Para a maioria do cidadão comum são-carlense, falar da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pode significar nada: contudo, para o grande contingente de pesquisadores que desenvolvem seus trabalhos aqui na cidade de São Carlos, quer nas empresas de base tecnológica, quer nos centros de pesquisa, quer nas universidades sediadas em nossa cidade, a sigla Fapesp diz bastante: é o maior órgão estadual de financiamento de pesquisas do país, logo, é a base para o desenvolvimento científico e tecnológico nacional. Sem os apoios financeiros atribuídos pela Fapesp, a ciência e tecnologia nacionais ainda estariam na Idade da Pedra e o Estado de São Paulo nunca teria assumido a liderança no conhecimento científico.
Muito bem: em desrespeito à Constituição estadual, o Projeto de Lei Orçamentária foi emendado pela Assembleia Legislativa no último dia 21 de janeiro e reduziu para menos de 1% da receita ordinária anual do Estado a dotação destinada à Fapesp para 2017, de R$ 1,116 bilhão para R$ 996 milhões, um corte de R$ 120 milhões.
O argumento dos deputados é que essa verba será destinada à revitalização de 19 institutos de pesquisa paulistas e que a dotação total da Fapesp, incluindo aí verbas que vêm do governo federal, ultrapassa o 1% das receitas previstas pelo Estado para 2017. Mas, é importante ressaltar que a Constituição Estadual Paulista determina que é o governo do Estado quem tem a obrigação de dotar a Fapesp de 1% de sua receita ordinária, baseado em sua estimativa de arrecadação para o ano; recursos oriundos de outras fontes não entrariam nessa cota.
"Mas, tudo bem, e o cidadão são-carlense com isso?" - poderão perguntar alguns. Bem, diretamente o cidadão poderá não ter nada a ver com mais essa "ignorância" do senhor governador, mas se eu disser que em 2016, a FAPESP destinou cerca de 84 milhões para a pesquisa que se desenvolve em nossa cidade, as opiniões podem começar a mudar, atendendo a que parte dessa verba foi distribuída, de forma direta e indireta pelos mais variados setores da nossa sociedade (comércio, indústria, bens e serviços, etc).
Até agora, foram muitas as missivas de protesto que chegadas ao Palácio dos Bandeirantes, oriundas de quase todas as associações científicas sediadas no estado, incluindo a ACIESP - Academia de Ciências do Estado de São Paulo.
A este respeito e com a devida vênia, não resisto a transcrever o texto elaborado por um dos mais renomados cientistas brasileiros, residente em São Carlos, o Prof. Osvaldo Novais de Oliveira Jr., que normalmente é muito comedido em suas apreciações, só que neste caso, o tempo fechou para o acadêmico:
"Vocês devem estar acompanhando os protestos contra o governador Geraldo Alckmin a respeito do corte no repasse de verbas para a Fapesp. Nesta mensagem, esclareço a gravidade da situação.
A FAPESP é uma fundação que financia pesquisa e inovação tecnológica em todas as áreas, para qualquer instituição, aluno ou pesquisador que vive no Estado de São Paulo. Desde a década de 1960, ela recebe uma porcentagem fixa da arrecadação do Estado: era 0,5% até 1989 e passou a 1% desde então. Com esse repasse, em 2016, a Fapesp investiu cerca de R$ 1 bilhão. Em toda sua história, não há denúncias de corrupção no uso desses recursos da Fapesp, que é administrada por cientistas, independentes do governo. Ou seja, todo o dinheiro chega a seu usuário final, aluno ou pesquisador.
O financiamento estável graças ao repasse de 1% permitiu que as universidades, centros de pesquisa e empresas criassem toda a tecnologia que faz de São Paulo o estado mais desenvolvido do Brasil. Só para dar um exemplo, 50% da produção científica do país saem de São Paulo, que tem só pouco mais de 20% da população brasileira.
Em dezembro de 2016, a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou, e o governador sancionou, uma emenda ao orçamento de 2017 que, na prática, reduz o repasse à Fapesp para 0,89%, o que corresponde a uma perda de aproximadamente R$ 120 milhões. Além da queda do repasse, o maior risco para a Fapesp é a insegurança, pois abre-se um precedente perigoso. Pode ser que governantes no futuro diminuam ainda mais o repasse. Isso nunca havia ocorrido no Estado de São Paulo. Desde a década de 1960, todos os governadores respeitaram o percentual estipulado como mínimo na Constituição do Estado (1% hoje). Mesmo durante a ditadura ou nas graves crises por que o Brasil já passou.
As consequências dessa atitude do governo serão inicialmente mais sentidas pelas universidades, pesquisadores e alunos de ensino superior. Mas, com o tempo, os efeitos chegarão a todos da sociedade. Sei que pode não ser fácil demonstrar porque investimento em educação, ciência e tecnologia melhora a vida das pessoas. Vou usar exemplos de medicina, que são sentidos mais diretamente.
O Brasil tem hospitais excelentes, como o Sírio-Libanês, Albert Einstein, Incor, Hospital das Clínicas da USP, Hospital de Câncer de Barretos, etc., comparáveis aos melhores do mundo. Por que estão todos no estado de São Paulo? Porque é em São Paulo que se formam muitos médicos, desenvolve-se muita tecnologia para a área médica, sempre com participação das universidades, cuja pesquisa é financiada primordialmente pela Fapesp.
O tratamento de câncer de pele com laser está disponível até em hospitais do SUS, devido a tecnologia criada na USP de São Carlos, com recursos da Fapesp. Infartos ou problemas cardíacos matam muito menos do que no passado. Com novos materiais obtidos de pesquisa, fabricam-se cateteres para cateterismo e para implantar stents.
A Fapesp também financia inovação tecnológica em empresas. Para as microempresas, os recursos são doados para que desenvolvam novos produtos. Há alguns anos, um levantamento mostrou que para cada R$ 1,00 investido pela Fapesp havia um retorno de R$ 6,00 para a Sociedade. Assim, as novas tecnologias serviram para melhorar a vida da população, e ainda gerar impostos e riqueza.
A destruição da FAPESP, que poderá ocorrer se houver ataques como o realizado agora pelo governo Alckmin, será um dano irreparável para a sociedade do estado de São Paulo."
*Prezado governador, uma vez mais vossa senhoria meteu o pé na jaca.