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MEMÓRIA SÃO-CARLENSE: Flor de Maio, uma rica história de 90 anos

2 FEV 2018 • POR (*) Cirilo Braga • 03h17
Foto: GRFlor de Maio/Arquivo Histórico/Reprodução “Café, Indústria e Conhecimento – São Carlos, uma história de 150 anos”

Em maio próximo, o tradicional Grêmio Recreativo Flor de Maio completará 90 anos de existência, um acontecimento que merece ser celebrado por traduzir a vitalidade dos afrodescendentes em São Carlos e sua rica contribuição para a história da cidade. O clube fundado em 1928 tem a musicalidade como sua marca e sempre colocou em pauta temas relevantes para a formação da identidade e organizações da comunidade negra em São Carlos.

O Flor de Maio deu à cidade a Escola de Samba em que brilhou Odette dos Santos, elegeu sua primeira Rainha do Carnaval em 1947 e promoveu debates sobre temas sociais.

Já em fevereiro de 1935, músicos e passistas se reuniam em frente à sua primeira sede, ainda provisória, na rua Conde do Pinhal, imagem que retrata a formação de sopro, percussão e banjo que compunha o conjunto de jazz.

A região onde o clube se localiza atualmente concentrou no final do século XIX, famílias de ex-escravos que, como a história registra, foram morar na "vertente sudoeste da colina central" além da Biquinha (hoje Teatro Municipal), chácaras do major Rodrigues Freire (Asilo dona Maria Jacinta) e do Major Manuel Antonio de Mattos (Vila Pureza).

CONSCIENTIZAÇÃO

Fundado em 4 de maio de 1928, ao longo de sua história o Grêmio Recreativo Flor de Maio conservou o ideal de seus fundadores. Em todos os momentos soube valorizar a cultura negra de forma admirável. E também em todas as suas atividades, contribuiu enormemente para a perfeita interação da comunidade com a sociedade e a conscientização acerca da igualdade social.

Pode-se imaginar como era a vida na pequena São Carlos naquele outono de 1928. O ciclo do café caminhava para o seu final quando integrantes da comunidade negra que trabalhavam como ferroviários tomaram a decisão de fundar um clube associativo. Era uma época que intelectuais já falavam da necessidade de uma segunda emancipação que assegurasse a integração dos negros no processo produtivo.

Não foi fácil a tarefa que abraçaram com o espírito determinado de congregar a comunidade por meio da realização de bailes e festas que logo consolidaram o clube.

O Flor de Maio passou a ser uma referência da alegria, da operosidade e do idealismo de seus associados. Gerações inteiras encontraram ali um local não apenas de lazer e de recreação e esportes, mas também um núcleo importante para desenvolver as suas potencialidades.

Em 1973, o clube realizou um ciclo de conferências colocando em pauta a transição de escravo a cidadão, a marginalização do negro no mercado de trabalho e a situação da mulher negra. Temas que permanecem atuais e que impulsionam o combate ao racismo, à discriminação e ao preconceito, sem perder de vista que o nascedouro dessa luta em São Carlos se deu no Flor de Maio.

A ESCOLA DE SAMBA DE ODETTE DOS SANTOS

Participando por vários anos do carnaval de São Carlos, tendo sua própria escola de samba, o Flor de Maio marcou época nos desfiles da cidade e revelou notáveis sambistas, como a inesquecível Odette dos Santos.

Odette foi uma referência como mulher trabalhadora e sambista. Com muito talento e contagiante entusiasmo, ela despertou a autoestima e a valorização de todo um povo que dedicou à nossa cidade uma contribuição cultural inestimável.

Com apenas 12 anos, o repentino falecimento de seu pai a tornou um esteio para a família, garantindo a manutenção de sua mãe e irmãos. Criada num ambiente musical (desde os 4 anos já saía nos cordões carnavalescos), quando jovem criou com a diretoria do Flor de Maio a primeira escola de dança de salão de São Carlos. Em seguida fundou também a primeira escola de samba em São Carlos, "Odette e sua Escola de Samba". A partir de então, passou a ser reconhecida como a principal carnavalesca são-carlense, aclamada com os títulos de "Dama do Samba" e "Madrinha dos sambistas e das Escolas de Samba de São Carlos". Odette faleceu em 11 de março de 19191, aos 61 anos, tendo seu nome dedicado ao Centro de Cultura Afro-Brasileira inaugurado em novembro de 2006.

UMA CASA DE CULTURA

Em sua história, o Grêmio Recreativo Familiar Flor de Maio teve, e tem, uma grande importância para São Carlos, realizando e apoiando atividades de teatro, grupos de maracatu, a semana da consciência negra, exposições de livros, de trabalhos de artistas plásticos, orquestra sinfônica, futebol varzeano, futebol amador, bailes e muitas outras atividades.

Quando muito se fala da necessidade de divulgar e valorizar a cultura negra em nosso país, é preciso olhar para o exemplo deste clube. É mais que necessário expressar a gratidão de todos nós à visão dos fundadores, o dinamismo de todas as diretorias do clube ao longo do tempo e espírito de congraçamento de todos os seus associados. Pessoas que honram a trajetória do Flor de Maio e se inspiram nas lições daqueles que, vivendo em situações muito mais adversas do que a observamos nos dias atuais, lançaram a semente que frutificou.

Desde a sua origem, o clube já se tornava uma referência positiva à população negra da cidade quanto à sua capacidade de organização. Havia, para além do espírito de congraçamento e de reunião, um sentido de resistência e um alto significado para a conscientização da comunidade negra em São Carlos.

PATRIMÔNIO HISTÓRICO

Outro ponto que merece ser enaltecido na caminhada do Flor de Maio, foi a preocupação que seus pioneiros tinham com as atividades sócio educativas, buscando levar efetivamente à integração na sociedade. O clube chegou a constituir uma escola primária e frequentemente promovia debates sobre temas sociais.

Por toda a sua representatividade, o Flor de Maio teve o seu tombamento oficializado em 2011 pelo Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de São Carlos (COMDEPHAASC), que o considerou patrimônio histórico e cultural do município. O clube social negro de São Carlos tornou-se o primeiro do Estado a ser tombado.

O ato reconheceu o papel de afirmação cultural da etnia negra desempenhada pelo clube e sua importância nas conquistas da população negra são-carlense. Em seu parecer recomendando o tombamento, o professor do Instituto de Arquitetura da USP e então membro titular do COMDEPHAASC, Ruy Sardinha Lopes destacou a importância desse procedimento "para preservação da história material e cultural da população afrodescendente são-carlense que tanto contribuiu e ainda contribui para o desenvolvimento desta cidade".