sexta, 26 de julho de 2024
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Abortos e o Pertencimento aos Sistemas Familiares – a Inclusão necessária para a continuidade saudável

28 Fev 2020 - 17h37Por Anaísa Mazari
Anaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Crédito: Arquivo pessoalAnaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Crédito: Arquivo pessoal
Bert Hellinger, o criador das constelações sistêmicas, método terapêutico que acessa aspectos inconscientes poderosamente operantes na história dos sistemas familiares, identificou três leis universais que regem os sistemas em geral. As Leis Sistêmicas, denominadas por Hellinger como as Ordens do Amor são estruturadas em três leis que devem ser respeitadas para o desenvolvimento e a continuidade saudável dos sistemas: Lei do Pertencimento, Lei do Equilíbrio (entre o dar e receber nas relações de afeto), Lei da Hierarquia (mais antigos do sistema são mais fortes, mas as prioridades no sistema são dos mais novos e dos subsistemas mais atuais).
 
Muitos sistemas familiares trazem em si perdas significativas de seus membros, muitas vezes não elaboradas, até porque o cuidado e a maior sensibilidade para os aspectos em geral e impactos na saúde emocional se tornaram preocupações legítimas apenas na contemporaneidade. Nossos pais e avós dificilmente teriam tanta atenção para a própria saúde mental e autocuidado emocional como acontece na atualidade. Acontecimentos trágicos, perdas, situações desfavoráveis em geral eram na maioria das vezes reprimidos no âmbito familiar e se tornavam até mesmo segredos de família, intocáveis e jamais verbalizados. E nos tempos atuais, muitas pessoas, até mesmo por fidelidade inconsciente às famílias de origem, tendem a repetir o mesmo padrão para lidarem com as dores da alma. Ao invés de darem um lugar para a dor se expressar, reprimem e camuflam. Isso é muito comum no caso de sistemas familiares que trazem em si perdas de membros através de abortos espontâneos e/ou provocados. A exclusão fere diretamente a Lei do Pertencimento – todos que fizeram ou fazem parte de um sistema têm o direito de pertencerem e de ocuparem um lugar legítimo e reconhecido no sistema familiar.   
 
É muito frequente nos atendimentos terapêuticos perguntar aos clientes o número de filhos e aparecerem informações incompletas que indicam a tendência à exclusão dos filhos abortados. Quando se questiona se houve abortos, muitos respondem que sim. Pertencer à família é uma necessidade de todos os membros familiares. A gestação, mesmo interrompida de um ou mais membros é fato importante no histórico familiar. Filhos são o fruto da união de um casal e a geração da continuidade de mais um subsistema. Continuidade essa que altera sensivelmente o curso da história da família e seus desdobramentos.             
 
Um filho abortado deve ter seu lugar na ordem dos irmãos. Será um primogênito, um segundo filho, um terceiro, mas deverá ter seu lugar, seja qual for a ordem de seu surgimento. Sua presença na vida de um casal, ainda que por curtos meses, altera significativamente diversos aspectos: o momento dos pais individualmente bem como o momento do casal na gestação; a interpretação da perda, sentidos e sentimentos decorrentes; determinará ainda como esse casal (ou mãe e pai individualmente em caso de separação e formação de novos pares) lidará com a chegada dos filhos que vierem depois dessa perda. Quando ocorrem exclusões ou rejeições no sistema, geralmente emaranhamentos diversos acontecem. Por exemplo, outro membro do sistema, mais jovem, tende a se identificar com o membro excluído, gerando desequilíbrio. Na prática clínica é muito comum observar que há muitas pessoas ocupando o lugar de membros excluídos, que se queixam de estarem “perdidos” na vida, sem saberem sua colocação e seus objetivos, geralmente fiéis às expectativas dos pais que inconscientemente procuram resgatar os filhos perdidos na existência dos filhos que vieram posteriormente. É importante saber qual é o lugar de cada indivíduo no sistema familiar. E isso só é possível com a inclusão dos membros excluídos. Saindo da superficialidade da queixa, alcança-se o problema sistêmico e se desvelam as conexões mais profundas do indivíduo com sua história e a história de seu sistema familiar.
 
A inclusão dos filhos ou parentes abortados acontece dentro da alma, conferindo a eles um lugar que eles merecem por terem existido no sistema familiar, independentemente do tempo de vida ou se essa vida foi em âmbito estritamente intrauterino. Sua presença alterou o sistema profundamente e pertencer e ser incluído é seu direito. Existindo na alma das demais pessoas que fazem parte do sistema, possuindo o seu lugar como filho, irmão, neto etc., o equilíbrio é atingido e a continuidade saudável do sistema acontece naturalmente.  Sempre em respeito ao sistema maior denominado Vida.

 

Anaísa Mazari, é graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. CRP 06/100271, especialista em  Saúde da Família e Comunidade através do Programa de Residência Multiprofissional da UFSCAr,   Terapeuta e Consteladora Sistêmica através do Instituto Brasileiro de Consciência Sistêmica - IBRACS Ribeirão Preto. Atua como psicóloga clínica e Consteladora.

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