sábado, 20 de abril de 2024
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MEMÓRIA SÃO-CARLENSE: O lugar por onde passou o trem de nossa história

13 Out 2017 - 05h42Por (*) Cirilo Braga
Foto: Arquivo Pessoal - Foto: Arquivo Pessoal -

A estação ferroviária, um dos lugares mais emblemáticos da cidade, inicialmente chamada "Visconde de Rio Claro", testemunhou eventos que marcaram a transformação de São Carlos do Pinhal.

Tudo foi acontecendo naquele cenário: a chegada da primeira locomotiva na inauguração da estrada de ferro em 15 de outubro de 1884, a visita do Imperador D. Pedro II poucos anos depois, o desembarque dos imigrantes italianos no final do século 19, os festejos da modernização do transporte ferroviário com a implantação da bitola larga e o colorido dos bondes da Companhia Paulista. O relógio na fachada da estação, instalado em 1908, parece compor uma imagem cenográfica, mas só parece: a vida real passou por ali com todas as suas cores.

"A expansão ferroviária foi o elemento que mais concorreu para a constituição de um mercado integrado e todo estado de São Paulo, ligando as cidades interioranas entre si e a capital. Quase todas as primeiras fábricas de São Carlos preferiam instalar seus galpões industriais em terrenos anexos à estação ferroviária", afirma Oswaldo Truzzi, no livro Café e Indústria em São Carlos 1850-1950, obra básica para se compreender o desenvolvimento do município.

A ferrovia dava suporte às atividades da estrada de ferro responsável pelo escoamento da produção cafeeira da região, atestam os registros da Fundação Pró-Memória, cuja sede se abriga no prédio da estação.

Durante o século 20, era ali o ponto de partida e chegada dos moradores de São Carlos. O lugar, icônico para muitas gerações em função da magia exercida pelo transporte ferroviário de passageiros e a privilegiada localização da estação, nunca deixou de ser um ponto de referência. Foi a partir de sua construção que a cidade se expandiu, cabendo aos ferroviários a constituição dos núcleos habitacionais que estabeleceram a Vila Prado. O prédio da estação passou por uma reforma em 1908, quando ganhou a configuração que conservou ao longo do tempo, sendo hoje patrimônio cultural do estado.

Entre os traços característicos que São Carlos foi adquirindo se inclui a estima que os moradores tinham por relógios públicos, sobretudo nos anos 30 e 40 do século passado, quando o relógio da estação e a passagem das locomotivas serviam de referência para que as pessoas acertassem seus relógios para não perder compromissos e eventos. Além disso, o apito das 9 horas, agudo e prolongado da locomotiva da estrada de ferro, infalível e preciso, também servia para o acerto dos demais relógios da cidade, como testemunhou em uma de suas crônicas o jornalista Octavio Carlos Damiano, citando o panorama dos anos 40.

Foi dali que em 11 de julho de 1932 partiu no trem das 14h30 o primeiro contingente de voluntários de São Carlos para participar dos combates da revolução constitucionalista. O grupo desfilou da Escola Normal até a estação ferroviária chefiado pelo Dr. José Ferraz da Motta e ao todo, na ocasião, a cidade enviou 11 contingentes de soldados às frentes de batalha.

Muita gente que se radicou em São Carlos ao longo de décadas, desembarcou na cidade de trem e guarda memoráveis lembranças das viagens. O real valor de uma época, afinal, só se reconhece quando se olha com o distanciamento do tempo. A viagem de São Carlos até a estação da Luz em São Paulo, com duração de seis horas, foi certamente inesquecível para legiões de são-carlenses. As muitas paradas, os vendedores de pururuca, a elegância do cobrador, o exotismo do vagão-restaurante, tudo tinha sua poesia, que escapava aos olhos pelo cansaço e a vontade de chegar ao destino.

O fato é que a história e a tradição ferroviária de nossa região contam muito de nós mesmos. A estação ferroviária em cujo entorno circularam os diversos meios de transporte que serviram os são-carlenses - carroças, charretes, táxis, bondes, jardineiras, ônibus - segue sendo um importante ponto de referência histórica e geográfica. Não por acaso abriga o museu Cerqueira César e a "Maria Fumaça 821", de fabricação norte-americana, transferida da Praça Brasil e restaurada.

Desde o último trem de passageiros passou por ali em 16 de março de 2001, vindo de São José do Rio Preto, a estação passou a servir, do ponto de vista ferroviário, somente ao transporte de cargas e em 1998 o prédio foi definitivamente cedido à Prefeitura, a quem cabe cuidar deste que é um dos mais importantes patrimônios históricos de São Carlos.

Esta seção tem enfoque na memória coletiva de São Carlos e disponibiliza espaço para relatos e fotos de fatos e locais da cidade em outros tempos. O material pode ser enviado para: memoriasaocarlense@gmail.com.

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