sexta, 04 de outubro de 2024
Saúde

Teste aponta a presença de contaminantes em amostras de salame vendidas em São Paulo

Metodologia desenvolvida por pesquisadoras do Instituto Adolfo Lutz e da USP revela que seis amostras do embutido continham resíduos de hidrocarbonetos, mas apenas duas excederam os limites toleráveis

14 Fev 2023 - 11h20Por Da Assessoria de Imprensa
Salame - Crédito: (foto: Pixabay)Salame - Crédito: (foto: Pixabay)

Mônica Tarantino | Agência FAPESP – Seja no boteco ou em casa, o salame tem seu lugar garantido à mesa brasileira. Dada a sua popularidade e a variedade de marcas e tipos no país, pesquisadoras do Instituto Adolfo Lutz (IAL) em parceria com cientistas do Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) analisaram 14 marcas comerciais do embutido para rastrear a presença de quatro contaminantes do grupo dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs), que são prejudiciais à saúde humana e animal. “Nós avaliamos 22 amostras de salames comprados em supermercados e lojas de varejo na cidade de São Paulo entre 2019 e 2021”, descreve Simone Alves da Silva, pesquisadora do Núcleo de Contaminantes Orgânicos do IAL e uma das autoras da pesquisa.

As amostras foram trituradas, homogeneizadas e depois submetidas a uma nova metodologia de rastreamento desenvolvida pelo grupo. O resultado mostrou que seis das 22 amostras (quase um terço do total) continham ao menos um dos quatro HPAs buscados. Felizmente, na maioria das amostras positivas, as quantidades estavam abaixo dos limites estabelecidos pela legislação europeia, que foi adotada como parâmetro por falta de normas específicas no Brasil para controlar esses compostos em embutidos cárneos. “Duas amostras apresentaram contaminação por HPAs acima do limite máximo tolerável no Regulamento da Comissão Europeia”, relata a pesquisadora.

Como o rótulo de dois salames indicava que os produtos foram defumados, as cientistas decidiram analisar o conteúdo (a carne) e a tripa (a pele que recobre o salame) de cada uma dessas amostras em separado. “Encontramos maiores teores de contaminantes na tripa do que na carne, indicando maior presença de HPAs na superfície do produto”, disse a bióloga Geni Rodrigues Sampaio, responsável técnica pelos Laboratórios de Componentes Alimentares e Saúde e de Genômica Nutricional e Inflamação da FSP-USP e coautora do estudo.

Os hidrocarbonetos policíclicos aromáticos são uma classe de compostos que inclui mais de cem substâncias químicas que surgem da queima incompleta de matéria orgânica, como ocorre com o carvão, a madeira e os combustíveis fósseis. Suas fontes mais frequentes são as queimadas da mata, os veículos automotivos, a fumaça de cigarros e vários processos industriais. A degradação dessas partículas no ambiente é lenta e elas podem se incorporar aos alimentos por contaminação do ar, da água ou do solo e também pelo cozimento ou em alguma etapa do processo de produção. Para vigiar sua presença, desde 2008 a Comissão Europeia orienta o rastreamento de quatro HPAs: o benzopireno (BaP), o benzoantraceno (BaA), o criseno (Chr) e o benzofluoranteno (BbF). Um volume considerável de evidências científicas sobre a ação do benzopireno convenceu a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC, na sigla em inglês) a declará-lo carcinogênico. À espera de dados conclusivos, a entidade mantém os outros três HPAs citados sob suspeita de provocar alterações no código genético e de causar efeitos imunossupressores. Nas amostras brasileiras, o hidrocarboneto mais frequente foi o benzoantraceno.

Os achados da pesquisa, realizada com apoio da FAPESP e publicada na revista Food Analytical Methods, funcionam como um alerta. “Alguns produtos podem estar passando por processos de defumação tradicionais, sem uso de filtros para a fumaça que reduzem a presença dos compostos HPA”, afirma Silva.

Métodos de processamento

Como explica a engenheira agrônoma Elizabeth Ferraz Torres, professora do Departamento de Nutrição da FSP-USP e autora correspondente do artigo, a defumação dos salames é um processo opcional. A forma mais comum é a defumação indireta, com uso de fumaça líquida ou aroma de fumaça.

“Esse método tem sido usado especialmente pela indústria em substituição à defumação tradicional devido à sustentabilidade, facilidade e à possibilidade de obter produtos com maior uniformidade de sabor, cor e com características organolépticas distintas, uma vez que aromas com diferentes composições estão disponíveis”, explica Torres.

A legislação brasileira permite também a defumação tradicional, em que a fumaça é produzida na mesma câmara onde a carne é processada e fica em contato direto com os alimentos. É considerada mais crítica, pois pode levar à formação de HPAs se a queima das madeiras (resinosas, secas e duras) não for bem controlada.

A contaminação por HPAs costuma ser avaliada em produtos exportados nos países de destino, mas os que são consumidos no território nacional ainda escapam a essas análises. “É uma falha nossa a ser corrigida. Os dados obtidos não só servem como subsídios para a formulação de uma legislação para o setor como mostram a necessidade de avaliações periódicas para monitorar a contaminação nos alimentos cárneos e avaliar se são seguros para o consumo”, acrescenta.

No Brasil, a presença dos HPAs é monitorada apenas em peixes, crustáceos e moluscos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), de acordo com a assessoria de imprensa da pasta. O acompanhamento passou a ser feito em 2019, depois que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) estabeleceu limites de segurança para contaminantes em pescados com a finalidade de gerenciar o risco associado ao vazamento de óleo que atingiu, em agosto do mesmo ano, uma extensão estimada de 4 mil quilômetros da costa brasileira. Em 2022, a Anvisa também estabeleceu limites para o benzopireno em óleo de bagaço de oliva e/ou de caroço de oliva. Não há parâmetros para outros alimentos até o momento.

Um dos objetivos do estudo com salames foi validar o método desenvolvido pelas autoras por solicitação da Anvisa, que pediu ao Instituto Adolfo Lutz metodologias atualizadas para monitorar os HPAs em produtos cárneos.

“Conseguimos reduzir de duas a três vezes o tempo de análise e o custo”, conta Torres.

O mesmo grupo já validou métodos para identificar a presença de HPAs em óleos de soja, azeites vegetais e chocolates.

A reportagem procurou a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia), a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e o Centro de Vigilância Sanitária (CVS) do Estado de São Paulo, mas não houve retorno até o fechamento desta edição.

O artigo Quantification of Polycyclic Aromatic Hydrocarbons in Commonly Consumed Salami in Brazil pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s12161-022-02414-z.

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