as coisas não acontecem", dizia Oscar Niemeyer. A interiorana São Carlos, ao mesmo tempo universal e cosmopolita à luz de suas universidades e da vitalidade de suas indústrias, precisa beber na fonte dos empreendedores de outros tempos para avançar. Se há tecnologia, se há conhecimento, as condições estão dadas para que não sejam apenas títulos de uma cidade que quer e pode mais.

Convidando os são-carlenses a sonhar com uma cidade melhor num futuro próximo, a coluna deseja a todos um Feliz 2018, com energia para realizar seus projetos e renovada crença no futuro de nossa cidade.

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A esquina das ruas Episcopal e Jesuíno de Arruda foi o local de encenação de "Um Caipira Logrado", a primeira peça de teatro apresentada na cidade. Logrado, porém, é como poderia se sentir alguém que viajasse numa máquina do tempo até 1862 e procurasse pelo endereço, pois as ruas daquele cruzamento eram chamadas Santo Inácio e Itaquy. Os nomes das ruas centrais na época esbanjavam simplicidade: Rua do Comércio (atual Avenida São Carlos), Jatahy (Dona Alexandrina), Rua da Matta (13 de Maio), São Bento (Conde do Pinhal), Municipal (Major José Inácio), 2 de Dezembro (Marechal Deodoro), Da Babilônia (Padre Teixeira) e Boa Vista (Avenida Dr.Carlos Botelho).

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A Rua Episcopal, antiga Rua Santo Inácio, depois Rua do Carvalho e Rua do Bispado, já enfrentava problemas de congestionamento nos tempos em que São Carlos era apenas uma vila. Registros históricos dão conta de que trânsito de tropas e carros de boi a tornava intransitável e tirava a paciência de quem pretendia se deslocar para São Bento de Araraquara ou São João do Rio Claro. A reclamação era geral. Mudam-se os tempos, renovam-se os problemas.

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A Praça Antônio Prado, a "Praça da Estação", inicialmente chamada "Visconde de Rio Claro", testemunhou eventos que marcaram a transformação da cidade. Tudo foi acontecendo naquele cenário: a chegada da primeira locomotiva na inauguração da estrada de ferro em 1884, a visita do Imperador D.Pedro II poucos anos depois, o desembarque dos imigrantes italianos no final do século 19, os festejos da modernização do transporte ferroviário com a implantação da bitola larga e o colorido dos bondes da Companhia Paulista. O relógio na fachada da estação, instalado em 1908, parece compor uma imagem cenográfica, mas só parece: a vida real passou por ali com todas as suas cores.

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A Vila Pureza foi o primeiro loteamento urbano de São Carlos, realizado pelo Major Manoel Antonio de Mattos em 1891. O Major loteou sua chácara, urbanizou, abriu ruas e praças e ao dar nome ao novo bairro aproveitou para fazer um agrado à sogra, dona Maria da Pureza. A homenageada era ninguém menos que a filha do patriarca do Pinhal casada com o Capitão João Batista de Arruda e mãe de Fausta Susana, que se casou com o Major. Graças ao empreendimento, a cidade se expandiu para aquela região da cidade, com a extensão da Rua da Raia (Rua 15 de Novembro) e Rua Boa Vista (atual Avenida Dr. Carlos Botelho).

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A Avenida Dr. Teixeira de Barros, conhecida como "Rua Larga", hoje uma alameda, merecia ter muitas cópias na cidade a partir de 1893 quando o Coronel Leopoldo de Almeida Prado a colocou, com seus 100 palmos de largura, no centro da Vila que atraiu famílias de ferroviários. Bairro peculiar por suas 10 travessas e por primazias como a de receber em suas ruas os bondes de tração animal, a primeira versão do transporte coletivo na cidade - iniciativa de vida curta que antecipava o futuro. O Coronel Leopoldo Prado enxergava longe.

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Numa região que concentrou famílias de ex-escravos que tomaram o rumo da cidade após a abolição, o Grêmio Recreativo Familiar "Flor de Maio", erguido em 1928, tem localização estratégica. A história registra que uma grande parcela deles foi morar na "vertente sudoeste da colina central" além da Biquinha (hoje Teatro Municipal), chácaras do major Rodrigues Freire (Asilo dona Maria Jacinta) e do Major Manuel Antonio de Mattos (Vila Pureza).

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A Praça Elias Sales, chamada de "Largo Santa Cruz", leva o nome do ex-prefeito morto no exercício do mandato, mas a referência mais utilizada tem a ver com a primeira capela construída na cidade. O modesto templo ainda existia quando os imigrantes italianos recém-chegados com suas numerosas famílias pousavam ali ao relento, à espera das carroças que os levariam para o trabalho nas fazendas. Muitos se estabeleceram na cidade, formando a "Piccola Calábria", entre as praças da Estação e Santa Cruz.

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O orgulho de gerações de são-carlenses pela presença dos bondes elétricos na paisagem urbana durante 47 anos sugere imaginar que um dos dias mais felizes da história foi 27 de dezembro de 1914 quando o serviço começou a funcionar. Em contrapartida, um dos dias mais tristes foi 15 de junho de 1962, em que os veículos vermelhos de fabricação belga saíram de circulação. No intervalo, romance, emoção e uma profusão de cenas que marcaram a vida de quem viveu aqueles anos dourados.

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Contada hoje, a história parece uma lenda: era uma vez um jovem técnico em eletrônica autodidata que gostava de transmitir notícias e música a princípio com um sistema de alto falantes e depois com um transmissor que ele mesmo montou. Não tardaria e Gisto Rossi inaugurava a Rádio São Carlos, no prefixo ZYA 6. O precursor das transmissões radiofônicas foi também dono de um dos maiores auditórios do país, na Rua 15 de Novembro (atual Embrapa), onde aconteceram festivais e despontaram artistas e locutores.

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O Estádio do Paulista Esporte Clube foi construído dentro do antigo hipódromo são-carlense em 1921, época em que a rua 9 de Julho ainda se chamava "Rua Uruguayana" e o futebol já empolgava os moradores de uma pacata São Carlos. O jogo inaugural registrou um empate em 2 a 2 do time da casa diante do Palestra Itália, de Araraquara. A história registrou que hipismo e futebol conviveram por muito tempo juntos na cidade. Com um punhado de craques que formou, o Paulista deixaria o seu nome gravado na lembrança.

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A Rua do Parque na Vila Nery leva este nome porque no início do século 20 funcionou nos altos do bairro um movimentado parque de diversões, no local onde mais tarde estariam o balão do bonde e a Cantina Refúgio. O parque reunia várias formas de entretenimento: bar, restaurante, jogos, brinquedos de lazer, zoológico com animais da região e até um campo de tiro, que daria origem a uma sociedade de caça e pesca. Cidade feliz aquela, em que o povo se encontrava.

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Tinha tradição o Estádio Ruy Barbosa, construído na área de um antigo cemitério e inaugurado em 26 de julho de 1931 como o primeiro conjunto esportivo municipal. Até hoje os antigos moradores da cidade têm saudades das velhas tardes de domingo em que ali brilhava a categoria do craque Zuza (Luiz Estevam de Siqueira) e eram realizadas as empolgantes partidas da Portuguesa da Vila Nery. O tempo nunca apaga para sempre as boas memórias.

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Gerações cresceram ouvindo a frase "quem bebe a água da Biquinha não pode mais viver fora de São Carlos". A "Biquinha" era uma fonte descoberta no finalzinho do século 19 pelo primeiro pároco local, o padre Joaquim Botelho da Fonseca, na Rua José Bonifácio entre as ruas Sete de Setembro e Marechal Deodoro. O padre canalizou a água por meio de uma bica, tentou guardar segredo, mas logo o povo descobriu e passou a atribuir poderes medicinais à água, mais tarde distribuída pela Prefeitura nos chafarizes da cidade.

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Ao longo da história São Carlos colecionou nada menos que seis codinomes: Princesa do Oeste na virada para o século 20; Athenas Paulista quando os centros de ensino de consolidaram; Cidade Sorriso e Capital do Clima a partir dos anos 60; Capital da Tecnologia nos anos 80 e, mais recentemente, Capital do Conhecimento. Apelidos costumam ser comuns em cidades brasileiras. Araraquara é conhecida como a Morada do Sol, Rio Claro a Cidade Azul, Bauru Cidade sem limites, Catanduva Cidade Feitiço, Sorocaba Manchester Paulista. São Carlos não fugiria à regra. Alguma sugestão para o próximo codinome?

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A pacata São Carlos do Pinhal do início do século 20 mantinha a cadeia pública no centro da cidade, junto ao Fórum da Comarca, inaugurado em maio de 1900 no Largo Municipal (atual Praça Coronel Salles). Ali também funcionava a sede do destacamento policial no andar térreo. O edifício se tornou sede da Câmara Municipal no final do ano de 1951 e recebeu o nome de Euclides da Cunha em 1960.

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Havia a "São Carlos das chaminés" no inicio do século 20, quando na cidade pontificavam tradicionais indústrias que alcançaram grande expansão no período, como as Indústrias Facchina, que produzia adubos e inseticidas agrícolas. Dela restou a alta chaminé do parque linear de hoje - o marco de uma época.

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A rua 13 de Maio ainda era chamada de "Rua da Mata" e a rua D. Pedro II era a "Rua da Palma", quando a frente do palacete residencial localizado na esquina dessas vias ficou apinhado de gente. Todos queriam acenar para o Imperador D.Pedro II e sua esposa Teresa Cristina, recepcionados pelo Coronel Francisco da Cunha Bueno. Uma cena de almanaque: o Imperador não deixou a cidade sem antes recomendar que a cadeia pública fosse separada da Câmara Municipal.

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A calma que o Calçadão da rua General Osório exibe ao amanhecer não é a mesma dos passantes do meio-dia ou do sábado, quando poucos reparam os letreiros envelhecidos que recobrem as fachadas das lojas ou o emaranhado de fios que se enrolam entre os postes de iluminação. Numa cidade interiorana não há razão para se perder a ressonância para a beleza, nem deixar de redescobrir a cada dia o lado interessante do que parece banal.

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Sob uma figueira que existia onde hoje é o ponto de ônibus, em frente à Catedral, Padre Teixeira costumava conversar diariamente com o lendário Cicciolaio, andarilho que só ao padre dava ouvidos nos momentos de crise alcoólica. Ex-militar, descendente de ilustre família italiana, que abandonou a farda para ser administrador de fazendas em São Carlos, Cicciolaio era caligrafista e desenhista e distraía as crianças desenhando figuras na calçada. O sacerdote, nascido José Teixeira da Silva, paranaense de Lapa, tinha pouco mais de 30 anos. Havia sido vigário em Paranaguá e Taquaritinga e em São Carlos marcou época em apenas quatro anos de estadia. (De 1915 até 14 de junho de 1919, quando morreu aos 36 anos e deu nome à antiga rua da Babylonia).

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