Desde janeiro de 2017, ou seja, há mais de 500 dias, a população são-carlense vem sofrendo com o fechamento da UPA do Santa Felícia. Durante esse período, a prefeitura tratou o tema como uma questão temporária, com resolução em breve. Porém, na última semana, a cidade recebeu uma triste notícia: o Ministério da Saúde descredenciou a UPA do Santa Felícia, desta forma não repassará mais recursos ao município para custeio desse equipamento público.
Os problemas com a UPA iniciaram-se devido à falta de médicos na rede pública, para manter o atendimento na Unidade. O principal entrave era a forma de contratação dos profissionais. Até então, os médicos eram contratados por Recibo de Pagamento Autônomo (RPA). Nesse modelo, havia vantagem para os profissionais, pois eles não tinham vínculo empregatício com a prefeitura, podendo manter consultórios e atender eventualmente nas unidades públicas de saúde; além do pagamento ser menos tributado em relação a uma contratação tradicional, por regime CLT. Para a prefeitura, a vantagem é que esse tipo de contratação não gera obrigações trabalhistas, como pagamento de FGTS, 13º salários, férias, entre outros, reduzindo o custo de contratação.
Porém, no final de 2015, o Tribunal de Contas do Estado determinou que a prefeitura deixasse de contratar médicos utilizando essa modalidade. Cerca de 135 médicos foram demitidos da prefeitura, que passou a realizar processos seletivos simplificados e concursos públicos para tentar contratar médicos. Em vão. O problema da falta de médicos seguiu, mantendo as UPAS do Santa Felícia e Cidade Aracy fechadas, sobrecarregando o atendimento na Santa Casa e na UPA da Vila Prado, visto que o pronto atendimento do Hospital-Escola também foi bastante reduzido.
Embora tenha conseguido reabrir a UPA do Cidade Aracy (sala de estabilização), a população ainda sofre com os poucos equipamentos públicos de saúde à sua disposição, sendo que vários deles estão parados pela falta de ação do poder público em trazer soluções para o impasse. Apenas a UPA do Santa Felícia, agora descredenciada pelo Ministério da Saúde, recebia R$ 100 mil por mês para manter-se em funcionamento e tinha capacidade de realizar quase 4.500 atendimentos médicos por mês.
No início de 2017, a prefeitura de São Carlos estava gastando mais de 54% de sua Receita Corrente Líquida com pagamento de funcionários, estando acima do limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Desta forma, aumentar salários seria um crime de responsabilidade, passível de punição pela Justiça. É nesse contexto que o gestor público precisa buscar inovações para implementar soluções, em prol da garantia da prestação dos serviços públicos à população.
E mesmo sabendo do caos que poderia criar na saúde do Município, a Prefeitura de São Carlos optou por rejeitar proposta do Ministério Público de gradativamente, em caráter transitório, alterar o regime de pagamento dos médicos por RPA em um prazo estimado de um ano, tudo para não deixar a população desamparada e não acarretar o fechamento das UPAs. Por isso, precisamos nos perguntar:
Por que a Prefeitura de São Carlos não aceitou a proposta do Ministério Público? Por que a Prefeitura contratou uma empresa para prestar serviços médicos somente na UPA da Vila Prado? Não seria possível reabrir a UPA da Santa Felícia, também? Por que a Prefeitura simplesmente não o fez?
Não vemos outra saída, senão percebermos que escolhas equivocadas e má gestão prejudicaram a todos os são-carlenses e continuamos diariamente a sentir seus efeitos como o atual descredenciamento da UPA da Santa Felícia, que, infelizmente, continua fechada e que poderia ter estado em funcionamento durante todo este tempo caso fosse adotada, por exemplo, a proposta do Ministério Público.
É inadmissível que a falta de soluções e inovações dos gestores públicos penalizem a população, principalmente os mais carentes, que dependem dos serviços públicos de Saúde. Pior ainda se a prefeitura for obrigada a devolver os recursos que recebeu do Ministério da Saúde (o que provavelmente irá ocorrer), no período em que a UPA esteve fechada. Será um prejuízo dobrado para a cidade. E um atestado de incompetência.
(*) O autor é advogado, especialista em Direito Público e mestre em Gestão e Políticas Públicas, na Fundação Getúlio Vargas - FGV/SP.
O exposto artigo não reflete, necessariamente, o pensamento do São Carlos Agora.