quinta, 28 de março de 2024
Resplandecente alma

Filhos Parentais: Quando os filhos ocupam o vazio dos pais

05 Mar 2020 - 17h45Por Anaísa Mazari
Anaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Crédito: Arquivo pessoalAnaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Crédito: Arquivo pessoal

A chegada de um novo membro familiar ao sistema é carregada de sentidos e expectativas que podem advir dos pais e de demais parentes. O lugar que o novo membro ocupará no sistema familiar é determinado por uma diversidade de aspectos, relacionados ao momento atual da família até outros determinantes da ancestralidade, até mesmo desconhecida, mas não menos operante na atualidade dos acontecimentos. As expectativas sobre o novo ser podem ser saudáveis ou não. Emaranhamentos se revelam quando se identifica que os filhos podem estar ocupando lugares familiares que não seriam seus – algo extremamente comum e observável na clínica, nas diferentes faixas etárias, mas muito mais evidente quando pais buscam atendimentos sobretudo para filhos ainda em fase infantil. Pais que enxergam nos filhos a própria criança interior e a possibilidade de realizações que não alcançaram, apresentam dificuldades reais de enxergarem as necessidades dos filhos que podem ser muito diferentes das suas.  

Muitos adultos constituem famílias a partir da busca inconsciente de solucionar traumas infantis, projetando nos parceiros e filhos a necessidade de cuidados que obtiveram ou não em suas famílias de origem. De fato, as relações amorosas oferecem possibilidades reais de crescimento e evolução. Porém, a partir de referenciais infantilizados de obtenção de cuidado, muitos adultos buscam nessas relações, segurança – quando na realidade é uma grande aventura e desafio relacionar-se com parceiros e filhos, através das novidades que surgem nas diferentes fases da vida. Buscam através de papéis adultos, como casamento, maternidade e paternidade, satisfazerem necessidades infantis. As projeções quando não trazidas à consciência, perduram e ocasionam disfunções. Pais então, ao invés de fazerem o papel de preparar o filho para a vida, buscam neles o cuidado de que suas respectivas crianças interiores necessitam, constituindo os filhos com a característica parental.

Filhos com tal característica, desde muito cedo, manifestam em idades precoces, autoridade sobre os pais, são governantes do lar familiar, ocupam papel de centralidade e se comportam de forma adultizada – nem sempre reprovável, mas de forma “amadurecida” demais em momentos da vida ainda pouco pertinentes, comprometendo a hierarquia do sistema. Aspectos maduros demais em crianças por vezes são até valorizados pela família como algo positivo – mas sinalizam que dinâmicas pouco saudáveis estão operando no sistema, o que poderá ser melhor observado na idade adulta através de outras dinâmicas pouco saudáveis que começam a acontecer.

Filhos parentais recebem ao longo de sua infância mensagens diversas e algumas inconscientes, que reforçam que têm um papel no sistema do qual não podem abdicar ao longo da vida. Na maioria das vezes, aparece representado nas constelações familiares entre os pais, ocupando o vazio do casal, ou assumindo função de cuidado de algum deles ou até de ambos, como se fosse uma troca de funções. Ao invés de receberem cuidados, não apenas físicos, mas sobretudo emocionais, o que seria saudável na infância, para mais tarde se tornarem adultos capazes de doarem amor e ocuparem papéis adultos através de relações saudáveis, permanecem fiéis e subservientes aos desejos parentais. São “montados” de forma a suprirem emocionalmente os pais de muitas maneiras, através de projetos de vida, realização de sonhos que não seus, até mesmo cuidando pessoalmente de todas as necessidades que surgem ao longo do tempo, com a chegada de adoecimentos na família ou mesmo da terceira idade. Não estão autorizados a seguirem para a vida dentro da naturalidade evolutiva dos sistemas, estando aprisionados, olhando para o passado e assim, perdendo as oportunidades do presente e do futuro. A contrapartida dos filhos parentais de atenderem às expectativas dos pais, visa inconscientemente agradá-los e serem vistos como certamente não aconteceu na infância. Salienta-se ainda que a partir do ponto de vista sistêmico, famílias com essas configurações morrem ao longo dos séculos, em razão da perda de foco no presente e futuro.

Com a fixação da energia no passado, a continuidade saudável da família é impedida. Haverá a tendência de novos descendentes com a mesma característica parental ou mesmo, a ausência de descendentes, culminando na morte da família. Funções em ordem e em equilíbrio nos sistemas familiares alimentam o sistema Vida de forma contínua e natural, preservando a existência humana e sua evolução. Que o compromisso de todos nós seja com o todo maior – o que não exclui possibilidades saudáveis de aproximação com pais e ancestrais – mas sempre priorizando a continuidade da vida, para onde todos os sistemas saudáveis devem caminhar.  

 

Anaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. CRP 06/100271, especialista em  Saúde da Família e Comunidade através do Programa de Residência Multiprofissional da UFSCAr,   Terapeuta e Consteladora Sistêmica através do Instituto Brasileiro de Consciência Sistêmica - IBRACS Ribeirão Preto. Atua como psicóloga clínica e Consteladora.

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