terça, 16 de abril de 2024
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Artigo Rui Sintra: Brasileiros de 2ª Categoria

10 Nov 2017 - 09h48Por (*) Rui Sintra
Foto: Divulgação - Foto: Divulgação -

Não sou advogado - longe disso - e tenho o maior respeito por essa classe, que muitas vezes tem saído a público se manifestando e/ou defendendo causas importantes junto da sociedade, nomeadamente através de sua organização de classe - a OAB. Também é fato que, como qualquer outra classe, por vezes ela tem cometido alguns erros, quer na avaliação de determinadas situações, quer na interpretação de fatos, mas isso é natural e faz parte da condição humana - errar: isso pressupõe, claro, retratações, algo que sempre fica bem no contexto ético e deontológico.

Neste artigo, vou falar em erros, mas não aos que vulgarmente são cometidos; vou escrever sobre erros morais, como é o caso da tão polêmica decisão dos advogados terem atendimento prioritário em agências do INSS, fato que está gerando uma onda de indignação na sociedade.

É bom lembrar que o atendimento prioritário a advogados em agências do INSS foi concedido liminarmente em 2015, mas foi suspensa por embargos de declaração apresentados pelo INSS e, agora, restabelecido pela Justiça Federal, através de ação civil pública perpetrada pelo Conselho Federal da OAB contra o INSS, alegando desrespeito a prerrogativas da advocacia após receber reclamações de advogados em relação ao atendimento nas agências do Instituto. Desta forma, é garantido o atendimento sem agendamento prévio, em local próprio e independente de distribuição de senhas, durante o horário de expediente no INSS.

E o aspecto do erro moral reside exatamente aqui, uma disputa que poderia ter sido evitada, quer por parte do INSS, quer pelo lado da OAB, pois no fim de tudo é o cidadão comum que, com isso, se sente ofendido na sua dignidade, se sente como se fosse um Brasileiro de 2ª categoria. Ou seja, alguém que tenha dinheiro suficiente e, por exemplo, queira tratar de sua aposentadoria, contrata um advogado, este vai ao INSS e nem sequer precisa agendar atendimento: fura a fila, dirige-se a um local específico e pronto, em minutos seu cliente tem o problema resolvido. Quem estiver na fila, apenas terá que esperar a sua vez e talvez tenha seu problema resolvido dentro de alguns meses (como é habitual). Em suma, esse procedimento pode ser considerado uma ofensa para o cidadão comum e poderá ser visto, em termos latos, como um incompreensível privilégio que distingue pessoas (as mais ricas e as mais pobres), algo que está na contramão com o que se pretende para a sociedade brasileira (de todos os cidadãos serem tratados de igual forma), com o risco da imagem da OAB se diluir com outras agremiações que pautam sua consolidada existência nas pedras basilares do corporativismo.

Por outro lado, vejamos o seguinte: se um idoso, uma gestante, ou uma pessoa com necessidades especiais estiver com a senha nº 1 para ser atendida no INSS e um advogado passar na sua frente, como deverá se proceder perante a Lei N.10.048 - 2000 - Prioridade de Atendimento a Idosos, Deficientes e Gestantes? Será o advogado que deverá ser atendido primeiro, ou não?

Creio que outras soluções poderiam ter sido encontradas para que os advogados pudessem ter o direito a um atendimento talvez mais diferenciado (ou exclusivo), sem que com isso se prejudicasse ou ofendesse as centenas - milhares - de cidadãos que diariamente procuram o INSS, principalmente para dar entrada em suas aposentadorias. Furar a fila, dessa forma, não resolve o problema e dá a sensação que o "jeitinho brasileiro" foi, neste caso, definitivamente legalizado. Tudo indica que as necessidades dos mais poderosos se sobrepõem, uma vez mais e neste caso concreto, às dos mais fracos. É uma pena.

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