quinta, 25 de abril de 2024
Memória São-carlense

A trajetória de Paulo Duarte, o “combativo jornalista”

29 Jun 2018 - 12h00Por (*) Cirilo Braga
A trajetória de Paulo Duarte, o “combativo jornalista” - Crédito: Ana Paula Duarte e Arquivo Câmara Municipal Crédito: Ana Paula Duarte e Arquivo Câmara Municipal

 

Entre as personalidades com atuação na Imprensa e no meio político de São Carlos em outros tempos, merece registro a presença de um personagem que entre os anos 1960 e o início da década de 2000, deixou a marca de um exímio tribuno e defensor das causas da cidade. Seu nome: Paulo Edmundo Dias Duarte, o “Paulinho Duarte”, advogado e jornalista, falecido em 2004, que deixou sua marca na atuação em jornais e no Poder Legislativo de São Carlos, onde exerceu por duas vezes o mandato popular: de 1983 a 1988 e de 1993 a 1996.

Natural do Rio de Janeiro, nascido no dia 5 de fevereiro de 1939, Paulo Duarte foi cantor de ópera na década de 1950, mas problemas nas cordas vocais o levaram a abandonar a ascendente carreira que amava. Chegou a São Carlos no ano de 1960 e aqui trabalhou na redação do jornal Correio de São Carlos e foi diretor comercial da antiga CBT (Companhia Brasileira de Tratores). Casou-se com Jane Romanelli Duarte e teve três filhos: Paulo Filho, Ana Paula e Patrícia.

Formou-se em Direito pela Fadisc, tornando-se um advogado criminalista e um jurista de grande talento. Nos anos 70, foi sócio-proprietário do jornal “O Diário”, onde desenvolveu um estilo jornalístico polêmico. A ligação com os Pereira Lopes o levou a interessar-se pela política local, mas somente veio a concorrer a vereador nas eleições de 1982 com o slogan “combativo jornalista”, que lhe valeu a eleição para a legislatura 1983-1988, pelo PMDB.

Em 1984 foi presidente da União dos Vereadores do Brasil (Pro-tempore) e da União dos Vereadores de São Paulo (UVESP). Em 1992, voltou à Câmara já pelo PTB, ingressando depois no PSL, partido que presidiu no período em que exerceu a presidência da Câmara, de 1o. de janeiro de 1995 a 31 de dezembro de 1996. Foi proprietário do jornal “Correio de Notícias” e nos últimos tempos atuava como radialista e mantinha um programa diário na Rádio São Carlos.

A trajetória de Paulo Duarte merece registro por possuir algumas particularidades que nem todos conheceram.

O cantor lírico da adolescência alcançou notoriedade por alcançar a difícil nota re de uma oitava, a que celebrizou Pavarotti. Tinha um futuro promissor quando um acidente vocal afastou-o desse caminho.

Desfeito o sonho, e sem poder continuar estudando no Conservatório Brasileiro de Música do Rio de Janeiro, adotou outro caminho. Fez um curso que aconteceu no Quitandinha, então um dos mais famosos hotéis de Petrópolis, onde se reuniram equipes de vendedores de diversas áreas que optavam pelo novo caminho de vendas. Aprovado, foi admitido no setor de vendas da Willys Overland, a primeira fábrica de automóveis do Brasil.

A rotina de vendedor estimulava-o a enfrentar outros desafios. Some-se a isso, o fato de também conviver com a dificuldade de explicar o porquê de não cantar mais. Resolveu então romper com aquele passado e acabou vindo para São Carlos.

Amparado pela família Pereira Lopes, foi trabalhar no jornal “Correio de São Carlos”. O jornalismo naquela época tinha um perfil tradicional e conservador. Um painel de obviedades que seria um terreno fértil para novidades.

A objetividade, a criatividade, a irreverência passaram a compor o tripé de conduta do jornalista que não dormia, porque a necessidade de se autoafirmar o obrigava destemidamente a lutar dias e noites a fio para tornar o jornal mais agressivo, mais dinâmico, com um denso conteúdo informativo. A ele nada escapava, tudo era noticiado.

Foi ele quem trouxe a novidade do “lead” (cabeça da notícia) para as redações locais. Antes, predominava o chamado “nariz de cera”, em que os jornalistas apresentavam um rebuscado preâmbulo antes de relatar os acontecimentos. Quando no auge, o “Correio” chegou a ter uma linha direta com a Rádio São Carlos, de Gisto Rossi, que transmitia flashes ao vivo, da mesa de trabalho do repórter Paulo Duarte.

Certa vez, no fechamento de uma edição, ao constatar que o jornal estava “chocho”, Paulo soube de alguém, um ferroviário, que um disco-voador havia sido visto em Itirapina. Não teve dúvidas, estampou a manchete no dia seguinte: “DISCO VOADOR É VISTO NA REGIÃO”. O incrível é que logo depois que a notícia saiu publicada, um disco-voador foi visto na região.

Sua passagem no jornalismo ficou interrompida porque o jornal “Correio de São Carlos” deixava de circular após 1964. Era necessária uma nova mudança e ela aconteceu com o incentivo daquele que considerava um “irmão siamês”, Ernesto Pereira Lopes Filho, que o levou para a atividade comercial na loja Climax.

Quando surgiu a Faculdade de Direito, capitaneada por Everaldo Keppe, Paulo ingressou no curso e passou a trabalhar naquela instituição como assistente da diretoria. Sem se dar conta, dobrava ali uma esquina importante de sua vida, pois adiante abraçaria a advocacia com devoção.

O passo seguinte foi ser diretor na Faculdade de Direito de Bragança Paulista, onde permaneceu por um ano e meio. Já não conseguia viver longe de São Carlos. No regresso, Dr.Mário Pereira Lopes o empregou na Companhia Brasileira de Tratores, a CBT. Ali, ocupou o cargo de assistente da diretoria e chegou a gerente de vendas no momento em que a empresa alcançava o apogeu de sua produtividade e ganhava o mercado internacional. Na CBT, criou novas concessionárias, conquistou posições de vendas importantes para a empresa, imprimiu novos conceitos de venda, ofereceu cursos e fez valer os conhecimentos obtidos na Willys Overland.

No período, já formado em Direito, começou a advogar, destacando-se no Tribunal do Júri. Com o dom da oratória, realizou defesas memoráveis e obteve vitórias que o notabilizaram.

A etapa seguinte seria ingressar na política, um feito que alcançou ao ser eleito vereador em 1982.

Como diretor-proprietário e articulista do jornal “O Diário”, unindo-se a Leôncio Zambel, da Rádio Progresso, desenvolveu campanhas beneficentes e mobilizações comunitárias como os auxílios enviados aos flagelados das enchentes no Sul do país e da seca no Nordeste, no início dos anos 80. Partiam daqui caminhões lotados de donativos arrecadados nas ruas, na rádio e na redação do jornal. Também teve êxito numa verdadeira “cruzada” que empreendeu para acabar com abusos e maus tratos a menores que eram cometidos numa instituição da cidade que, graças à sua intervenção, reencontrou a normalidade.

À Câmara Municipal Paulo Duarte levou o estilo arrojado com que atuara no jornalismo, no comércio e na advocacia. Sem papas na língua, logo apresentou-se como uma liderança da União dos Vereadores do Estado de São Paulo (UVESP), que revitalizou num momento crucial com a campanha “Legislativo Forte”.

Era a reta final do regime militar e Paulo incluiu São Carlos na mobilização pelas Diretas-Já. Graças à liderança que já exercia no PMDB, foi o único político do interior do país a discursar no memorável comício da Praça da Sé, a maior concentração popular da história brasileira.  Discursou ao lado de legendas cenário político nacional, entre os quais Tancredo Neves e Ulysses Guimarães. Num congresso em Fortaleza, ajudou a derrotar o continuísmo ao participar da direção da UVB (União dos Vereadores do Brasil). Participando do apoio à Emenda Dante de Oliveira, chegou a ser detido pelas tropas do General Newton Cruz, em Brasília, junto com outros vereadores.

Em 1995 e 1996, presidiu a Câmara Municipal de São Carlos, período em que o município recebeu a Volkswagen Motores e sua gestão restaurou o histórico edifício Euclides da Cunha, sede do Poder Legislativo.

Paulo Duarte, que se inspirava em Carlos Lacerda foi a figura notável que conheci em 1980 quando ele fez um acalorado discurso a um secretário de Estado que prestava homenagem à imprensa da cidade, em 1980. Eu era “o menino” que tivera uma passagem fugaz pelo “O Diário” no ano anterior, onde estive por recomendação de seu amigo João Isaac, da CBT.

Passaríamos a fazer artigos em parceria e eu via de perto o entusiasmo com que produzia a coluna “Sinopse de Um Repórter” e produzia textos explosivos, que invariavelmente eram concluídos com um “Voltaremos ao assunto!”. Aquela maneira de agir era a essência do estilo que ele incorporou, levando a emotividade em tudo quanto tocava: na advocacia, no jornalismo, na política.

Teve grandes amigos, como o jurista JB Vianna de Moraes e seu “compadre” Dr. Acyr Leopoldino.

O “combativo jornalista” denunciou que a Telesp estava "uma merda", fotografou cobra na praça, inaugurou “arranha céu” sem “é”, polemizou com padre, médico, gerente de banco, delegado, comandante da PM, acompanhou rumorosos casos policiais e juntou mantimentos para ajudar flagelados da seca do nordeste.

Em tudo se sobressaiu, de modo que quem viveu em São Carlos a seu tempo não ficou indiferente ao estilo do carioca que adotou a cidade como sua terra natal.

Paulo Edmundo Dias Duarte foi homenageado pelo município com a denominação da Avenida 2, no Jardim Embaré, conforme a Lei Municipal 13.300.

(*) O autor é cronista e assessor de comunicação em São Carlos  (MTb 32605) com atuação na Imprensa da cidade desde 1980. É autor do livro “Coluna do Adu – Sabe lá o que é isso?” (2016).

Esta coluna é uma peça de opinião e não necessariamente reflete a opinião do São Carlos Agora sobre o assunto.

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